O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 21
Reacções




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20. Reacções

Um irmão pode não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão.

Benjamin Franklin

– H-harry? – Ouvi a Hermione gaguejar e eu sorri abertamente, vendo pela primeira vez, uma coisa que a tinha deixado sem palavras.

– Em pessoa. – Disse, fazendo-lhe uma vénia, sem pensar, reagindo pela felicidade de a ver bem e a lembrar-se de mim.

Não me espantei quando ela mandou um grito pequeno e fui envolvido por dois braços que me apertaram com força, ficando com a cara tapada pelo cabelo castanho dela.

Eu ri, sincero, feliz por ver alguém conhecido e de quem tinha mais saudades do que queria admitir.

– Eu não vou desaparecer, Hermione, podes estar descansada. – Murmurei suavemente.

Eu senti-a apertar-me ainda mais.

– Eu não quero saber!

Eu gargalhei, ao ouvir a frase antiga dela. Ela não tinha mudado nada e pelo que sentia no meu ombro, devia de estar a chorar.

– E eu não estou a mentir.

Agora, foi a vez de ela gargalhar, separando-se de mim, com lágrimas no rosto, observando os meus olhos verdes, que brilhavam divertidos e o meu sorriso de orelha a orelha. Sabia tão bem, vê-la outra vez. No entanto, a minha expressão mudou, ao ver que os olhos dela estreitaram-se, num sinal de perigo e, no instante seguinte, ela estava a atacar-me, batendo-me no peito com os seus punhos.

– És um idiota, burro! O que foi isso de te colocares à frente das outras pessoas para os salvares? Não mudaste nada e não tens amor próprio? – Eu tentei explicar-me e fugir dela mas pelos vistos ela não queria desistir, continuando a bater-me e fazendo-me andar pela sala, tentando escapar dos pequenos punhos dela. – E porque é que não me disseste nada agora que vieste para aqui?

– Hey, calma. – Eu consegui dizer, entre saltos para fugir dela mas ela parecia possuída, não desistindo.

Eu acho que iriamos continuar naquela dança o resto da manhã se não fosse a Natalie, - que tinha ficado esquecida num canto - lançar um feitiço entre nós os dois, tipo escudo que a impediu de me atacar.

Eu olhei para ela, em forma de agradecimento, no entanto, a atenção dela estava na Hermione, olhando para ela de olhos cerrados, parecendo realmente perigosa. Eu acredito que ela não tinha uma boa reação a surpresas.

– O que é que está a acontecer? – Ela perguntou, com a sua voz fria, observando-me, pela primeira vez.

– O que está a acontecer é que ele é um idiota. – A Hermione disse, fazendo-me lançar um “Hey” indignado.

– Eu não discordo. – Disse a Natalie, tendo os cantos dos seus lábios subido ligeiramente para cima, como se aquilo a divertisse. – No entanto, como é que têm conhecimento um do outro?

A Hermione olhou para mim, irada e eu vi-me a dar um sorriso culpado.

– É-é complicado. – Eu consegui dizer, observando os olhos castanhos da Hermione.

– O que é complicado é como tu não me contataste nestes últimos anos, principalmente, depois de saberes que existia este mundo. Onde andaste, Harry? Não ficaste com os Smith? – Ela começou a perguntar, fazendo-me dar-lhe um sorriso saudoso, por ver a velha Hermione, que não sabia controlar-se, ali, à minha frente. – E também sabias fazer magia e não me contaste? Não confiavas em mim? – Ela perguntou com mágoa e o meu sorriso desapareceu.

– É claro que não, Hermione. É uma história muito comprida mas resumindo, eu não sabia que tinha magia. A primeira vez que fiz foi pouco antes do Natal. – Disse, suavemente, vendo a sua expressão arregalar-se, ao fazer as contas.

– Isso, por acaso, quer dizer que te puseste a lutar contra Devoradores da Morte, sem saberes praticar magia como deve de ser? – Ela perguntou perigosa e eu vi-me a dar-lhe outro sorriso culpado e começar a andar até à bancada onde estava a Natalie.

– Hum, - Disse limpando a garganta para ganhar tempo, vendo que ela me seguia, como um gato atrás do rato – é complicado. – Ela estreitou os olhos, o que era um muito mau sinal e eu andei rapidamente para trás até ficar ao lado da Natalie. – Eu não tinha muita escolha.

– Harry….

O meu sorriso devia de estar naquela instante congelado no meu rosto, ao ouvir a ira por trás do meu nome.

– E eu tinha pessoas a protegerem-me, como aqui a minha amiga Natalie. – Eu disse, passando um braço pelos ombros dela e puxando-a contra mim, mais para servir como escudo do que qualquer coisa…

Contudo, ela não me deixou, livrando-se do meu braço, indignada e fazendo-me ficar com duas bruxas irritadas.

– O que é que se passa aqui? – Ouvi a voz fria do Snape, vindo do escritório. Nunca pensei ficar aliviado por vê-lo.

– Professor Snape, vim pelo castigo. – A Hermione disse séria, no entanto, ainda olhava para mim pelo canto do olho, ameaçadora. Ela não devia de sentir feliz por encontrar o seu velho amigo de infância, exatamente, como eu sentia? Para quê tanta raiva?

– Então façam pouco barulho e nada de feitiços. – Ele disse, frio. – O castigo é, em conjunto com a Miss Black, tomarem conta do Potter para ele não explodir a sala enquanto ele faz as poções que estão no quadro. Têm o resto da manhã, por isso, não falhem. – E saiu da sala, com a capa a esvoaçar, nem ouvindo o “sim, Senhor” da Hermione.

Nós ficamos em silêncio, por um segundo, até que a Natalie se separou mais de mim e nos observou, de olhos semicerrados, a Hermione voltou a olhar para mim irada e eu olhei para ela, só com uma frase na cabeça.

A Hermiona, a minha amiga Hermione, estava de castigo?

– Tu estás de castigo? – Perguntei, sem pensar.

Os olhos dela suavizaram ao ver o meu choque.

– Sim mas eu não fiz nada para o merecer.

Eu fiquei em silêncio, estudando-a. Eu tinha imaginado muitos reencontros mas aquele cenário nunca me tinha passado pela cabeça.

– Alguém se importa de me explicar o que está a acontecer? – Ouvi a Natalie perguntar outra vez e como um, olhamos os dois para ela.

– É uma história longa mas resumindo, nós somos amigos. – Eu disse, vendo-a arregalar os olhos.

– Tu tens amigos?

A sério? Com tanta pergunta para ela fazer, ela fazia exatamente aquela?

– Tenho a Hermione. – Disse, dando de ombros e vi-a olhar para a Hermione, como se só a visse pela primeira vez.

– Isso é verdade?

Ela pensava mesmo que iria mentir sobre isso? Eu não chamava amigo a uma pessoa qualquer. A minha única amiga era a Hermione como a Rose era a minha irmã. Eu ainda tinha relações…

– O que é que ele andou a fazer nestes últimos anos para duvidares da afirmação dele?

Hey, porque é que as pessoas, naquele dia, gostavam de ignorar o fato que eu estava na sala? Será que estava a ficar transparente?

– A desprezar pessoas, a não confiar em ninguém… coisas assim. – Disse a Natalie dando de ombros e fazendo a Hermione olhar para mim, com uma cara ainda mais assustadora.

Eu suspirei, decidindo ser mais sério.

– Eu explico-te tudo depois. – Murmurei, pensando se iria conseguir omitir a minha vida com os Smith. – No entanto, acho que é melhor fazer as poções.

Trabalho, a única coisa que faria a Hermione ficar séria num instante. Ela olhou para o quadro e voltou a olhar para mim, confusa.

– São poções do primeiro ano.

Eu dei um sorriso amarelo e ia falar, no entanto, a Natalie foi mais rápida.

– Ele é burro, não se pode pedir muito.

Eu olhei para ela, ofendido e iria responder mas mais uma vez, falaram mais depressa que eu.

– Ele era o melhor. – Ao lado dela, sempre com sede de saber. Era assim que nós eramos.

– Era, disseste bem. – Disse a Natalie, deixando cair a máscara de pessoa fria para mostrar um prazer enorme com as suas palavras. – Depois, transformou-se neste exemplar preguiçoso, não muito inteligente, irritante… acho que percebeste a ideia.

Eu olhei chocado para ela. Era mesmo isto que ela pensava de mim? Observei-a olhar para mim em desafio e parecer confusa, por eu continuar em silêncio.

– O Harry não é assim! – Ouvi a Hermione defender-me, no entanto, a minha atenção estava nela. Ela achava mesmo aquilo de mim?

Não. Conclui, rapidamente, quando vi que ela ignorou também a Hermione à espera de uma resposta minha, desafiando-me em silêncio. Ela simplesmente gostava tanto de me provocar como eu a ela.

– Natalie, pára de dizer ao mundo o teu amor por mim que eu sei que sou irresistível. – Eu murmurei e vi a forma como os seus lábios se curvaram, involuntariamente. É, ela realmente só gostava de um bom desafio, como eu.

– Como se alguém fosse gostar de um Troll como tu.

– Essa ofensa já é velha. – Eu disse, piscando-lhe um olho e dando a minha atenção para a Hermione, que estava a observar-nos, parecendo paralisada. – Tenho muito a falar contigo mas se não me engano, consigo fazer estas poções numa hora. Como ele disse que tínhamos até o almoço para fazer isto, acho que podemos colocar a conversa em dia, depois. – Disse, dando-lhe um sorriso carinhoso e indo para o caldeirão, começando a preparar as coisas para a primeira poção. Naquela bancada, já se encontravam os ingredientes que iria usar. O Snape não brincava em serviço…

Houve um silêncio até que ouvi a voz, incrédula, da Hermione perguntar.

– Mas a sério, Harry, porque é que estás a fazer estas poções do primeiro ano?

–-OLC---

Eu fiz o resto das poções em silêncio, sempre sob o olhar atento da Natalie e da Hermione. Felizmente, não precisaram de me corrigir nenhuma vez e passado pouco mais de uma hora tinha as poções feitas e postas num frasco. Como se tivesse adivinhado apareceu logo o Snape que as levou tendo como única prova que elas estavam bem-feitas, o aceno de cabeça que me deu depois de as observar, cuidadosamente. Ele saiu outra vez da sala rapidamente, só murmurando um, “ a outra aula começa às 14 horas. Vocês as duas estão dispensadas.”. Eu fiquei a olhar para a porta por onde ele entrou, esperando mais indicações visto que só eram 11 horas, no entanto, parecia que não tínhamos mais nada a discutir.

Houve um silêncio constrangedor até que eu olhei para a Hermione e vi que ela estava de braços cruzados a observar-me.

Eu suspirei e sentei-me num dos bancos que estava à frente do balcão.

– Acho que temos muito que falar.

Ela assentiu e sentou-se à minha frente. Olhei para a Natalie que observava a nossa interação de olhos semicerrados, desconfiada.

Eu sei que se a mandasse embora, ela iria contar ao Sirius e iria ser mais um interrogatório quando chegasse a casa, por isso, seria mais simples que ela estivesse ali para perceber que não havia nenhum perigo.

– Acho que é melhor ouvires isto. Assim, só preciso de contar a história uma vez.

Ela levantou uma sobrancelha para mim, como se aquilo não a interessasse mas mesmo assim encostou-se à bancada que estava à minha direita, pronta para ouvir a conversa.

Eu suspirei, ganhando tempo e forças para começar a falar.

– Bem, eu e a Hermione conhecemo-nos do meu tempo no orfanato, na escola primária. – Eu vi a Natalie olhar para mim com uma expressão curiosa, aparentemente, esquecendo-se de colocar a máscara. – Nós, hum… - Como é que eu iria definir a minha relação com a Hermione. - Nós acabamos por criar uma ligação lá, no entanto, como sabes eu depois fui adoptado e acabámos por perder o contato.

Eu inspirei e vi que ambas as bruxas me observavam, atentas e muito curiosas.

– Eu acabei por não mandar nenhuma carta, nem telefonei porque tive ordens de cortar o meu contato com as pessoas que eu conhecia do meu tempo de orfanato. – Disse, falando para a Hermione que me observava com os seus olhos castanhos a brilharem, cheios de emoção. – Não é algo que eu me orgulhe Hermione, eu podia ter mandado pelo menos uma última carta mas eu pensei que… - eu deixei cair os ombros, derrotado. Não havia desculpas. Eu simplesmente tinha falhado ao que tinha dito. – Eu não mandei, simplesmente, e falhei à minha palavra, isso é o que interessa.

– Harry.

– Espera. – Disse, pondo a mão à minha frente para ela parar. – Eu falhei à nossa promessa, essa é a verdade, tanto que com o tempo acabei por me esquecer dela e tu passaste a ser uma memória distante, da primeira pessoa que eu considerei uma amiga. Tão distante que quando eu vim para este mundo, não te associei a ele. – Eu cerrei o maxilar, tentando controlar a minha raiva por mim próprio e a minha voz que parecia querer falhar. – Eu, simplesmente, me esqueci com os anos, Hermione. – Murmurei, por fim, numa lamentação tão baixa que ela poderia não ter ouvido.

Eu fechei os olhos com dor, tentado controlar os meus sentimentos. Como é que eu podia ter-me esquecido dela? Como é que o meu mundo tinha passado a ser controlado pela Rose e eu me tinha esquecido dela, a pessoa que me fez ver que existiam pessoas bondosas? Não havia desculpa! Eu tinha falhado à minha palavra.

Quase saltei quando senti dois braços finos me abraçarem e um queixo encostar-se ao meu ombro. Eu sorri, num gesto irrefletido e encostei a minha cabeça ao ombro dela, saboreando aquele abraço.

– Harry, é normal. Não te culpes. – Ouvi-a dizer, suavemente, ao meu ouvido. – Se te ordenaram para não me contatares, tu não podias fazer nada. Eu sei e eu compreendo.

Eu continuei de olhos fechados, sentindo o cheiro ligeiramente perfumado dela.

Não sei por quanto tempo ficamos assim, eu sentando com ela em pé, curvada, a abraçar-me, dando-me força e fazendo-me sentir um pouco menos culpado. No entanto, quando ouvimos alguém a limpar a garganta, afastámo-nos e eu vi a Natalie, de braços cruzados, com a sua máscara de pessoa fria, de volta.

Eu suspirei e olhei para cima, para a Hermione, que me observava com olhos marejados. Eu dei-lhe um sorriso fraco.

– Não é normal, Hermione. – Disse, e reprimi-me mentalmente por causa da minha voz ter saído rouca e fraca. – Eu só me lembrei há um mês. – Por causa, das aulas do Snape. – Eu com o tempo esqueci-me do que nós passamos. Como é que achas isso normal? – Eu de certa forma sabia porque me tinha esquecido. A minha vida começou a ser simplesmente o Louis e a Rose. Um mau e outro, a melhor pessoa que conhecia. O meu passado não interessava, além do acontecimento de eu ter sido órfão e não amado por ninguém. Todas as boas memórias foram aos poucos e poucos arrumadas na minha caixinha, em conjunto, com as más. O que será que eu não me lembrava mais?

– Tu tiveste uma nova vida, como eu tive quando vim para aqui. – Ela disse olhando à sua volta, maravilhada. – É normal deixarmos as coisas relacionadas à nossa antiga vida, no passado.

Eu olhei para ela, mostrando a minha incompreensão toda no meu olhar, fazendo-a sorrir.

– Oh, Harry, eu não digo que não me custou. Principalmente, naquele ano até vir para aqui. Tu eras o meu amigo e ter que estar a ir todos os dias para a nossa escola sem te ver, sem ter notícias tuas, custava e muito mas eu compreendi e nunca, nem por um instante, pensei que a culpa fosse tua. Eu sei que se pudesses, tu tinhas dito alguma coisa.

– Mas eu podia ter dito, Hermione! – Disse, irritado. – Eu podia ter mandado uma última carta, a agradecer à tua mãe e a ti mas não… eu fui fraco e nada serve como desculpa para isso.

A Hermione olhou para mim, estudando-me e parecendo ler a minha mente. Em algum canto da minha mente, eu tinha consciência da Natalie, a observar-me também mas ali, aquele momento, era só de nós os dois e, por isso, aguentei o olhar dela.

– Harry. – Suspirou. – E o que ias dizer nessa carta? – Ela perguntou, suavemente, sem recriminação nem dor. – Que nunca mais poderias falar comigo? Que sabias que nós nunca mais iriamos falar? Que era um adeus definitivo em vez do nosso adeus infantil e esperançoso? – Ela ganhou um sorriso saudoso. – Tu sabias que isso ainda iria doer mais porque iria acabar com a esperança ou vais-me dizer que não tinhas esperanças de me voltar a encontrar? Na escola ou até no dia-a-dia, nos primeiros meses?

Como é que uma pessoa que já não me via há anos me conhecia tão bem? Será que ela tinha a capacidade de ler a mente e a alma de uma pessoa, com os seus olhos expressivos?

Eu desviei o olhar, não aguentando mais.

– Estás a ver. Não precisas de te recriminar, Harry. – Ela disse pondo as mãos nos meus ombros, aproximando-se mais uma vez. – Eu também fiz a mesma coisa. Eu fiquei à espera que o destino ou o quer que fosse que governasse o nosso mundo, nos voltasse a juntar. Se queres continuar a recriminar-te então põe culpa também em mim.

Eu olhei chocado para ela.

– É claro que não! Tu não conseguirias saber onde eu estava! A culpa é só minha. Eu sabia e não… não… - desviei mais uma vez o olhar, para o chão. Não havia desculpa.

Senti a mão pequena dela agarrar-me o queixo e forçar-me a olhar para ela, que tinha um sorriso carinhoso. Eu sei que qualquer pessoa que olhasse para nós, estando assim tão perto, iria pensar coisas muito diferentes do real. No entanto, não havia nada sexual ali, só amizade pura. Amizade, culpa e, principalmente, saudade.

– Harry, - ela disse calmamente como se estivesse a falar para uma criança- não te culpes. Já chega de viveres a pensar que és o culpado de tudo e que tens que salvar todas as pessoas. Não me reconheceste quando finalmente nos reencontrámos? – Eu assenti, ainda sentindo as mãos dela no meu ombro e queixo. – Não te lembras ainda do que passámos? – Eu assenti mais uma vez. – E, principalmente, não te lembras da amizade que nós tínhamos? Não a sentes ainda? – Eu assenti. – Então tens tudo o que eu preciso que tenhas para não ter uma gota de mágoa em relação a ti.

Ela largou-me para me voltar a abraçar.

– Já tinha saudades, cabeça dura. – Ela resmungou.

Eu ri-me.

– Eu… - Senti-a apertar ainda mais o abraço e eu senti os meus olhos arderem mas eu não iria chorar. Eu não iria deixar. – Eu… - Mas iria ser sincero. Ela merecia isso. – Eu também já tinha saudades. – Disse, retribuindo o abraço e fechando os olhos mais uma vez. – E… desculpa, mesmo que aches que não agi mal.

Eu ouvi um riso, perto da minha orelha e senti-a largar-me, com os olhos a brilhar, divertidos.

– Já devias de saber que eu não quero saber de desculpas. – Disse, sorrindo, e sentando-se no banco.

Eu senti os meus lábios curvarem-se num sorriso de lado.

– Mas eu estou a falar a verdade.

Ela gargalhou, fazendo algumas das lágrimas que estavam na cara, cair.

– Mesmo ao fim destes anos todos nós não mudámos, pois não? – Ela perguntou, limpando as lágrimas.

– Tendo em consideração, que em menos de 2 horas já mostraste o quanto não queres saber, duas vezes, acho que não. Continuas, exatamente igual, uma desinteressada. – Disse, fazendo uma falsa cara de desiludido.

– Ah, e tu, cruel, com essa honestidade crua. – Respondeu-me, também tentando fazer uma cara de desiludida.

– Desculpem, interromper – ouvi a voz da Natalie, fria. – mas se vocês vão continuar assim, no vosso reencontro – nunca esperei ouvir alguém dizer aquela palavra com tanto veneno – então eu vou-me embora porque tenho outros sítios onde posso estar.

Eu suspirei, só a Natalie para nos interromper de forma tão efetiva, somente com uma frase.

– Podes ir. – Disse, dando de ombros, sem energia para usar o meu sarcasmo habitual nela. – Desde que depois não me façam um inquérito em casa, quando mandares a carta para o teu pai.

A Hermione abriu a boca, espantada e olhou de mim para a Natalie.

– Vocês vivem juntos?

Eu assenti.

– Como é que achas que criamos esta relação tão amorosa e simpática?

– Não me confundas pela Granger!

Eu revirei os olhos.

– Não confundas sarcasmo com a realidade. – Eu respondi, vendo com prazer, ela estreitar os olhos.

– Hey, calma. – A Hermione colocou-se entre nós os dois, levantando-se. – Porque é que vocês são assim?

– Porque ele é um idiota. – Foi a resposta rápida da Natalie.

– Porque ela é insuportável. – Respondi-lhe, estreitando os olhos para ela, fazendo-a ganhar um sorriso frio, mesmo estando atrás da Hermione.

A Hermione suspirou, aparentemente, derrotada e voltou a sentar-se enquanto nós continuamos na nossa guerra de olhares.

– Harry, - chamou-me a Hermione – mas como é que descobriste os teus pais depois de teres sido adoptado?

Eu suspirei, desviando o olhar da Natalie enquanto pensava no que haveria de dizer.

Ah, porque o meu pai adoptivo era uma pessoa agressiva e num dos dias que me tentou bater passou essa agressão para a minha irmã e eu defendi-a com magia?”

Não sei porquê mas algo me dizia que não era uma frase para lhe dizer. Até achava que ela nem deveria de saber das verdadeiras circunstâncias da minha entrada no mundo mágico.

– Eu fiz magia.

Ela franziu a testa, pensativa e eu vi a Natalie a tossir, desacreditada. Eu mandei-lhe um olhar que dizia que se ela falasse sobre as verdadeiras circunstâncias eu iria fazê-la ficar sem língua.

– Mas só fizeste agora? Nunca tinhas feito antes?

Eu olhei para as minhas mãos, pensando no que dizer. Ela era uma pessoa inteligente e apesar de a história oficial, que tinha saído nos jornais, ter sido sobre como eu tinha ido para um orfanato e os meus pais me encontraram lá, ela saberia mais do que isso porque sabia que eu tinha sido adoptado.

– Não. Foi a primeira vez.

Verdade. Até ali ainda me podia orgulhar de estar a falar somente a verdade, no entanto, ela estava desconfiada pela forma como semicerrou os olhos, pensativa.

– Aos 14 anos? Isso não é normal.

A Natalie riu-se e eu mandei-lhe outro olhar ao ver a Hermione olhar para ela.

– O que foi? Eu disse que ele era idiota. – Disse, dando de ombros, mandando-me um olhar estranho.

– Deixa-me ver se percebi. – Disse a Hermione, ignorando-a. – Tu, em 14 anos, nunca fizeste magia? E só fizeste magia porque sim?

Eu mexi no meu cabelo, num gesto reflexivo, sem saber o que dizer.

– Eu – disse, calmamente, tentando pensar uma forma rápida de sair daquela armadilha sem mencionar o Louis – em 14 anos nunca pratiquei magia. A primeira vez foi no dia de anos da Rose. – Continuei, tentando só dizer a verdade. – E o Ministério recebeu um aviso da magia praticada e depois acordei aqui em Hogwarts. O resto tu já sabes, ataque, etc…

Ela estreitou ainda mais os olhos e eu vi-a brincar com as mãos. Ela sabia que estavam a faltar informações ali.

– Tu fizeste magia no dia de anos da Rose. – Ela repetiu. – O Ministério recebeu um aviso e tu acordaste aqui, em Hogwarts. – Ela abriu os olhos tendo, aparentemente, descoberto alguma coisa muito importante. – Quem é a Rose? E porque é que acordaste em Hogwarts? Tu estavas inconsciente?

Eu olhei para a Natalie, procurando ajuda mas ela só levantou uma sobrancelha, mostrando que não me iria ajudar e estava a sentir algum prazer estúpido por me ver naquela situação.

– A Rose é a minha irmã. Adoptiva. – Acrescentei, quando a vi abrir a boca. – Que recebeu a carta de Hogwarts nesse dia.

– E o que queres dizer com o acordar? – Ela cruzou os braços, um sinal muito mau.

– Eu fiquei inconsciente quando fiz magia.

Ela fez uma cara de desacreditada.

– Que tipo de magia fizeste?

Eu suspirei.

– Hermione, é preciso este interrogatório todo?

– É! – Ela disse levantando-se. – Eu não nasci ontem, Harry e sei perfeitamente que me estás a esconder alguma coisa. Diz!

Eu mexi mais uma vez no meu cabelo, num gesto de nervosismo que eu sei que ela identificaria mas eu não conseguia controlar.

– Hermione, é uma história muito comprida.

– Faz um resumo!

Eu fechei os olhos.

– E é uma história que é um segredo.

– Eu não vou contar a ninguém!

– Arre. – Disse, levantando-me irritado pela insistência dela. – Está certo. Queres mesmo saber qual foi a minha magia? – Ela assentiu, sem qualquer reação à minha raiva. – Eu incendiei a casa e pus inconsciente o pai da Rose. Segundo o Dumbledore, até àquele dia a minha magia estava reprimida, por isso, nunca fiz magia antes. Este é o verdadeiro motivo. Estás feliz?

Eu vi-a abrir a boca e fechar, processando a informação.

– T-tu puseste inconsciente o teu pai?

– Ele não é o meu pai! – Eu mais rugi do que falei e voltei a sentar-me ao ver o choque na cara dela. Raios, tinha estragado todo o reencontro. Porque é que eu era tão horrível a lidar com os meus sentimentos?

Quando ouvi o silêncio voltei a sentar-me e tapei a minha cara com as minhas mãos, envergonhado.

– Desculpa, Hermione. E-eu, – engoli em seco ao sentir a minha voz falhar – eu exagerei. Eu não queria… eu…

Calei-me quando fui forçado a destapar a minha cara, pelas mãos dela, que puxaram mais uma vez a minha cara para cima.

– Está tudo bem Harry. – Ela disse suavemente e, mais uma vez, acreditei-me nas palavras dela. - Está tudo bem. – Voltou a repetir, ao ver os meus olhos verde brilhantes, cheios de emoção.

Eu fechei os olhos, sentido o toque das mãos dela e quando voltei a abri-los, para ver os olhos castanhos amêndoa dela, cheios de preocupação, eu não me aguentei e voltei a levantar-me, abraçando-a.

Ela correspondeu ao abraço e eu senti todo o meu corpo tremer, na tentativa de reprimir as lágrimas que queriam cair. Eu odiava lidar com emoções e odiava sentir-me mais protegido e seguro só porque tinha a Hermione comigo. De sentir, aquela vontade de lhe contar tudo para ela me dizer como deveria agir com os meus pais biológicos, o Charles e todas as outras pessoas. Mas eu não poderia. Por diversas razões. Primeiro, porque apesar de ela ser a Hermione, eu ter uma lealdade incondicional a ela, por me ter ajudado quando mais precisei e eu sentir que ela ainda é a mesma pessoa, eu precisava de me certificar que nada tinha mudado. Custava-me pensar o contrário mas a verdade era que existia essa possibilidade. Ela podia só estar interessada no Harry Potter. E, segundo, porque eu queria esquecer aqueles tempos - como acabei por esquecer da maioria das memórias da escola primária, para não reagir à dor de ter sido separado da Hermione e das memórias antes dela - e não lembrar.

– Harry, desculpa, eu não te queria fazer sofrer.

– Tu não fizeste. – Murmurei. – Eu… eu é que não reajo bem a essas lembranças. – Disse, separando-me dela e olhando para o chão. – A culpa não é tua.

Ela suspirou.

– Eu não devia ter insistido. – Ela olhou para mim preocupada. – Mas sabes que podes confiar em mim mesmo depois deste tempo todo, não sabes?

Eu assenti e senti-me uma criança pequena sob o olhar preocupado da irmã mais velha. Acordei, daquele sentimento quando olhei para o lado e vi a Natalie, a olhar para nós, com uma mistura tão grande de sentimentos que eu estava a ter dificuldades em distingui-las.

Espanto, confusão e… dor? Ou raiva?

– Natalie?- Eu chamei, não me contendo enquanto me separava da Hermione.

Ela voltou a colocar a sua máscara mas eu finalmente consegui identificar o último sentimento. Indignação. Ela estava irritada e muito por alguma coisa que eu tinha feito.

Ela estreitou os olhos, desta vez, com sentimento verdadeiro e eu dei um passo para trás, inconscientemente, ao ver aqueles olhos cinzentos, cheios de raiva.

– Tu… - Ela disse, apontando para mim. – Tu… - Ela cerrou o maxilar e eu senti-me a engolir em seco ao vê-la completamente irritada. – Tu… Ah! – Ela fechou os olhos irritada e quando os voltou a abrir foi para dar meia volta e começar a andar para a porta.

Ok, eu tinha uma relação complicada com ela mas aquela raiva ou o quer que ela estava a sentir era bem verdadeiro e eu não a queria ver a sair dali, assim, sem perceber o que tinha feito de mal. Por isso, dei dois passos rápidos e agarrei-lhe o pulso, fazendo-a parar e sentir a pulsação acelerada dela. Ela estava absolutamente furiosa.

– O que é que eu fiz?

Eu ouvi-a expirar e quando ela se virou ainda estava com os seus olhos expressivos, a única coisa que denunciava o interior turbulento dela.

– O que é que tu fizeste? – Ela sibilou, fazendo-me largar o pulso, puramente, por medo daquele olhar e tom. – O que é que tu fizeste? – Ela repetiu, apertando com tanta força os dentes que eu quase que jurava que eles estavam a ranger. – NADA! E esse é o problema. És um idiota, egoísta que não pensa nos sentimentos dos outros. Se… eu não me acredito em ti. – Ela disse abanando a cabeça. - A sério!

Ela mandou-me mais um olhar cheio de raiva e eu fiquei perplexo sem perceber nada, tendo como única reação piscar os olhos.

– E depois ficas assim, como se fosses o inocente no mundo. Custava-te muito…. – Ela calou-se e eu quase que jurava que a vi trincar a língua. – Não vale a pena gastar mais palavras contigo. És um caso perdido.

Ela gostava de me ofender como eu gostava de a ofender mas aquele sentimento dela era real. O que é que tinha acontecido na minha interação com a Hermione para a deixar tão furiosa? Olhei para a Hermione à procura de apoio mas ela só se encontrava atrás de mim a observar a Natalie com a boca aberta.

– Eu não percebo! – Eu disse, finalmente quando olhei outra vez para a Natalie. – O que é que eu não fiz?

Ela riu, sem graça e eu estava a começar a achar que ela sofria da loucura dos Black que o Sirius gostava de anunciar.

– Tu não percebes ou não queres perceber? Isto, – ela disse apontando para mim e para a Hermione – essa interação. – Ela abanou mais uma vez a cabeça. – Tu não percebes, pois não?

– Tu não dizes nada concretamente! – Eu respondi, ficando irritado. – Como é que queres que eu compreenda quando falas por essas meias palavras. Diz de uma vez!

– Os teus pais, Potter! – Ela resmungou, fixando os seus olhos em mim, fazendo-me ficar paralisado. – Os teus pais dariam todo o ouro que têm, toda a sua fortuna para tu fazeres um décimo, mostrares um décimo dessa emoção que tu tiveste com ela, para eles. Dizer que tu tiveste saudades. Abraçar. Eu pensei que fosses um insensível que não conseguias confiar… mas não, tu só não queres saber deles. Deles que fazem tudo por ti!

Eu senti-me a cerrar o maxilar, irritado e não querendo perceber a lógica dela que até era bem simples. Se eu conseguia mostrar aquela emoção porque não o fazia para os meus pais biológicos quando eles mostravam todos os dias que estavam desejosos de algum contato destes por minha parte. Pela primeira vez desde que a conheci, ela estava a ser completamente altruísta, no entanto, aquele assunto era demasiado sensível para mim para eu ter percebido isso.

– Não fales do que não sabes, Black!

– Tu é que tens que parar de ignorar o mundo à tua volta! – Ela disse irritada, no entanto, a sua expressão passou rapidamente para uma cansada e sem forças, deixando-me ainda mais confuso. – Eles só querem que tu os aceites. Tu não a viste por anos e fizeste isso, num instante, sem piscar os olhos. Eles lutaram e lutam todos os dias e tu não fazes nada, só mostras indiferença. Eu pensei que fosse do teu passado, que não te conseguisses ligar a ninguém a não ser à Rose mas não É! Tu só não queres dar-lhes uma oportunidade e preferes que eles sofram todos os dias. É a única conclusão que consigo chegar. – Ela olhou para mim, mandou-me mais um olhar com dor e deu meia volta.

Desta vez eu não tive energia para ir atrás dela, sentindo o meu coração a bater loucamente e a tentar perceber tudo o que ela disse mas tive energia para a fazer parar com a minha pergunta.

– Como é que sabes se não mudou? Não estás em casa há mais de um mês.

Ela expirou e vi-a virar-se outra vez, com um sorriso triste na cara.

– Se tivesse mudado, eles tinham-me mandado uma carta gigante a mostrar a sua felicidade. No entanto, as cartas continuam iguais. Oh, eles falam de ti, em como estás a aprender rápido e até vais em princípio, fazer os exames comigo. Porque eles estão orgulhosos e és a única coisa que eles conseguem pensar. E não penses que são eles a criticar-te. Eles também são incapazes de fazer isso mas eu sei que eles estão infelizes. Eu vi como eles ficaram quando descobriram que estavas vivo e eu vi como eles ficaram quando ficaste inconsciente. Eles amam-te e tu não percebes o poder que isso te dá. – Poder? – Não percebes como os fazes infelizes agindo assim, por causa desse sentimento, que te impede de confiar neles mas permite-te confiar nela. Eu não compreendo. – Ela disse e abanou a cabeça, dando meia volta, não tendo oposição nem física nem verbal da minha parte.

Ela estava a dizer que eu fazia a Lily e o James infelizes? E que eles me amavam incondicionalmente? Eu até não tinha agido mal naquele mês, coabitando com eles, tendo aulas com a Lily – onde era sempre educado – e às vezes correndo com o James. Se houve alguma altura em que agimos como família, tinha sido naquele mês.

No entanto, eu não lhe consegui dizer nada disso e só a vi dirigir-se para a porta, abrindo-a sem qualquer palavra trocada entre nós.

– Por amor à barba de Merlim, o que estão a fazer aqui? – Ouvi a voz da Natalie, parecendo ter apanhado um susto.

Eu olhei para onde ela estava a olhar e surpreendi-me de ver os gémeos Weasley à porta, com os braços cruzados enquanto olhavam, muito seriamente, para mim.


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Notas finais do capítulo

Primeiro de tudo, sobre este capítulo. Tenho algumas dúvidas em relação a ele por isso gostava de ter uma opinião sincera sobre ele (incluído, criticas).
Sobre o Harry, tenho a dizer que o futuro par romântico dele não é o dos livros, ou seja, não é a Ginny. Ela vai ser muito importante para a história, no entanto, não será com o Harry que ela vai ficar. Estou a dizer isto porque sei que existem muitas pessoas que gostam dos casais dos livros. Os restantes casais principais do livro, penso que vão ser iguais (posso me estar a esquecer de algum).
Também tenho a dizer que não se preocupem muito agora com o romance que ele só vai ter mais destaque quando começar Hogwarts e espero ter descrito bem os sentimentos do Harry e da Hermione para vocês não terem mais dúvidas. Se continuarem a ter, aconselho a reler certas partes que tem a resposta :p. Só vou dizer mais um extra sobre este capítulo, a Natalie foi completamente sincera no motivo da sua irritação. Não pensem que foi ciúmes.
Bem, acho que não tenho mais nada a dizer, por isso, no próximo capítulo temos os gémeos e uma conversa com o Snape.



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