O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 22
Conversas inesperadas




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21. Conversas inesperadas

O imprevisível é só mais uma prova de que os sentimentos são sempre uma surpresa mesmo.”

"Orlen Pessoa"

– Por amor à barba de Merlim, o que estão a fazer aqui? – Ouvi a voz da Natalie assustada, parecendo ter apanhado um susto.

Eu olhei para onde ela estava a olhar e surpreendi-me de ver os gémeos Weasley à porta, com os braços cruzados enquanto olhavam, muito seriamente, para mim.

– Aqui o George estava a perguntar-me uma coisa engraçada. – Perguntou o da direita (que presumi ser o Fred), entrando.

– O que é que o nosso estimado Lord está a fazer na sala de poções? – Continuou o George, ficando ao lado do irmão.

– Sozinho….

– Com duas jovens…

– E o Snape longe?

Vi-os inclinar a cabeça à espera de uma resposta minha. No entanto, eu ainda estava paralisado a olhar para eles, à frente da porta – impossibilitando a Natalie de sair – para responder.

– George? Fred? O que é que estão a fazer aqui? – A Hermione perguntou, fazendo-os levantar uma sobrancelha.

– Nós perguntamos primeiro. – Responderam os dois ao mesmo tempo.

Eu suspirei.

– Estive a ter uma aula de poções. Vocês estão à procura do professor Snape?

– Ohhhh, nós também queremos dessas aulas. – Ouvi o que devia de ser o Fred dizer.

– Hermione, como é que nunca nos ofereceste? – Perguntou o outro, parecendo, genuinamente, ofendido. – E pequena Black, nós conhecemos-te desde pequena, podias ter-nos estendido o convite. – Choramingou.

– E o Lord devia ter-se lembrado de nós, os seus fiéis seguidores, que o irão seguir até ao fim do mundo!

– Mas que têm uma preferência por uma sala de aula vazia, somente com duas jovens belas e encantadoras como elas. – Acrescentou, rapidamente, o outro.

Eu pisquei os olhos, surpreendendo-me quando vi a Natalie ganhar por um segundo uma cor mais rosada nas bochechas.

– Não me chamem pequena Black! – Ouvi-a dizer, recuperada. – E o que estão a fazer aqui?

Eles entraram na sala, perdendo a sua postura mais séria, sorrindo e ficando ao lado da Natalie.

– Ora viemos dizer olá, ao nosso amado…

– E poderoso…

– Lord.

Eu revirei os olhos quando os vi fazer uma vénia para mim.

– Como é que vocês sabem sempre quando eu estou em Hogwarts?

Eles abriram sorrisos marotos idênticos.

– Isso, caro mestre, é um segredo. – Disse o George, piscando-me o olho.

Eu suspirei, vendo que eles nunca mudavam.

– Chamem-me Harry, por favor.

Eles arregalaram os olhos, parecendo ficar surpreendidos com o que tinha dito.

– Mas não podemos…

– Com tantas pessoas a verem.

– Nós temos que ser as vozes que espalham a grandiosidade….

– Do Harry Potter…

– Para juntarmos seguidores….

– E juntos….

– Conquistarmos o mundo! – Eles completaram ao mesmo tempo.

Eu suspirei e vi que a Hermione estava a olhar para eles como se não conseguisse acreditar no que estava a acontecer, enquanto a Natalie só bufou.

– Vou-me embora. Adeus.

Eu paralisei enquanto a vi sair, empurrando os gémeos para passar no meio deles e abrir uma passagem. Eles olharam acusatoriamente para nós.

– O que vocês fizeram para a pequena Black ficar tão chateada?

– Parem de me chamar isso!

Eu sorri, involuntariamente, quando ouvi o grito dela do corredor, enquanto se ia embora.

– Ela só está mal disposta. Nada de novo. – Disse dando de ombros. – Mas estou curioso porque é que a chamam pequena Black e ela parece ficar tão chateada.

O conhecimento era poder e tinha um pressentimento, que poderia usar essa informação contra ela, nas nossas futuras discussões.

– Oh, não podemos contar. – Disse, o George, cruzando os braços.

– Mas podemos dizer que o pai dela tem culpa. – Disse, o Fred, piscando-me um olho, fazendo com que eu lhe desse um sorriso cúmplice. Iria perguntar ao Sirius quando chegasse a casa!

Houve um segundo de silêncio, onde cada um ficou com os seus pensamentos até que a Hermione falou.

– Tu conhece-los, Harry?

Eu olhei para ela, lembrando-me que ela ainda não sabia nada da minha relação estranha com eles e eles não sabiam nada da minha relação com ela.

– Eu conheci-os quando estive no castelo, perto do Natal. Eles apareceram, mais ou menos como hoje, do nada e começaram a falar comigo.

A Hermione sorriu.

– Isso é algo que eles fazem.

– Hey! – Ouvi o grito indignado deles que me fizeram rir em conjunto com ela.

– Estou a concluir que sim. – Disse, enquanto os observava. – Vocês querem alguma coisa?

Eles fizeram uma cara ofendida e encostaram-se à parede, ao lado da porta.

– Na verdade não. – Disse, o que presumi ser o George, enquanto dava de ombros. – Só ficamos curiosos quando soubemos que estavas aqui e esperamos que o Snape saísse para vir dizer um olá.

– Como é que vocês sabem que ele não está aqui?

Eles riram-se.

– Segredo! – Disseram, ao mesmo tempo, com sorrisos idênticos. Eles às vezes conseguiam ser muito assustadores!

Eu suspirei e mexi no cabelo, observando a sala à minha volta. Quando vi que a Hermione estava sentada, decidi sentar-me no banco ao lado.

– Mas nós estamos curiosos.

Eu olhei para eles, já sentando, mas parecia que só iriam continuar se eu falasse.

– Em quê?

– Em saber como conheces a Hermione.

Eu sorri. Por algum motivo estranho eu ainda continuava a confiar deles e, por isso, respondi.

– Conheço do mundo Muggle. Andamos na mesma escola.

Eu ri-me e vi a Hermione sorrir quando eles arregalaram os olhos.

– Então… neste tempo todo a Hermione conhecia o grandioso Harry Potter e não nos disse nada?

A Hermione olhou para o George e abanou a cabeça, sorrindo.

– Não, eu conhecia o Harry Green. Só hoje é que descobri que eles eram a mesma pessoa.

Eles abriram sorrisos, iguais, marotos.

– Oh, o reencontro foi hoje!

– O que não dávamos para ter visto…

– E fotografado!

– Renderia milhões!

Acho que por muito tempo que passasse eu nunca me habituaria ao jeito deles. Além de me deixarem tonto, por estarem sempre a completarem a fala do outro, aquela alegria era contagiante.

– Vocês têm que manter segredo. Lembram-se?

Sorri quando os vi perder o sorriso e só assentirem, tristes.

– Oh, pensávamos que podíamos dizer agora que estás aqui.

Ah, eles pensavam que eu estava para ficar. Era até normal, visto que eles só sabiam que eu estava em Hogwarts a ter uma aula de poções.

– Esta aula é excecional. Eu ainda estou a aprender o conteúdo que foi dado nos outros anos para poder vir para aqui em Setembro e frequentar o quinto ano. Sinceramente, não me parece que vocês me vão encontrar aqui muitas vezes e além do mais, caso as minhas vindas aqui sejam descobertas isso só vai reforçar que a história que foi espalhada sobre mim é verdade.

Eles assentiram, pensativos.

– Que os teus pais te encontraram no orfanato depois de realizares uma magia acidental e te trouxeram para Hogwarts porque estavas a formar o teu coro mágico. – Murmurou, o George enquanto me observava. – No entanto, ninguém contou como sobreviveste e todas as pessoas estão muito curiosas.

Eu percebi que aquela fala serviu para ele dar-me um aviso sobre como seria a minha vida ali, quando fosse para Hogwarts. Provavelmente, as pessoas iriam querer saber todos os pedacinhos da minha vida.

– Isso não me interessa. – Eu disse, recostando-me contra a bancada. – O que eu quero provar é que em Setembro venho para aqui porque tenho conhecimento e que o Dumbledore não está a abrir uma exceção só porque eu sou o Harry Potter. Então se me virem aqui, sabem que eu tive este tempo todo a aprender.

Para meu completo espanto eles riram-se.

– Eu acho que ninguém vai duvidar que mereces o teu lugar aqui.

Eu levantei uma sobrancelha, não percebendo a certeza deles.

– Afinal, a história em como salvaste os alunos, com magia sem varinha, é contada e recontada.

– O que as pessoas vão estranhar é o facto de dizerem que não sabes praticar magia. Muitas acham que isso é uma mentira.

Eu devo ter feito uma careta ao ouvir aquilo porque eles mandaram-se sorrisos simpáticos e a Hermione apertou a minha mão. Os outros alunos não me iam deixar mesmo em paz….

– Mas Harry não te preocupes. Eles vão perceber que não estás a mentir e o importante é que mereces estar aqui, como todos nós.

Eu sorri para ela.

– Eu sei e estou a tentar aprender o máximo agora para conseguir fazer os exames do quarto ano convosco. Assim, vou ser avaliado e vou provar que o meu conhecimento está ao vosso nível.

Os gémeos desencostaram-se da parede, aparentemente, muito animados.

– Oh, o nosso Lord vai começar a mostrar o seu poder já este ano!

O Fred esfregou as mãos, todo feliz.

– Podemos já começar a fazer planos, George.

– Temos que iniciar o recrutamento.

– Que recrutamento? – Eu perguntei, começando a ficar assustado com eles.

Eles abriram sorrisos idênticos.

– Para o seu exército, meu Lord. – Disseram, os dois, fazendo-me mais uma vénia.

Eu tive vontade de bater com a cabeça contra a bancada.

– Parem com isso que se alguém vos ouvir ainda se acreditam.

– Mas nós queremos que eles se acreditem! – Falaram, os dois ao mesmo tempo.

– Fred e George, isto é sério. Podem dar problemas ao Harry se fizerem isso.

Eu sorri, agradecido, para a Hermione e vi-os perder a animação.

– Vocês são um estraga-prazeres. – Murmurou, o Fred, cruzando os braços.

– Mas nós compreendemos.

Eles trocaram um olhar e eu não gostei nada disso, ao perceber que eles já estavam a fazer planos, outra vez.

– Nós esperamos até Setembro, onde as pessoas vão-se reunir pelo carisma do nosso caro Lord.

Eu acho que choraminguei, ao ver que eles nunca iriam mudar.

– Por favor, parem de me chamar isso.

Eles negaram com a cabeça.

– Temos que mostrar respeito pelo nosso superior.

Eu desta vez bati mesmo com a cabeça na bancada, não me acreditando neles.

– Até em Setembro? – Murmurei, ainda com a cabeça na bancada.

– Sim. – Ouvi a resposta deles e eu fechei os olhos, ficando ali a pensar na minha vida futura.

Tinha as pessoas que me iriam questionar tudo sobre o meu passado. Tinha os gémeos que me iriam chamar meu Lord e fazer com que eles boatos, sobre eu ser um Lord das Trevas em miniatura, nunca desaparecessem.

– Vocês estão a assustá-lo. Comportem-se como pessoas da vossa idade!

Eu como estava de olhos fechados, ainda a pensar em tudo o que poderia dar mal, não os vi negar com a cabeça mas ouvi a resposta deles para a Hermione.

– O nosso Lord é forte, ele aguenta com isto.

Eu fiz uma careta mas felizmente a minha cara estava escondida pela bancada. Levantei-a passado uns segundos e olhei para eles, que ainda estavam de braços cruzados só a observar-me.

– Vocês não me vão facilitar a vida, pois não?

Eles sorriram.

– Claro que não. É para isso que estamos aqui.

Eu ainda continuei a olhar para eles, com uma cara séria mas quando vi que eles nunca mudariam, deixei a minha expressão suavizar.

– O que seria a minha vida se só tivesse facilidades, não é? – Perguntei, piscando-lhes o olho e vi-os rirem-se. – E pode ser que eu até vos oiça e comece a construir um exército.

Vi-os arregalar os olhos e ficarem com uma expressão idêntica de alegria, enquanto a Hermione só se riu para mim.

– Nós ajudamos nessa tarefa!

– Inclusive, a treinar se for necessário.

Eu olhei confuso para eles, ao ver que eles ficaram sérios.

– Harry, se precisares de ajuda, em poções ou noutra disciplina, podes-nos pedir.

Eu olhei para o George e conclui que o convite era sincero, acentuado pelo facto de ele chamar-me Harry e não meu Lord. Eu assenti para ele mas tinha que recusar.

– Eu estou a ser bem ensinado. E além do mais se conseguir fazer os exames com a Hermione, não pretendo tirar excelentes notas. Só espero que passe com aceitáveis.

– Tu tens que dar o teu melhor, Harry!

Eu ri quando ouvi a Hermione dizer aquilo. Ela não tinha mudado nada com os anos.

– A falar do melhor, ainda não em explicaste como tiveste detenção.

Vi-a corar e os gémeos riram-se, parecendo ter prazer por verem-na sem saber o que dizer.

– Não tive culpa! – Ela afirmou, parecendo chateada. – O Ron – quando disse aquele nome, ela olhou para os gémeos como se eles fossem culpados – começou a falar e eu é que tive detenção. Nem lhe respondi!

– Já era de esperar numa aula do Snape. – O George disse, dando de ombros.

– É normal tirar pontos, não, dar detenção e nem tirar pontos. No entanto, até lhe estou agradecida, afinal, assim consegui ver o Harry.

Ela mandou-me um sorriso adorável e os gémeos assobiaram, fazendo-me mandar-lhes um olhar maldoso para ver se paravam.

– Ele é assim tão rígido?

As três cabeças dos presentes assentiram e, estranhamente, eu não fiquei espantado, pela minha experiência com ele.

– Quando é que te vais embora?

– Não sei, - respondi ao Fred – tenho aula com o Snape às 14 horas e até lá é para ficar aqui.

– E o almoço? – Perguntou a Hermione.

– Ele disse que me vinham dar aqui.

– Só às 14, heim? – Ouvi o Fred perguntar, enquanto olhava para um relógio que estava na parede. – Acho que então podemos agraciar-te com a nossa presença por mais algum tempo. Com sorte, também nos trazem o almoço.

E foi assim, que sem querer e sem imaginar, eu acabei por passar a minha manhã. Rindo, das parvoíces dos gémeos, voltando a construir a minha amizade e confiança com a Hermione e ouvindo as diversas histórias que eles tinham para contar sobre Hogwarts.

–--OLC---

Eu olhei fascinado para a Rose que via satisfeita um pacote de bolachas ir ter às mãos dela, flutuando. Lembrei-me da Hermione ter feito uma coisa parecida e sorri, imaginando se aquilo não seria mais normal do que a sociedade pensava. No entanto, nós não estávamos sozinhos e, por isso, apesar de a Rose estar satisfeita a comer bolachas, como se nada tivesse acontecido eu vi o olhar que os nossos pais trocaram.

Medo.

Eles tinham medo e eu comecei a temer o que eles lhe poderiam fazer devido ao medo.

– Rose, querida, vem passear comigo para a rua.

Eu não compreendi quando vi o olhar assustado que a Serena me mandou mas senti um arrepio ao ver o olhar cheio de ódio que o Louis me deu.

A Rose sem compreender bem o que estava a acontecer saiu. A primeira vez que ela fez magia, teve a sorte que só eu tivesse visto e eu expliquei-lhe que ela não era a primeira pessoa que eu tinha visto a fazer aquilo. Isso fez com que ela tivesse feito aquilo ali, na sala-de-estar, enquanto os pais estavam a ver televisão e eu lia um livro da escola.

Mandei mais um sorriso para ela, que saiu a fazer perguntas à mãe, provavelmente, sobre o porquê do súbito passeio mas a minha atenção já não estava nela, estava sim no Louis, que se levantou do sofá, enraivecido.

– O que é que fizeste à minha filha?

Eu só tive tempo de pôr o livro na mesa antes de ele me agarrar pelo colarinho da t-shirt que eu tinha e me fazer levantar do sofá.

– Eu não estou a compreender.

Os seus olhos brilharam, com ira e eu senti-me a engolir em seco, enquanto sentia as suas mãos fecharem-se ainda mais, na minha t-shirt.

– Não te faças de idiota!

Eu senti mais um arrepio mas não sabia o que dizer. Ele estava a fazer isto por causa do que a Rose tinha feito? E estava a achar que era por alguma coisa que eu tinha feito?

– Eu…

– Tu nada! – Ele empurrou-me contra o sofá e eu cai, olhando para a expressão dele, deformar-se, parecendo cada vez mais um homem maluco. – Eu sei da tua pequena conversa com a Rose, onde lhe disseste que… que aquilo… - ele falou com tanta raiva que eu senti perdigotos saírem da boca dele e atingirem-me – aquela coisa… era normal.

Eu abri a boca para responder mas ele deu-me uma chapada e eu fiquei a olhar para a lareira com a força dela.

– Não é!

Ele ficou uns segundos a observar-me, provavelmente, a ver a minha face vermelha que se virava para ele, num olhar com dor e incompreensão.

Porque é que ele estava a fazer aquilo? Aquilo não era anormal e eu não percebia o medo que ele sentia daquilo só porque não compreendia.

– A Rose…

– A Rose nada! Seu órfão, que só sabe arranjar problemas. – Ele agarrou-me outra vez pela t-shirt e eu fui contra ele, não reagindo. – Eu sei que tens ciúmes da nossa relação com ela e a queres destruir, fazendo estas coisas, pondo-lhe na cabeça que é ela a fazer mas eu sei mais. Eu sei que o culpado és tu. – Ele disse aquilo com tanto prazer que eu senti mais um arrepio enquanto olhava para os olhos irados dele. – E eu vou fazer-te ver que não tens razão.

Eu senti-o largar a minha t-shirt para me dar um murro e eu cair no sofá.

Eu cerrei o maxilar ao ver o Snape, imperturbável como sempre, olhar para mim com os seus olhos inexpressivos.

– Acredito que neste mês fizeste alguns progressos devido à paciência da tua mãe.

Eu engoli em seco, ainda vivendo aquela memória. O meu coração estava demasiado apertado e eu ainda sentia aquela dor que eu tinha sentido, dor física e emocional por não compreender o que o Louis estava a fazer.

– Potter!

Eu pisquei os olhos ao vê-lo chamar-me com a sua agressividade normal e finalmente consegui sair dos meus pensamentos autodestrutivos.

– Sim?

Eu vi-o apertar a varinha, o único sinal que ele poderia estar a fingir a sua postura indiferente e suspirei ao lembrar-me como tinha relembrado aquela memória.

Daquela vez, eu não estava tão desprotegido como na minha experiência anterior e, por isso, quando ele lançou o feitiço, eu esvaziei a mente, conseguindo não pensar em nada. No entanto, isso não era suficiente como eu reparei quando comecei a sentir uma dor de cabeça que me fez cerrar o maxilar. Para além disso, quando comecei a imaginar a minha casa de sonhos (a minha primeira barreira) eu senti algo na minha cabeça, parecendo estar omnipresente e eu via pequenas imagens distorcerem a minha casa de sonho (que ironicamente era a casa onde eu vivia agora) e comecei a ver episódios da minha vida, a velocidades extremamente rápidas.

Imagens da minha infância, antes de ir para a escola, imagens de quando fui adotado e só parou, naquela imagem. Essa paragem fez com que eu tivesse usado todo o meu controlo para esvaziar a minha mente ou pelo menos a fazer desaparecer, contudo, a dor de cabeça aumentou e quando reparei, já estava naquela memória, a vivê-la.

– Queria ver esta memória, não queria? – Perguntei, de olhos semicerrados, percebendo, que ele a tinha escolhido.

Ele deu de ombros, pouco se importando com a minha irritação.

– É uma memória como outra qualquer, Potter. Além do mais, estás extremamente vulnerável a estas lembranças. A emoção que sentes é tão forte que não consegues construir barreiras.

Eu abri a boca para protestar, no entanto, ele não me deveria querer ouvir porque lançou outra vez o feitiço.

Mesmo estando completamente desprotegido e com uma raiva enorme, eu consegui imaginar o lago, só me focando naquilo. Como da outra vez senti a minha dor de cabeça aumentar, no entanto, eu não o iria deixar ver mais daquelas imagens. Por isso, cerrei o maxilar e usei toda a minha concentração para não o deixar ver mais nenhuma memória.

– Ah.

Quando dei por mim tinha murmurado aquele lamento, pela forma como a dor de cabeça aumentou e estava de joelhos, ainda de olhos fechados a imaginar a lagoa. Contudo, a falha na concentração pela dor foi o suficiente e quando dei por mim já estava noutra memória.

– Estou a ver que seguiste o meu conselho. Fico feliz por saber que me ouves. – Eu ouvi atentamente cada palavra do Tom Riddle, não conseguindo acreditar-me que estava mesmo a acontecer aquilo.- Eu só te quero esclarecer uns fatos e como sei que nunca me ouvirias se chegasse ao pé de ti que lugar melhor que este? – Ele perguntou observando a sala onde estávamos, perdendo o seu olhar na lareira. – Eu sou muitas coisas, Harry, - ele murmurou olhando outra vez para mim, fazendo-me ter um arrepio – e admito que ser uma boa pessoa não é uma delas. – Eu cerrei o maxilar tentando acalmar o meu coração. O que é que este psicopata queria?- No entanto, também não sou um monstro. – Disse, continuando a falar com o seu tom calmo e hipnotizante. – Admito que já estive muito perto de um – disse desviando o seu olhar para a sua mão e observando-a como se não houvesse mais nada de interessante na sala – mas eu mudei e, por isso, eu agradeço-te. Obrigado.

Eu fechei o punho, tendo uma consciência por fora daquela lembrança, onde falei pela primeira vez com o Riddle. Tentei concentrar-me, ignorando as falas daquela lembrança e ignorar a dor de cabeça e quando dei por mim já estava a relembrar outra lembrança.

– Harry, tu és cinzento. Ou melhor, agora és cinzento, ou seja, podes usar magia negra e magia branca à tua vontade porque tens igual aptidão para as duas. Eu até diria que já foste marcada por extremos dos dois lados da magia e foi por isso que consegues ter essa habilidade única. Ter uma facilidade extrema para usar magia branca ou negra à vontade.

Eu senti levantar-me do chão, com pura força mental, ignorando aquela lembrança e tendo consciência do meu corpo físico. Espantosamente, mal me levantei, senti a pressão na minha cabeça desaparecer e abri os olhos para ver o Snape em pé, a segurar o braço direito (da varinha) com a mão esquerda.

– Fizeste muitos progressos. – Ouvi-o dizer com a voz monótona, parecendo não sentir nenhum prazer em dizer aquelas palavras. – Conseguiste ganhar consciência e fizeste um feitiço de autoproteção, aleijando-me o braço. Não foi algo consciente, contudo, demonstra que já te consegues defender. Por isso, as minhas aulas contigo acabaram. Agora é a tua mãe que vai continuar a ensinar-te e em Setembro eu vou-te avaliar, quando voltares para Hogwarts.

Eu pisquei os olhos, controlando a minha raiva e confusão. Raiva pela forma como ele estava a brincar com os meus sentimentos, desejando só ver as minhas conversas com o Tom Riddle. Confusão por saber que não iria ter mais aulas.

– Não vou ter mais aulas? – Mesmo tentando acalmar-me, sei que o meu tom saiu mais agressivo do que eu queria, pela forma como ele levantou uma sobrancelha.

– Não esperava que ficasses tão triste por não teres mais aulas comigo. – Eu ouvi o sarcasmo por baixo do seu tom e sei que apertei um punho, para me controlar. – Contudo, mesmo estas aulas sendo tão especiais para ti, eu não vou poder dar-te mais. Em Setembro voltas a ter e a tua mãe vai continuar a ensinar-te a proteger a tua mente até lá. Já sabes identificar se alguém te tentar ler a mente ou influenciar-te. Sendo que o Lord não te quer assustar, tenho confiança que tens as proteções suficientes. Não penses que vais sair daqui desprotegido.

Eu semicerrei os olhos, vendo-o guardar a varinha, como se não tivesse acontecido nada. Eu não me importava de não ter aulas com ele, no entanto, importava-me de ter sido usado assim, só para eles verem as minhas memórias do Tom Riddle.

– Vocês usaram-me! – Eu murmurei entredentes e vi os seus olhos escuros fixarem-se em mim, não denunciando nenhuma emoção. – Vocês só queriam ver as minhas conversas com ele! E não tente desmentir que eu sei que é verdade!

Ficamos um segundo em silêncio, eu a bufar de raiva, ele impassível como sempre.

– Não faças suposições, Potter. – Ele voltou ao seu tom mordaz. – Eu vi estas memórias porque tu me permitiste. Se fosse só com esse objetivo não achas que eu tinha tentado na primeira aula, onde estavas completamente desprotegido?

Eu abri a boca para lhe responder mas ele não me deixou falar.

– E nem penses em abrir essa boca para protestar. – Eu cerrei o maxilar e os seus olhos demonstraram prazer por um meio-segundo mas ele continuou. – As aulas acabaram. A tua mãe pode ensinar-te em poções e na proteção da tua mente. Já podes parar de estudar a matéria do primeiro ano que acredito que já tens o conhecimento necessário. Se for necessário mais alguma avaliação para ver o teu progresso o Dumbledore avisa-te. – Ele continuou com a sua voz, irritantemente, monótona. – Por isso, não te espero ver novamente durante algum tempo. Podes ir para o gabinete do director usando o Flu, - disse, apontando para a lareira que estava no canto do escritório – e estás dispensado.

Eu mordi o lábio, tentando controlar a minha irritação. Por muito que ele dissesse que não, eu sabia que ele queria ver aquelas lembranças da minha conversa com o Riddle e só tinha acabado as aulas porque queria. Eu suspirei, sabendo que me estava a irritar por nada e que tinha que me acalmar antes que fizesse alguma coisa que me arrependesse. Ele também tinha visto a lembrança da Hermione e do Louis, aquelas não eram as piores…

Da Hermione….

Que teve um castigo por algum motivo que ela não sabia…

Castigo tal que me fez reencontrar com ela…

E ele deixou-me ter mais tempo do que o necessário para fazer as poções, deixando-nos sozinhos.

Dando-nos privacidade e tempo para falarmos e resolvermos algum problema que tivéssemos.

Ele, sem pedir nada e pelo que tinha percebido sem a ajuda do Dumbledore, tinha-me ajudado.

Eu pisquei os olhos analisando-o e vendo-o pela primeira vez como uma pessoa que poderia ser muito mais do que uma pessoa irritante e, por isso, fiz uma pergunta.

– O Senhor não vai dizer o conteúdo destas lembranças a ninguém, pois não?

Ele fez uma pausa onde me observou simplesmente, parecendo ler a minha mente só com aquele olhar. Só depois de ver que não mudava a minha postura é que respondeu.

– Não.

Foi uma resposta curta, no entanto, eu percebi que ele falava a verdade. Qualquer que seja o motivo que ele tenha para ter visto aquelas memórias eram só dele. Por isso, eu vi-me a dar-lhe um aceno de despedida e a agarrar um bocado de pó de Flu, preparando-me para sair. Contudo, precisava de dizer ainda mais uma coisa.

– Obrigado. – Vi o olhar espantado dele, não tendo conseguido esconder as suas emoções.

Obrigado por me ter juntado com a Hermione.

Obrigado por me ter ensinado a defender a minha mente daquela forma agressiva mas rápida.

Obrigado por ter estado sempre disponível quando precisei de si.

E obrigado por ser uma pessoa sincera.

Era o que lhe queria dizer mas aquela palavra tinha que servir para ele perceber as minhas emoções porque eu fui para o escritório do Diretor, sem olhar para ele duas vezes e, por isso, não vendo o pequeno sorriso genuíno que ele deu para a lareira, que naquele instante se encontrava vazia.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente, para não me esquecer, quero agradecer a todas as pessoas que puseram esta fic nos favoritos, comentaram e fizeram recomendações. São vocês que nos motivam a escrever =).
Depois, quero me desculpar pelo grande intervalo entre os capítulos. No entanto, pretendo pôr o próximo rapidamente, provavelmente, perto do natal.
Sobre o capítulo, metade deste capítulo não era para acontecer. A conclusão que ele teve do Snape não era para acontecer até ele estar em Hogwarts mas este Harry não conseguiria ignorar estes acontecimentos todos que ele descobriu neste curto espaço de tempo e além de mais este dia está a ser demasiado comprido para ele, como vão confirmar no próximo capítulo. Está cheio de emoções e surpresas.
Acho que não tenho mais nada para escrever, por isso, obrigada e até ao próximo capítulo =).



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