O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 12
Decisões




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11. Decisões…

"A vida é maravilhosa se não se tem medo dela."

Charles Chaplin

- Eu vou falar com ele, não te preocupes. – Ouvi a voz do Dumbledore seguido pelo som da porta da enfermaria fechar.

Ainda decidi fingir que estava a dormir só para evitar mais confrontos mas ele não me que queria deixar fingir.

- Harry, podes abrir os olhos. Eu sei que estás acordado.

Eu suspirei e abri os olhos fazendo com que a luz da enfermaria os irritasse. Adaptei-os, piscando-os repetidamente e sentei-me na cama, vendo a figura do Dumbledore sentada numa cadeira à frente da minha cama. Por curiosidade, olhei à minha volta e vi espantando que não se encontrava mais ninguém.

- Dormiste durante alguns dias, Harry, e eles foram ter com as suas famílias para passar o Natal.

Eu pisquei confuso. Já era Natal? Como é que a Rose estaria?

- Como é que passou tanto tempo?

O Dumbledore mandou-me um olhar com tanta pena e repreensão junta que eu tive vontade de me encolher. No entanto, respondeu-me à mesma.

- Nós decidimos que era melhor pôr-te sob o efeito de poções para que a tua recuperação fosse mais rápida.

Eu só me lembrei naquele instante que eu não fazia ideia do que é que eu tinha.

- O que é que eu tive? E já estou curado?

Ele suspirou e mais uma vez eu consegui perceber o quão velho ele devia de ser, pelas rugas acentuadas na sua cara e falta do brilho habitual nos olhos.

- Estás a recuperar mas podes ter alta. O que aconteceu foi que esgotaste completamente o teu coro mágico e, mais uma vez, ele teve que se restabelecer. A ajuda da magia de Hogwarts fez com que o processo fosse mais rápido do que seria naturalmente, no entanto, ainda é um processo demorado que dá exaustão. Não fiques preocupado caso te vejas demasiado cansado e adormeças subitamente. E estás completamente proibido de fazer atividades físicas. – Eu fiquei em silêncio, absorvendo o que ele dizia e ele deve ter entendido esse silêncio por aceitação porque continuou. – Eu tenho uma pergunta para ti, Harry. No dia do ataque, como é que fizeste aquela magia?

Eu mordi o lábio, lembrando-me do dia e do que as pessoas sofreram por minha causa. No entanto, para eles, tudo o que importava era como é que tinha salvo o dia?

- Eu supliquei à magia. Não foi nada de grandioso, nem planeado. Eu não sou um maldito super-herói!

Para meu espanto, o Dumbledore soltou um riso.

- Nem eu esperava isso. Isto até só me mostra que eu estava correto no motivo para teres feito, aparentemente, o impossível. Sabes que é suposto ninguém conseguir deslocar-se dentro do castelo como tu fizeste naquele dia? Nem praticar aquela magia sem varinha? Todos os que viram o que fizeste estão a dizer que és um bruxo superpoderoso que passou estes anos todos escondido, treinando. És o menino-que-sobreviveu para eles.

Eu abri a boca indignado mas fechei-a de seguida, vendo que não conseguia dizer nada. Como é que o mundo bruxo podia ser assim? Só se importar comigo quando houve pessoas torturadas e mortas? Como?

- E o menino que morreu? Alguém falou? – Eu perguntei, finalmente.

Ele fez uma pausa e eu consegui perceber que ele pensou bem no que ia dizer.

- Sim, foi uma infelicidade que nunca deveria ter acontecido. Eu…

- Infelicidade? Uma criança morreu e as pessoas só falam de mim? E dizem que isso foi uma infelicidade? Mas vocês são humanos?

- Harry, eu não queria dizer isso! – Ele disse brusco, interrompendo-me. - Mas o que preferes que a população veja? Uma tragédia, que os vai pôr completamente aterrorizados ou a redescoberta do Harry Potter, que salvou a vida aos estudantes e existem tantas histórias do seu poder sem limites, que inclusive, os Devoradores da Morte estão com medo? – Eu tentei falar mas ele parou-me. – Não, Harry, primeiro vou falar depois podes dizer o que quiseres. Tu tens razão, ao dizer que uma criança morreu e as pessoas devem de pensar sobre isso. Foi um erro meu, eu devia ter protegido melhor a escola mas estou a fazer os possíveis para corrigir essa situação. Podes ter a certeza que eu nunca me vou esquecer do que o meu erro causou – ele disse e o olhar assombrando que a sua cara mostrou, fez-me ter a convicção que ele falava a verdade – mas o resto da população deve focar-se em não ter tanto medo do Voldemort e se juntar para o lutar porque se não, muitas mais pessoas vão morrer. Relativamente a ti, eu sei que não és um super-herói porque existe um motivo para teres conseguido fazer isso. – Ele fez uma pausa e só depois de confirmar que eu não queria dizer nada é que continuou. - Contudo, aconselhava-te a não explicares o motivo a mais ninguém para que o Voldemort não obtivesse essa vantagem.

- E ser tratado como um estúpido super-herói?

- Podes usar isso a teu favor. Imagina criar um grupo que sabe auto-defesa? Ter táticas de defesa e, principalmente, um grupo que soubesses que não precisava de ti para os salvar? Ajudar os outros a serem independentes e assim a não se sentirem tentados pelo poder do Voldemort porque não têm medo?

Ele estava completamente maluco. Então primeiro, queria que eu mentisse a todos, depois queria que criasse um grupo e usasse a minha fama que não era merecida? Eu queria era sair dali! O Voldemort tinha mandado capturarem-me e ninguém estava seguro comigo perto.

- Eu não quero isso. Eu só quero sair daqui e ir para o orfanato para longe disto tudo.

O Dumbledore suspirou, cansado e recostou-se contra a cadeira ao ouvir as minhas palavras.

- Harry, tu não estás mais seguro, quando o facto da tua sobrevivência foi conhecido. Precisas de estar connosco e o teu pai está a acabar os últimos detalhes para que amanhã, na véspera de Natal, possas ir para casa descansar, completamente em segurança. Tens a minha garantia que a tua magia não vai mexer nas defesas e que a tua casa está completamente segura de ameaças como esta.

- O meu problema não é a minha segurança. – Eu disse e era verdade. O meu problema é que ninguém estava seguro, nem a Rose, nem o Charles…. Raios, nem a Natalie estava e eles eram todos inocentes. – Eu só estou farto deste mundo e não quero ter nada relacionado a ele. Já chega. Vocês são malucos, psicopatas que não respeitam a vida humana. Se vocês me fizerem estar aqui eu vou fugir. Vocês já viram o que a minha magia consegue fazer.

O Dumbledore ficou em silêncio mais uns segundos e eu admirei a forma como ele mostrava calma e sabedoria, estando simplesmente parado.

- Harry, como estava para te dizer antes, a tua magia não é assim tão elevada. O que conseguiste fazer aqui foi porque uma parte da tua magia faz parte de Hogwarts e enquanto tu estiveres aqui, tu irás ser como uma fração de Hogwarts. O facto de teres conseguido Aparecer lá fora, por exemplo, só foi possível por causa da tua magia fazer parte de Hogwarts e porque era uma situação de vida ou morte. O castelo é antigo e foi feito para se proteger destas ameaças. Tendo tu uma parte de Hogwarts contigo e estando tu, dentro do castelo, Hogwarts conseguiu sentir a tua aflição e, principalmente, os teus sentimentos que não eram egoístas e só pretendiam salvar os alunos. Por isso, ela decidiu ajudar-te e conceder-te os teus pedidos. Se não houvesse aquela situação de perigo e tu não tivesses ficado com uma parte da magia de Hogwarts no teu coro, quando ele se expandiu, acredita que não tinhas conseguido fazer isso. Por isso, não aches que consegues fugir assim tão facilmente. Contudo, o nosso objetivo não é raptar-te, Harry. Nós só queremos que tenhas uma família.

Eu fiquei em silêncio por uns segundos, absorvendo o que ele tinha dito. Pelo menos eu não era especial como todos pareciam acreditar. No entanto, a coisa mais importante e que eu não lhe iria dizer, era que o Voldemort tinha mandado os seus seguidores capturarem-me, não se importando com quem tivessem que magoar. Eu nunca na vida deixaria isso acontecer. Para isso, iria esconder-me no mundo Muggle, longe deles.

- Eu não tenho uma família! – Eu disse, decidindo ser duro para que eles finalmente me deixassem fazer o certo. – E eu não quero uma família. Se vocês me obrigarem a estar aqui eu vou dizer tudo o que me disse e prejudicar-vos tanto a vida, que vocês não vão saber o que fazer. – Ao ver que ele continuava impassível, apenas me observando, continuei - Vocês não me vão querer aqui contra a minha vontade!

O Dumbledore ouviu-me com toda a sua atenção e eu admirei a forma como ele não mostrou mais do que simpatia para mim enquanto me ouvia. No entanto, o que eu queria mesmo era que ele se irritasse e me expulsasse.

- Harry, eu compreendo que tenha sido um evento chocante mas nós podemos dar-te ajuda e não te vamos deixar ir para outro lado que não seja os teus pais. Lá, tu estás seguro.

- Eu não quero! – Eu gritei e chamei a minha magia, sentindo-a rodear-me, protegendo-me do olhar bondoso dele. – E vocês não me podem obrigar! Se tiver que fugir daqui para isso eu fugo. Se tiver que lutar, eu vou lutar! Agora, vocês não me vão conseguir obrigar a estar aqui.

- Já pensaste na Rose, Harry? – Ele perguntou simplesmente, ignorando tudo o que estava a dizer.

Eu parei, sentido o meu coração bater loucamente ao ouvi-lo falar sobre a Rose. Ele não me podia estar a ameaçar com ela… ele não podia!

- Se vocês fizerem algum mal a ela porque eu me vou embora, – eu icei, sentindo desta vez todo o poder da minha magia – eu juro que vos vou destruir a vida.

Ele parou, fazendo uma pausa deliberada com toda a sua calma parva.

- Eu não queria ameaçar a Rose. Podes ter a certeza que estamos a fazer tudo para a segurança dela, sendo uma dessas medidas, a deslocação da família Smith para a casa dos Potter, que está completamente segura. Ou seja, a tua irmã irá viver contigo.

Quem parou agora fui eu. Então a Rose ia viver comigo? O que eu sonhava iria-se realizar? Eu iria poder estar com ela todos os dias? Ensiná-la neste mundo novo que ela tanto queria conhecer?

Eu fechei uns olhos por um milissegundo e isso foi o suficiente para eu acordar do meu sonho, lembrando-me das palavras do Voldemort. Comigo ela não estaria segura. Eu não poderia.

- Isso não me vai fazer mudar de ideias. Eu não quero estar aqui! Eu não quero estar com os Potter!

- E queres ir para o orfanato? – Ele perguntou. – Ignorando que tens uma família que te ama e irá sofrer todos os dias por estar longe de ti? Sabes porque o teu pai não está aqui? Ou o Sirius ou o Remus? Porque estão a proteger a tua casa com todos os feitiços possíveis, não descansado na sua tarefa, nem para dormir. Além disso, infelizmente, desconfio que o teu pai se culpa pelo acontecido e nem consegue olhar para a tua cara, pelo sentimento de culpa que possui. O que achas que vai acontecer quando ele descobrir que tu também o culpas e que não vais para a casa, que ele tanto está a querer proteger, por causa dele?

Eu lembrei-me dele e consegui imaginar a cara dele, derrotada, com olheiras, punhos fechados, igualzinha à que tinha no início, quando eu os desprezava.

- Eu não acho que a culpa seja dele.

- Porquê?

Eu parei, sabendo que se dissesse a verdade, "porque é minha" ele me iria dar um discurso sobre como não era.

- Porque não é de ninguém.

- Então porque queres ir?

- Porque eu não nasci para estar aqui. Durante estes anos, vocês todos pensaram que eu estava morto. Não podem dizer que morri? Só isso? E deixarem-me continuar com a minha vida, longe disto tudo?

- Harry, isto não é assim tão simples. Eu…

Eu sabia o que ele ia dizer e sabia, que no fundo, eu acabaria por ser convencido se o continuasse a ouvir, com a sua voz bondosa e jeito de avô. Por isso, decidi interrompê-lo antes que ele continuasse.

- Estou cansado! – Murmurei, evitando mais uma vez aquela conversa, deitando-me. – E não vou mudar de ideias.

Eu fechei os olhos com força mas consegui ouvir o suspiro que ele deu.

- Descansa bem, Harry. – Ele murmurou e ouvi os passos dele que mostraram que se estava a afastar.

Se eu era tão novo naquele mundo, não tinha ligações com ninguém - como acreditava -porque é que custava tanto imaginar o sofrimento que estava a causar, quando tudo o que queria, era só protegê-los?

---OLC---

- Marlene! – Ouvi o grito chocado do tio Peter para a mulher que tinha entrado. – Eu vou já levar o Harry. Vai para casa.

- Tu sabes como é a Lily. – Ouvi uma voz divertida e passado uns segundos vi uma mulher se colocar à minha frente. Ela era muito bonita, com o seu cabelo preto lustroso, olhos castanhos que brilhavam divertidos e um sorriso, que a fazia parecer ter menos uns quantos anos.

Acordei sobressaltado do sonho, tendo uma estranha certeza de que aquilo não era apenas um sonho. Suspirei e senti todo o meu corpo em alerta ao ouvir uma respiração mais alta que a minha. Senti todos os meus sentidos se aguçarem, por causa do perigo e sentei-me rapidamente na cama, notando que o meu corpo ainda estava dolorido apesar de eu, ultimamente, só dormir.

Para meu espanto, não havia nenhum perigo, só a Natalie que estava sentada na cadeira, com as pernas cruzadas e um cotovelo pousado em cima da mesa, estando a segurar a sua cabeça, com a sua mão, numa postura tão tediosa que eu não consegui evitar revirar os olhos.

- O que é que queres? – Perguntei, ainda sentindo o meu corpo cheio de adrenalina fazendo com que eu tivesse que me acalmar.

Ela desencostou a sua cabeça da sua mão e olhou diretamente para mim, com os seus olhos cinzentos presos diretamente nos meus. No entanto, o único sinal de agitação dela, na sua postura perfeitamente tediosa, foi o fato de estar a abanar ligeiramente o pé.

- Falar contigo. Porque outro motivo estaria aqui, quando a enfermaria está vazia? – Ela perguntou com a sua voz sem emoção, que me conseguia irritar completamente.

Onde é que está a Madame Pomfrey quando eu preciso dela?

- Então fala ou é necessário essa pausa dramática?

Ela levantou uma sobrancelha para mim e eu consegui ouvir o suspiro que ela deu.

- Quem está a ser dramático não sou eu. – Ela disse. – Mas de qualquer das maneiras vou direta ao assunto. Ouvi dizer que estás outra vez a querer abandonar os teus pais porque tens medo.

Quem era ela para me acusar de abandonar os meus pais quando foram eles que não quiseram saber de mim? E de dizer que tinha medo?

- Não fales do que não sabes. – Eu murmurei entredentes, estreitando os olhos, tentando ser o mais ameaçador possível.

- Mas eu sei do que eu falo. – Ela disse, levantando-se. – Sei que fazes a tua mãe e o teu pai sofrer todos os dias por causa das tuas atitudes. Fazes o Charles não conseguir sair da depressão que tem porque não o apoias e sei que és tu o principal causador da destruição desta família. Tu é que pareces só saber sobre ti. Como é que alguém pode ser tão egoísta como tu?

Eu tentei acalmar-se. Sério, que eu tentei. Nos primeiros segundos, inspirei e expirei, ouvindo-a falar sem a interromper mesmo sentido toda a minha irritação voltar e desejar expulsá-la.

Quem era ela para me acusar de egoísta? A pessoa mais mimada que eu conhecia? Quem era ela para dizer que eu não pensava nisso? Eu sabia mas aquilo era o melhor para todos e sabia também que eles iriam conseguir viver sem mim! Quem era ela para dizer aquilo? Quem?

- Eu não sou egoísta! Eu só não pertenço a este mundo. Vocês são um bando de egocêntricos que não pensam nos outros e só querem poder. – Eu disse, levantando-me também mesmo sentido os meus músculos doerem em protesto. – E a tua família – disse, especificando o tua – soube viver sem mim estes anos todos, por isso, também consegue viver os próximos. Vocês não precisam de mim. Precisam é de um herói que eu não sou!

- Tu és mesmo obtuso. – Ela disse, parecendo realmente chocada com a conclusão que teve. – Tu não percebes pois não? Não percebes que a minha família, nunca foi completamente uma família porque tu não estavas lá e ao mesmo tempo estavas. Não percebes que a tia Lily chorava em todos os Natais quando pensava que nós não a estávamos a ver porque tu não estavas lá e ela queria o seu Harry. Tu não percebes que o tio James, o meu pai e o Remus ao fim da noite saíam, quando pensavam que todos estávamos a dormir porque não aguentavam saber que faltava uma pessoa. Tu não percebes que no único Natal, onde nós poderíamos ser, minimamente, uma família, nós não vamos ser porque tu fizeste com que todos os pensamentos sombrios dos meus tios se tornassem reais. Eles sentem-se inúteis, sem conseguir defender os seus filhos e, principalmente, pensam que tu os odeias porque eles merecem. Achas que eles queriam um herói? Eles só queriam o seu filho que eles nunca esqueceram!

Eu fiquei boquiaberto, a ouvi-la, não duvidando do discurso dela. Ela tinha falado com tanta paixão, tanta dor que eu sabia que ela estava a ser franca, deixando cair a sua máscara de pessoa sem sentimentos para me fazer perceber que ela, sim, tinha sentimentos, como todas as outras pessoas que eu estava a magoar propositadamente. Eu fique tão espantado que nem reparei que ela estava a uma distância muito mais curta de mim e eu conseguia ver claramente os seus olhos cinzentos brilharem, com uma dor escondida que ela não queria mostrar a ninguém.

- Eu não posso voltar. – Eu murmurei simplesmente e vi-a arregalar os olhos, zangada e irritada comigo.

Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, no entanto, para meu espanto voltou a fechá-la e estreitou os seus olhos para mim.

- Tu és impressionante. – Ela disse, finalmente falando. – Uma pessoa que todos amam porque eles não conseguem ver a tua verdadeira faceta. Tu não amas ninguém, pois não? Nem mesmo a tua tão amada irmã, Rose? – Eu cerrei o maxilar ao ouvir aquilo, no entanto, ela ignorou a minha reação, continuando a falar. – Vais deixá-la aqui, neste mundo que tanto te assusta, sozinha, como uma órfã?

Eu sei que ela disse aquilo só para me provocar. Se não fosse pelo tom, seria pela forma como ela disse, contundo, eu não me contive e toda a cautela, todo o meu plano, foi perdido por causa dela.

- Não fales do que não sabes! Tu não sabes o que é ser um órfão, não sabes o que é estar sozinho! Sempre tiveste a tua família à tua volta. A Rose nunca vai estar sozinha! Eu não vou deixar! – Eu quase gritei, aproximando-me mais dela e vendo com prazer, ela recuar um passo. – Se eu me vou embora é porque é a única maneira de a proteger. Eu tenho que estar sozinho, longe de todos porque se não, as pessoas à minha volta não estão em segurança. Não é porque eu tenho medo ou odeio a minha família que eu me quero ir embora… é porque é a minha única hipótese de não fazer mais pessoas sofrer. O Voldemort mandou os seus seguidores capturarem-me, usando inclusive, reféns para isso. Aquela criança, aquela morte… eu não vou deixar que se repita mais e se para isso tiver que fugir deste mundo, da minha família, então eu fugo. Se eu ganhar a fama de cobarde, que ganhe mas nunca, nunca me acuses de abandonar a Rose. Nunca! – Eu gritei e ouvi o claro som de algo se partir atrás de mim.

Eu vou ser sincero, eu esperava que ela ficasse com medo ou gritasse e saísse de lá chateada mas não esperei que ela olhasse ainda mais zangada para mim (esquecendo aparentemente a minha magia maluca) e me respondesse igualmente zangada:

- Tu achas que essa é a maneira de resolveres tudo? Fugir? Para proteger os outros? És assim tão burro quanto pareces? Ninguém está seguro e muito menos a tua irmã, contigo ou sem ti, com o Voldemort vivo. Ele odeia os nascidos Muggles e a Rose é uma.

Eu fechei os olhos, sabendo que ela estava a dizer a verdade e não querendo ouvir o resto da conversa dela.

- Além do mais achas que eu ou o Charles ficávamos mais seguros sem ti? O Voldemort marcou os Potter e sem ti, sem resistência, sem o mundo mágico ter esperança, acredita que ele vai ser vitorioso e tudo o que amaste algum dia irá ser distorcido pela mente dele porque ele não vai parar só pelo mundo mágico. Ele também vai atingir o mundo Muggle e se por cada vez que fugires ele matar mais uma pessoa, tu não te irás sentir melhor. Esse teu plano maluco só vai fazer com que todos acabem mal!

Eu fechei os olhos, tentando reencontrar todas as razões mentais que eu tinha dito para mim próprio, quando escolhi abandonar o mundo mágico, no entanto, essas razões deviam de estar escondidas porque eu não as estava a conseguir encontrar e só me conseguia lembrar de todos os motivos para aquilo não ser uma boa decisão.

- Mas vocês podem-se esconder… - Eu murmurei, tentando encontrar mais razões. – E ele vai-se fixar em mim, o que vos vai dar tempo para fugir dele e fazerem planos que não poderiam comigo lá, estando constantemente em risco…e…

- E nada! – Ela interrompeu-me, com a sua tão boa educação. – E ele vai-nos querer capturar até mais do que a ti porque graças à tua pequena exibição, onde salvaste pessoas que, teoricamente, não te eram importantes, ele sabe que tu vais até ele por qualquer pessoa quanto mais, se for um de nós!

Eu olhei para ela por um segundo, sentido o meu coração bater loucamente, concluindo que não havia nenhuma resposta correta aqui. Eu estava em perigo mas eles também estavam. Então o que eu poderia fazer?

- Então o que queres que faça? Que fique aqui quieto à espera que ele capture todos à minha volta, só para me atingir? Que tu estejas em constante perigo por minha causa? Não percebes que eu o vou atrair para onde quer que vá?

- Os Potter também o vão atrair. Como nós e o Remus por sermos vossos amigos. Por isso, a melhor escolha não é claramente esconderes-te do mundo. Isso até só nos poria em maior perigo. A única escolha, ou melhor, a escolha mais acertada é tu te juntares a nós, deixares-te ser treinado e quando o Voldemort te quiser capturar, mostrares que tu és forte e não precisas de ter medo dele. O reinado do Voldemort baseia-se no terror e se tu, a esperança do mundo mágico, desaparecer porque tem medo, ele ganha automaticamente.

Eu não consegui conter o riso. Eles pensavam mesmo que eu era uma ameaça ao Voldemort?

- Isso foi a coisa mais idiota que já ouvi. Eu nunca vou conseguir lutar contra esse bruxo superpoderoso. Eu nem sei fazer um simples feitiço, quanto mais lutar.

Ela suspirou, como se eu fosse uma criança estupidamente burra.

- Mas isso é normal. Tu acabaste de chegar ao mundo mágico. Ninguém espera que saibas se quer o que é um feitiço. – Ela parou de falar por um segundo e a sua face, estranhamente, suavizou para uma mais esperançosa. – No entanto, pensa… Tu sem magia, conseguiste estragar-lhe os planos todos. Imagina o que não poderias fazer se tivesses treino? Sabias que alguns seguidores dele têm medo de ti porque pensam que tu és algum ser extraordinário onde as simples regras da magia, não se cumprem, como Aparecer dentro de Hogwarts? Pela primeira vez, em muito tempo, todo o seu reinado de terror, baseado no poder enorme que o Voldemort tinha, não está a fazer efeito porque o teu poder, a tua magia, é mais assustadora para os bruxos do que o dele. E além do mais, ao teu lado, tens o Dumbledore, aquele que até mete medo ao Voldemort. – Ela suspirou. – Tu não queres um mundo melhor para a tua irmã? Um mundo onde ela não tenha nenhum problema por não ter origens bruxas? Um mundo onde ela seja perfeitamente igual a um sangue-puro? Onde ela possa ser feliz e sem medo? – Ela falou com tanta paixão que eu só assenti e vi-a sorrir (o primeiro sorriso dela para mim) – Então, não fugas. Junta-te aos teus pais, treina, fica em forma, monta uma resistência para um mundo melhor que é tudo o que os teus pais querem.

Eu parei e espantei-me no brilho e na energia que a Natalie estava a demonstrar naquele pequeno discurso. Ela tinha tanta energia, tanta paixão que eu só conseguia concordar com ela.

Era claro que eu queria um mundo bom para a Rose, sendo ela uma nascida Muggle. Era claro que eu queria isso tudo, no entanto, eu não era um soldado, nem seria mesmo que eles quisessem e foi isso que eu lhe respondi.

- Eu não sou nenhum soldado. Eu não vou conseguir fazer isso.

Ela sorriu outra vez, no entanto, este já mostrava alguma tristeza.

- Ninguém te vai pedir isso. Para cumprires tudo o que te disse anteriormente não precisas de treinar para ser um soldado, nem fazeres coisas que não farias normalmente. Pelo que vi de ti, só precisas de ser tu próprio. As pessoas ganham facilmente uma lealdade a ti devido às tuas acções sem significados escondidos e não consegues passar despercebido nem no meio de uma multidão.

Eu enruguei a testa, não me vendo em nada do que ela dizia.

- Isso não é verdade.

Para meu completo horror, ela começou-se a rir ao ouvir as minhas palavras.

- Claro que é. Mas é normal não perceberes já que é isso que te faz assim. – Burro? – A única coisa que precisas de fazer é ficar com os teus pais. Acredita-te em mim. – Ela parou, no entanto, ao perceber o meu silêncio, continuou. – Se não te quiseres acreditar, pensa que eu sou a última pessoa a querer-te em casa, por isso, tudo o que disse hoje foi verdade.

Eu mordi o lábio, tentando encontrar alguma coisa para dizer. Ela estava tão simpática, tão humana que eu não conseguia não simpatizar com ela. No entanto, eu sabia que nada era tão fácil como ela dizia.

- Eu não vou conseguir fazer isso que vocês esperam de mim. – Eu murmurei sem energias, sentando-me. – Eu não sou nenhum super-herói. A minha magia tem uma explicação e…

- Eu sei. O Dumbledore também nos disse mas isso não quer dizer nada.

- Mas mesmo assim, eu não vou conseguir fazer isso. Eu estou aqui há poucos dias e já houve mortes por minha causa. É isso que queres ter em casa? Uma pessoa que pode causar a morte de todos?

Ela mordeu o lábio, pensativa e parecendo querer dizer alguma coisa, no entanto, ela simplesmente se sentou na cama à minha frente e ficou outra vez a olhar para mim, desta vez com a sua expressão mais dura.

- Eu não gosto de ti. – Ela disse com tanta certeza que até eu me espantei. – Por vários motivos que não te vou contar. No entanto, apesar do que tu disseste, nós já temos tantos motivos para o Voldemort querer nos atacar que tu estares lá não vai influenciar ninguém. Ele já matava antes de apareceres e vai continuar a matar depois de ti. É por isso que temos que o combater. Por isso, sim, apesar de isso tudo, eu quero-te em casa porque tu e só tu é que podes fazer a minha família ser inteira outra vez. O Charles precisa de ti e, por Merlim, se tu fugires ele nunca mais vai recuperar.

Ela fez uma pausa, observando-me e continuou, parecendo ser a contragosto, ao ver que não iria falar.

- Sabias que ele está traumatizado? Desde que foi raptado? E ele finalmente estava a começar a superar o seu trauma, ao ver que o seu irmão mais velho, o que estava supostamente morto pelo homem que lhe tinha feito tanto mal, estava vivo e bem. Além disso, ao ver-te lutar ele também quis lutar. Contudo, agora, tendo estado outra vez perto do Pettegrew e sabendo que há algo de errado contigo, ele está outra vez a fechar-se no seu mundo. Se não quiseres voltar para a tua família por mim ou pelos teus pais, volta pelo menos por ele e pela Rose. Tu és a esperança deles. Não os abandones… por favor.

Eu senti várias emoções ao ouvi-la. Primeiro, paralisei, por a ouvir admitir tão facilmente que não gostava de mim e depois foi espanto. Espanto por a ouvir admitir que ela precisa de mim e principalmente pelo que me contou sobre o Charles. Eu sabia que havia algo errado com ele, pela maneira como ele se fechava no seu mundo e, principalmente, pela sua insegurança. No entanto, não imaginava que estivesse traumatizado apesar de fazer sentido. Tudo o que sabia era que ele tinha sido raptado e tinha feito com que o Voldemort voltasse. Aquilo com certeza não seria agradável e ele era só uma criança… uma criança traumatizada que precisava de minha ajuda.

- Eu vou pensar. – Eu murmurei e espantei-me quando a vi sorrir para mim. Não era suposto ela sorrir daquela maneira, amigável e simpática para mim. Onde é que estava o: eu não gosto de ti? – Mas só porque pediste por favor. – Eu não resisti a acrescentar, para ver o sorriso dela desaparecer para a sua tão conhecida face, sem expressões que ela tanto adorava ter.

- Então pensa rápido. Tens até amanhã para podermos passar o Natal em casa. Adeus Potter e não sejas um idiota. – Ela disse, levantando-se e saindo dali com toda a sua dignidade.

Eu vi-a sair divertido, observando o quanto ela se irritava com coisas tão simples.


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Notas finais do capítulo

N.A. Bem, já passou algum tempo mas eu tive uma semana infernal, sem tempo para nada.
Agora, sobre coisas interessantes, eu queria fazer uma explicação da parte psicológica do Harry. Ele tem 14 anos mas em algumas coisas, ele pensa como um adulto pela sua autonomia. Eu apesar de ainda não ter mostrado todos os traumas, o Harry tem alguns. Primeiro, foi desprezado na sua infância e nunca teve uma figura parental. Depois, foi maltratado e aprendeu a desconfiar dos adultos. No entanto, o seu desejo por ser aceite, por ser amado, faz com que ele dê várias oportunidades às pessoas que não pedem muito dele, emocionalmente, como o Sirius. Não me entendam mal, ele dá oportunidades mas isso não quer dizer que ele confia totalmente. A Lily fez com que ele tivesse esperança outra vez nos adultos mas foi só nela e ela só ganhou essa oportunidade quando ela ofereceu a sua vida pela dele. E isto não quer dizer que o seu inconsciente a aceitou. Um trauma não se demonstra no que fazemos conscientemente mas inconscientemente. Por isso, apesar de conscientemente, ele às vezes já pensar nela como mãe, ele não quer dizer que confie nela como tal. Esse tipo de trauma, esse tipo de confiança demora anos a ter e não esperem que milagrosamente isso vá acontecer aqui. Eu quero que a evolução do Harry seja o mais real que eu conseguir fazer e vou tentar mostrar a insegurança que uma pessoa que passou pelo que ele passou, tem. Amar ou não amar. Aceitar ou não aceitar. E, principalmente, confiar ou não. É nisto que a sua dinâmica familiar se vai centrar e mais para o futuro, quando ele começar a querer ter um romance.
Bem, apesar de ter explicado isto, o próximo capítulo até é bem leve e isto é só para terem uma melhor compreensão do Harry, psicologicamente, porque mais para a frente ele vai fazer coisas confusas, devido à sua insegurança.
Espero que o próximo capítulo seja no próximo fim de semana mas não prometo nada e espero que tenham gostado =).