Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 8
We found love in a hopeless place


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas felizes. Alguém aqui ainda acompanha Glee? Fizeram uma homenagem aos Beatles, ok, copia de mim mesmo titia Ryan... Mas mesmo assim, ainda continua ruim para mim. Muita gente e pouca história concreta. Qual o problema em gastar menos dinheiro com atores e mais com roteiristas decentes?
Enfim, voltando a história( Que já passou da metade).
Gostaria de agradecer a quem vem comentando, obrigada pelo carinho. E claro, um agradecimento especial a TOPH BEI FONG pela primeira recomendação da fic. Ficou linda. Você é dez.
Só revisei uma vez. Desculpem qualquer erro.



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Houve um breve momento de hesitação.

                Até que as duas partes o quebraram.

                Rachel apertou o cobertor ao redor de si e observou enquanto Quinn passava as mãos pelos cabelos em sinal de nervosismo sólido. Sentou sob uma árvore deitada, esperando uma atitude mais organizada de sua companhia.

                "Quinn." Interveio vendo a clara perturbação da outra. "Disse que seus pesadelos são na verdade memórias... fale sobre elas." Pediu calmamente.

                "Estou tentando."

                "Feche os olhos e respire fundo."

                Sabia o que iria carimbar esse evento. Tudo que vinha depois. Música. Doce e simples, cantada com todos os gracejos do coração de uma sonhadora, tão pequena que era difícil imaginá-la carregando um dom tão grande.

                Yesterday foi a bola da vez.

                Quinn relaxou quase de imediato.

                E a música chegou ao fim.

                "Nós temos algo em comum." Rachel sibilou risonha.

                Aquele sorriso inoportuno havia retornado aos seus lábios cansados. Quinn ficou muito feliz em constatar. Estava disposta a tê-la de volta, porque a amizade dela era muito importante, mesmo que não soubesse exatamente o por quê.

                Mas essa é a beleza da amizade.

                Não precisa de uma razão.

                É confiar de olhos fechados.

                "Eu tinha doze anos quando aconteceu." O que totalizava quatro anos desde o dia em que o mundo acabara. "Nunca mais fui a mesma."

                -oooooooooo-

                Flashback on

                A neve quebrou contra o para brisa do carro áspero. Uma menina de cabelos curtos muito claros soprou contra o vidro e o embaçou para escrever: Branco infinito. O veiculo dobrou uma curva sinuosa e galgou sobre uma pedra fazendo seus viajantes saltarem dos assentos.

                "Querida." Uma voz mansa e gentil a puxou para o colo. "Sente-se direito, sabe que a estrada é perigosa." Sorriu para o bico da menina. "Está crescendo e ficando tão linda, Quinne."

                "Onde estamos?"

                "Indo visitar seu pai." Acariciou o topo da cabeça de Quinn e viu-a suspirar. "Lembra-se do que conversamos sobre esse lugar?"

                "Sim." Bufou saindo do colo da mãe. "Não é um lugar para crianças, não posso sair do carro." Fechou os bracinhos em sinal de aborrecimento. "Não sei qual a graça em ficar preso."

                "Esses judeus imundos sabem." Balbuciou o motorista do carro. Germany Menson. Um senhor de barba longa e testa cravada de crateras. Carregava o símbolo nazista tatuado com extremo orgulho no braço direito. Judy não gostava dele. "Esse foi o primeiro campo de concentração a ser fundado pelo nosso Führer."

                "Deixe as aulas de história para os estudiosos, Menson." Judy rebateu sem ser rude. "Quinn é apenas uma criança."

                "Uma criança alemã."

                Quinn não se interessou pelo restante da discussão. Parecia muito chata e sem sentido, então deixou de lado e voltou os olhos extremamente verdes para a paisagem. Uma grade banhada de ferrugem apareceu sobre o véu branco no fundo do horizonte.

                Uma muralha infinita.

                Tentou contar quantas divisões tinha, mas a quantidade era muito superior aos números que conhecia.

                Um lugar para explorar. Pensou nisso com muita fome. Tinha tanto para olhar e conhecer. Ansiava por isso, mas a promessa que fizera a mãe estava entrando em conflito com sua vontade. Brittany tinha ficado no hotel em que residiam e Quinn só fora porque insitira muito.

                Não podia quebrar uma promessa.

                Mas o dia estava tão branco.

                "Espere aqui, Menson." Judy abriu a porta e deu uma última olhada na filha encostada com a cabeça no canto do carro. "Já volto, querida."

                Passaram-se duas horas. Quinn batia a canela contra o banco do carro com extremo vigor e muita falta de paciência. Ela está demorando muito. Esticou o pescoço por cima do banco para encontrar Menson dormindo com um fio de saliva caindo do queixo até a barba mal feita.

                Só uns minutinhos não podiam fazer mal.

                Ou podiam?

                Abriu a porta com delicadeza e avançou sobre a neve fofa. Afundou até os joelhos e caminhou com dificuldade pela imensidão de branco. Tinha a língua presa entre os dentes e as cochas subindo acima dos olhos para conseguir caminhar.

                Foi um esforço gigantesco até chegar a entrada de arame.

                Não havia nenhum guarda. O que era estranho.

                Sempre via homens de uniforme creme, estacionados em cada entrada, dessa vez só vislumbrou o vazio, mas o silêncio correu para longe dela e voltou em forma de gritos. E tiros longos, fazendo barulho de chicote.

                Quinn correu para trás de uma casa fugindo do som.

                Arriscou uma espiada de canto de olho e então viu uma multidão de pessoas vestida de listrado. Seus narizes eram grandes e deslocados do centro. A pele estava meio rachada por conta do frio e os olhos eram alagados de terror.

                Atrás deles vinham os homens de creme.

                E as armas em punho.

                Um homem alto e rígido atirou contra uma senhora idosa que caiu contra o gelo, seus olhos permaneceram abertos, mas ela não estava mais lá. Uma mulher segurava uma criança nos braços que não podia ter muito mais aniversários completos do que Quinn, ela atirou-se contra uma trincheira mal cheirosa para proteger a criança da bala, mas no segundo seguinte o soldado estava em cima dela com o rifle apontado.

                "Levante-se." Ordenou e a chutou.

                Outro homem apareceu, menor do que o guarda, mas com braços igualmente largos. Segurou-o pelo pescoço e torceu. Quinn viu-o cair depois de um estalo e ficar imóvel para sempre. O judeu pequeno ajudou a mulher a ficar de pé e gritou-lhe ordens de fuga.

                "Não posso deixá-lo aqui." Ouviu-a rebater.

                Foi então que o mundo de Quinn começou a ruir.

                Russel chegou a cena com o peito a frente e uma arma na mão. Nunca o vira tão feroz. O judeu ficou na frente da mulher e puxou a arma do guarda caído apontando para a cabeça do coronel. Ambos encaravam-se igualmente.

                A mulher correu para o lado oposto.

                "Entregue a arma e volte para a sua cela." Russel pronunciou firme. "Não lhe farei mal."

                O judeu cuspiu nos pés dele e manteve o punho erguido. Tinha uma escritura no braço. Quinn conseguiu ler, mas estava muito mais preocupada com arma.

                "Não sei como poderia nos fazer algo pior."

                "Estou lhe dando uma escolha."

                "A morte ou o exílio." Interpôs. "Quão formidável é seu senso de justiça."

                O coronel não tinha opção. Usou da tática do mais rápido. Um tiro na cabeça e ele não iria poder apertar o gatilho contra ele. Apertou a arma e para seu eterno desespero nada aconteceu. Estava descarregada.

                O judeu sorriu na outra extremidade.

                "Não parece ser o seu dia de sorte."

                "Russel."

                Judy gritou do outro lado da neve e correu como nunca. Segurou o vestido contra o corpo e colocou-o entre um homem e o outro.

                "Não atire, por favor." Ela balbuciou tentando encontrar as palavras certas. "Vá embora, ninguém o seguirá. Tem a minha palavra."

                "De que vale a sua palavra?" Retrucou com o pulso trêmulo. "Assim que eu virar minhas costas seu protegido e seus cães virão atrás de mim como se eu fosse uma presa indefesa. Não tenho escolha. Saia da frente, senhora."

                "Não, não, não...por favor."

                "Judy saia do caminho." Russel correu até ela, mas chegou tarde, a arma disparou num rajado de fúria e a mulher que amava caiu com o peito sangrento contra a areia branca dos seus pés. O judeu começou a tremer.

                Olhou-os como se não pudesse acreditar no que tinha feito.

                Tudo parecia uma confusão sem precedentes.

                "Vou matá-lo." Russel proferiu abraçando uma Judy ausente. "Pode ter certeza de que irei até o inferno para puní-lo."

                A arma foi usada novamente, mas assim como a de Russel não surtiu efeito.

                Balas esgotadas.

                O homem largou-a e correu para longe. Quinn tinha a respiração totalmente perdida atrás da casa e de alguma maneira perdeu o controle das pernas, não conseguia se mover. Homens de creme surgiram e viram o estrago que o rato fizera. A mulher do comandante morta.

                Nunca sairia vivo disso.

                Correram e segundos depois outro tiro regurgitou nos céus.

                Quinn abaixou sobre os joelhos e começou a perder a respiração. Sua cabeça doía como nunca. Viu o pai abaixar sobre as lágrimas e arrebatar alguma coisa do chão, fechá-la sobre o punho com força e gritar com os pulmões em chamas.

                Caiu de lado, quase sem ar e vislumbrou pés apresados acompanhados por uma barba mal feita antes de mergulhar na escuridão.

                Flashback off

                -oooooooooo-

                "O segundo tiro que ouvi antes de desmaiar foi o que atravessou a cabeça do judeu." Quinn ditou com os olhos fundos e as mãos caindo em combustão. "Não cheguei a ver seu rosto, mas estava na enfermaria quando os enfermeiros o levaram pelo corredor num saco negro. E eu sabia que estava morto. Assim como... minha mãe."

                Rachel tinha os olhos embargados em lágrimas e a mão na frente da boca.

                "Eu não fazia ideia."

                "Fiquei de cama por duas semanas, mal conseguia me mexer, os ataques de ansiedade começaram a partir dai." Explicou levando a mão a cabeça. "Não compreendo. Por que ele atirou? Estava livre, podia ter corrido, mas matou a minha mãe. Ela era inocente, Rachel."

                Ela mal conseguiu diferir o que fez a seguir.

                Num segundo estava longe e no outro com os braço ao redor dos ombros de Quinn. Para sua surpresa a alemã apenas jogou a cabeça contra o seu pescoço e deixou as lágrimas caírem. Uma a uma. Pesadas como a sua dor. Indulgentes como seu passado.

                "Sinto tanta falta dela que parece que nunca vai acabar." Quinn soltou entre um soluço e outro. "É uma dor muito grande."

                "Compreendo você." Segurou seu rosto sem medo. "De verdade, Quinn. Mas não é porque uma pessoa fez uma coisa que também farei porque sou parecida com ela. Não vou te machucar."

                "Eu sei disso agora."

                "Foi bom ter desabafado?"

                "De uma forma estranha... sim." Quinn fungou uma ultima lágrima e secou os olhos buscando calma nas mãos de Rachel. "Obrigada. Não só por isso, por tudo. Você é diferente. Bondosa e forte. Não quero te perder também."

                Rachel sorriu grande. Não esperava ouvir isso.

                Não dela.

                "Ora, quem disse que vou te abandonar?" Brincou tentando desanuviar a situação. "Quem vai te ensinar a falar inglês sem gaguejar? Ou pregar uma parede sem perder um dedo?"

                Quinn se permitiu dar um sorriso.

                "Engraçadinha." Zombou sem se afastar. "Posso voltar amanhã?"

                Rachel abaixou e a beijou no rosto. Foi suave e cheio de ternura fraternal. Pareciam duas irmãs que se reencontravam depois de anos distante. Quinn reencontrou o calor ali, ardendo em sua pele como brasa incandescente. Não queria se afastar.

                E pela primeira vez se permitiu apreciar um toque carinhoso por completo.

                Pois já não existiam mais barreiras.

                -oooooooooo-

                Emma explodiu em alegria sob uma chuva de lápis de cores que uma Brittany igualmente feliz causou. A notícia de que Rachel estava acordada e se recuperando trouxe um pouco de paz no meio da nebulosa de todos que a conheciam.

                Quinn passou a visitá-la antes e depois da escola.

                Sempre levando uma toalha enrolada por todas as tortas e sucos que Rachel gostava.

                "I think you'll understand, when I say that something, I wanna hold your hund..." Quinn começou a cantar músicas dos Beatles sob alguns tropeços iniciantes.

                "Hand." Rachel a corrigiu.

                "Essa música é terrivelmente difícil." Bufou enquanto levava uma fatia de bolo aos lábios cheios. "Queria aprender inglês, mas honestamente não serve para nada."

                Rachel riu e bebericou um pouco do suco de uva deixando uma marquinha sob a boca devido ao corante. Limpou com as costas das mãos antes de rebatê-la.   

                "Um dia você pode precisar."

                "Para quê?"

                "Quem sabe?" A judia deu de ombros muito complacente. "Falar com um inimigo."

                Quinn riu e jogou o travesseiro em que se apoiava em Rachel. Como se isso pudesse acontecer. Os inimigos dela não falavam inglês, não os diretos. E não tinha pretensão alguma de se comunicar com qualquer um que viesse das forças aliadas.

                "Como você sabia que eu queria aprender?"

                "Acho que eu sonhei com você reclamando que não sabia."

                Não havia sido exatamente um sonho.

                Quinn havia tido mais algumas coisas que a deixaram corada.

                "O que mais você sonhou?"

                "Coisas." Ditou olhando o céu com pontos de estrelas. "Boas. Disse até que éramos amigas, então deduzi que só podia estar sonhando."

                Uma pena ela não ter mais nada para jogar nela.

                "Nós somos." Quinn sibilou muito baixo.

                Ela ouviu, mas se limitou a prender o sorriso e continuar a encarar a noite que engolia o dia. As montanhas estavam silenciosas e o vento soprava seus cabelos com extremo cuidado. Dobrou-se sobre o chão úmido de grama e terra.

                "Em que está pensando?" A alemã peguntou do alto.

                "Semana que vem é meu aniversário."

                "Por que não disse isso antes?" Quinn indagou com a boca bem aberta. "Como pensa em comemorá-lo?"

                Rachel deu de ombros.

                "Não há exatamente o que celebrar."

                Ela não tinha os pais por perto. Dinheiro para comprar um presente bonito. Nem sequer roupas decentes para participar de uma festa. Então simplesmente desistiu dessa ideia. Quinn sentiu uma pena profunda e ainda mais admiração por ela quando sorriu no meio de tanto infortúnio.

                "Se você vier me ver já vai ser incrível!"

                Eu vou. Pode ter certeza. E não estarei de mãos vazias.

                -oooooooooo-

                Quinn estava terrivelmente ocupada quando fechou o armário de aço e puxou todos aqueles astros de papel que Britanny gostava de fazer. Bateu a porta e carregou uma caixa abarrotada .Só faltava uma coisa crucial para seus planos.

                Estrelas.

                Muitas delas.

                "Britanny." Chamou a irmãzinha que corria corredor abaixo. "Espere." Indagou carregando uma cartolina gigante numa mão e uma tesoura na outra. "O que tem para fazer hoje a tarde?"

                "Nada." Deu de ombros.

                "Ótimo." Quinn literalmente choveu papel sobre ela e depositou a tesoura sobre seu colo. "Quero que faça quantas estrelas puder. De todas as cores. Até sentir que seus dedos estão prestes a cair. Entendeu?"

                "Mas para que você quer..."

                Quinn deu-lhe um peteleco na testa.

                "Sem perguntas. Mãos a obra. Está perdendo tempo."

                Brittany as vezes gostaria de sufocar a irmã que Deus lhe enviou, mas ir para o inferno não estava no seu plano espiritual, então limitou-se apenas a segurar a tesoura gigante e fazê-la comer quantos papéis fossem necessários.

                -oooooooooo-

                Dia 24 de outubro chegou. A tarde estava de um céu puro. Laranja misturado com dourado, alguns riscos rosados preenchiam o resto da tela, dando uma atmosfera esperançosa a quem parava para observar. Quinn sentia o clamor de um trabalho bem feito e ansiedade de revelar uma surpresa preenchendo cada parte do seu íntimo.

                “Ela vai adorar.”

                Não conseguiu deixar o sorriso de lado.

                Passou a manhã inteira manobrando contra a diretora e a treinadora. Conversou brevemente com Emma até a chegada do zelador William e depois rumou para o refeitório, mas ao abrir a porta seu mundo virou de cabeça para baixo.

                Foi empurrada. Com força.

                Bateu de encontro a parede e resmungou em uma dor aguda. Voltou-se para seu agressor e levou um susto. Não pela identidade da pessoa, mas pelo roxo alaranjado que carregava sobre o olho direito. Mal conseguia mantê-lo aberto.

                “Rose?” Quinn exclamou em choque. “Que aconteceu com você?”

                “Como se você não soubesse, Fabray.”

                Havia um misto de tristeza preso ao de dor na expressão de Marley.

                “E como eu poderia?” Retrucou.

                Kitty estava do outro lado do refeitório e veio correndo evitar uma catástrofe. Entrou no meio das duas e olhou simplória, por trás dos óculos de arame, passando uma mensagem silenciosa para Marley. A menina de olhos de gelo perdeu os ombros e abaixou-os segurando todas as lágrimas antes de sair do auditório sem dizer mais uma palavra.

                “Sinto muito, Quinn.”

                “O que houve? Quem fez isso com ela?”

                A loira mais baixa puxou Quinn pelo pulso em busca de um lugar mais calmo. Kitty sentou-se na arquibancada fria e voltou a atenção para as mãos.

                “Foi a mãe dela.” Sua voz não passava de um fio quase inexistente. “Alguém contou-a sobre nós duas. A senhora Rose disse que se voltasse a envergonhar a família daquela maneira iria me punir da mesma forma.” Enrolou os braços ao redor do corpo. “Então bateu nela com toda raiva, Quinn. O olho roxo é apenas o que você consegue ver, mas está muito mais machucada.”

                “Isso é horrível.” Pela primeira vez na vida sentiu pena de Marley. “Espera, porque ela está com raiva de mim?”

                “Ela acha que você nos delatou.”

                “Não é verdade.” Quase gritou de susto. “Eu não faria uma coisa dessas.”

                “Foi o que eu disse a ela.”

                A felicidade se esvaiu de Quinn. Não podia fazer nada para ajudá-las e com certeza tudo estava acabado entre as meninas. Colocou uma mão sobre o joelho da garota tentando lhe passar um mínimo de conforto.

                “Sinto muito, Kitty.” Sussurrou. “Vai passar.”

                “Eu a amo.” Ditou, sem ser rude, apenas verdadeira. “Não acho que seja o tipo de coisa que vá embora tão depressa.”

                Ainda doeria muito perdê-la.

                A alemã sabia disso.

                O amor vem sorrateiro e invade trazendo magia utópica, mas quando somos obrigados a soltá-lo, o mundo parece vazio. Nunca é fácil. E por vezes, não existe recuperação completa. Sempre há um pedaço para lembrá-lo de como foi bom.

                E como nunca mais será.

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                Rachel estava em sua cabana ajeitando coisas avulsas. Organizou a caixa de papelão com todo cuidado e revirou alguns pertences até encontrar uma foto totalmente gasta da mãe. Seus longos cabelos negros desciam pelas costas como um véu de ébano.

                E ela sorria. O seu sorriso.

                Como eram parecidas.

                “Se eu pudesse fazer um pedido...” Seria poder estar com ela no dia do seu décimo sexto aniversário que, por um acaso, era hoje. Apertou-a contra o peito e chorou baixinho.

                Depois de um tempo voltou a guardá-la num envelope amarelado e lacrou-a com substância. Rumou para o exterior querendo encontrar o ar mais fresco. O vento bateu em seu rosto e lavou as lágrimas. Uma mão no ombro a trouxe de volta.    

                “Hey.” Quinn surgiu do nada e a assustou. Trajava um vestido rosa bebê justo no corpo e com mangas curtas. Tinha os cabeços rebeldes escovados e agrupados numa trança. “Você estava chorando?” Pareceu realmente preocupada.

                “Não.” Mentiu e abriu o melhor sorriso que encontrou. “Porque está tão bonita?”

                Quinn corou. Como nunca. Já ouvira falar sobre sua beleza de todos que conhecia, muitas vezes, mas nunca foi especial ou tocante como agora. Todas as muralhas que construiu simplesmente estavam desabando diante do encanto dela.

                “Hoje é um dia especial.” Ditou, brincando de indiferente.

                “E por que motivo?”

                Esticou uma mão convidando-a para o baile.

                Não havia mais medos nos toques.

Eles se tornaram indispensáveis.

“Você terá que confiar em mim para descobrir.”

-oooooooooo-

A porta da sala principal da imensa casa dos Fabray foi aberta com extrema lentidão. Duas meninas adentraram. Uma segurou a porta com cortesia exagerada e a outra entrou dando passos tímidos. Uma luz bonita mesclava-se ao piano encostado na parede. Um rádio tocava uma melodia calma.               

Rachel não reconheceu.

Mas amou de todo coração.

“O que é tudo isso?” Falou pasma, deixando a boca aberta.

Além de toda musicalidade a sala tinha ganho um emaranhado de planetas, cometas, nebulosas e estrelas presas em linhas de barbante no teto. Um céu de mentira que tinha o mesmo significado de um verdadeiro, advindo daquela expressão...

...Se eu pudesse lhe dar o mundo.

                Então para melhorá-la, que tal criar um mundo para ela?

                “Feliz aniversário, Rachel.”

                Ela não soube o que dizer. Ficaram em silêncio se encarando por uma eternidade. Longa demais. Distante, mas havia algo ali. Novo e bonito. Nascendo do nada, assim como o universo.

                “Não sei como agradecer.”

                “Você acha que acabou?” Quinn ditou brincalhona. “Não, não, Berry.”

                Subiram para o quarto da esquerda. Quinn deixou a luz do corredor entrar e Rachel pôde vislumbrar um vestido azul cetim ao lado de sapatilhas brancas. Brittany havia confeccionado a roupa de maneira categórica.

                “O banheiro é no corredor à direita.” A alemã indicou. “Sei que tomar banho no rio gelado não deve ser uma experiência agradável.” Quinn ficou horrorizada ao saber que Rachel nunca tinha tomado banho quente ou experimentado uma banheira. “Pode demorar o quanto quiser. Hoje é o seu dia.”

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                Rachel se sentiu viva depois de anos. O banho na água fervendo foi o melhor de toda sua vida. Foi o presente mais incrível que Quinn poderia ter bolado, estava tão feliz e limpa que não conseguia retirar o sorriso costumeiro do rosto.

                Secou a pele queimada de sol e vestiu o azul cetim.

                Pegou o pente e ajeitou os cabelos deixando-o uniforme.

                Desceu a escada a passos lentos e incrédulos. A atmosfera no andar inferior era ainda mais incrível do que a água quentinha. Uma mesa rechonchuda com doces, bolos recheados, pavê, tortas e suco estendia-se até onde os olhos podiam alcançar.

                Quinn puxou uma cadeira para ela.

                “Eu sei que não é um jantar muito normal.” Desculpou-se pelo cardápio atípico. “Brittany sugeriu que tudo que comecemos fosse delicioso, foram as únicas coisas que consegui pensar que encaixavam nessa categoria.”

                “Onde está sua irmã?” Sentou ajeitando a barra do vestido.

                “Na casa da Emma.”

                Rachel lembrou-se de um pequeno detalhe. Estava devendo uma história a Quinn. Durante o jantar adocicado contou sobre como conheceu a enfermeira. Estava um dia cinzento e distorcido, tinha acabado de torcer o cotovelo perto da igreja da cidade. Abaixada e sem saída no meio da neve.

                Não podia pedir ajuda.

                Mas ela veio assim mesmo.

                Emma avistou-a jogada contra os arbustos. Pediu permissão para analisar o machucado e prometeu não entregá-la. Rachel não teve opções, primeiro porque já tinha sido vista e segundo por que a dor falou mais alto.

                Teve que confiar com medo.

                Um tiro no escuro que se transformou em luz.

                “Ela é uma pessoa tão dedicada a fazer o bem. Não pensou duas vezes antes de me ajudar.” Rachel sorriu grande. “Tem sido assim desde então.”

                Emma era um anjo sem asas, pois não precisava delas.

                “Conhece Marley e Kitty?”

                “Não exatamente.” Ditou cortando um pedaço de torta de limão e esfarelando no canto da boca. “Mas sei que Marley tem olhos azuis, já Kitty só imagino como seja pelo que você me conta.”

                Uma mão branca voou para o pavê de chocolate e sem querer trombou com uma pequena. Quinn a recolheu e corou desviando os olhos para o chão. Está agindo como uma idiota. Pensou tão alto que teve medo que a outra ouvisse.

                Arrumou outro assunto para quebrar a tensão.

                “Será que você pode me contar sobre sua estrela dourada?”

                Rachel bebericou o suco, pensativa.

                A pulseira jazia lívida em seu pulso.

                “É uma superstição.” Começou. “Minha mãe sempre dizia que todos somos estrelas de uma grande constelação e que todas as estrelas que vemos no céu são outras pessoas, de outros mundos e quando elas olham para nós vêem o mesmo.” Limpou a boca com guardanapo e prosseguiu. “Sempre me disse que existe um brilho em cada um de nós, que é capaz de fazer qualquer coisa. A pulseira é para que eu me lembre disso e nunca perca o meu.”

                 “Sua mãe parece uma ótima pessoa.”

                “Ela é.” Os olhos dela encheram-se de lágrimas felizes. “Meu pai também têm uma estrela em forma de broche que carregava no peito da camisa. Também era dourada e cintilante.”

                A alemã sentiu-se nauseada ao ver Rachel passar de seu estado de paz para tristeza. Lembrá-la dos pais não fora uma boa ideia. Precisava corrigi-la o quanto antes.

                “Tenho uma coisa para fazer.”

                Levantou, estendendo a mão.

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                “Vire mais para a direita, sobre a luz. Não, Quinn.” Rachel ralhou quando a alemã segurou a câmera de forma negligente e retirou uma foto da parede tentando acertá-las. “Isso não está dando certo.”

                “Não é tão fácil quanto parece.”

                “Deixe-me tentar.”

                Rachel virou a câmera centralizando a lente sobre suas cabeças com máximo de perícia que conseguiu. Equilibrou o metal nos dedos e libertou uma mão para passá-la no pescoço de Quinn enquanto o fleche se preparava para faiscar.

                Um segundo depois a foto estava lá.

                Em preto e branco. Muito bem focada.

                “Ficou bonita.” A judia relatou.

                Quinn não falou, só ficou observando as mãos seguras de Rachel com extrema concentração e uma pitada de admiração. A imagem ficou linda, ambas sorriam e mesmo com a ausência de cor dava para perceber o tamanho da felicidade que emanavam.          

                “Por que os olhos da menina loira estão brilhando?”

                Rachel perguntou com as sobrancelhas no ar. Dava para perceber uma mudança na textura avelã que marcava os olhos profundos de Quinn e aquela pergunta tinha uma resposta, sincera, completa e que falava muito mais do que as palavras.

                Mas ainda não era hora de dizê-la.

                Seria o trunfo final.

                “Um dia eu vou lhe contar.” Fincou o olhar ao dê-la. “Mas não hoje.”

                Um disco de vinil foi prontamente ajeitado no toca discos e Quinn fez uma reverência. Estavam espalhadas no centro da sala iluminada pela luz de algumas velas e o prata da lua que rasgava a janela. O sistema solar mais dinâmico do mundo regurgitava acima de suas cabeças.

                Rachel deu dois passos e entregou a mão direita a ela.

                Depois teve a cintura tomada por outra.

                Olhos nos olhos.

                E foi no ritmo de Let it be que começaram uma dança calma.

                “Porque o sol é azul?” Apontou para uma das estrelas maiores quando rodopiaram por perto.

                “Segundo minha irmã. Sou eu.” Quinn revelou sem desviar o olhar. “Ela disse que sou como gelo, dura e fria, guardo tudo por dentro, todos os sentimentos em forma de líquido e que seria preciso muito força para transpassar essa barreira.” Teve que dar uma risada curta. “É verdade, o que me leva a pensar que sou seu oposto.”

                “Como assim?”

                “É uma estrela dourada. Emana calor por onde passa.” Não sabia exatamente de onde suas palavras vinham, mas não podia parar. “Você é a luz de uma noite fria.”

                O silêncio prosperou depois desse pequeno diálogo, o que fez Quinn sentir certo desconforto, tinha medo de ter dito algo errado, mas parou de devanear quando Rachel sorriu contra o seu ombro.

                “O que acontece quando frio e calor se encontram?” Rachel questionou com a respiração cortada.

                “Um dos dois perde.”

                “Um dos dois cede.” Corrigiu-a.

                Era verdade, mas quem se renderia primeiro? Quinn nunca sentiu tanto medo na vida. Estava colada a outra menina como forma de evitar que os olhos chocolates a pegassem observando-a com certo desejo. Não sabia dizer ao certo, mas em alguma noite de inverno o calor de Rachel a tomou.

                E ela não podia mais fingir.

                Estava apaixonada.

A questão era, como Rachel reagiria a isso? Sentia o mesmo?

                “Queria fazer uma coisa.” Quinn sussurrou apoiada no ombro dela. “Mas pode estragar tudo.”

                A ausência de resposta quase a sufocou. Pensou em desistir da ideia e terminarem a música para depois voltar a seu mundinho fechado, mas Rachel não afirmou nem negou nada. Talvez estivesse esperando que ela agisse. Que criasse um mínimo de coragem.

                Com extremo cuidado deslizou sobre o rosto moreno. Tomou uma respiração tão forte e tensa que quase podia ser ouvida. Suas mãos subiram para as costas da judia, descansando sobre as costelas rudes e cheias.

                Estavam tão próximas que a respiração tornou-se uma só.

                Quinn inclinou o rosto de olhos vendados, mas a porta da cozinha a impediu de continuar.

                “Quinn, Britanny.”

                A voz do pai entrou ressonando pelo cômodo. Quinn segurou a mão de Rachel e indicou a escada que dava para o andar de cima.

-oooooooooo-

                “É alto demais.” Quinn inquiriu segurando Rachel no lugar. Estavam próximas a janela do quarto. A judia tinha uma perna para dentro e outra fora medindo a altura. “Vai se machucar.”

                “Seu pai vai chegar a qualquer momento.”

                Não havia outra saída.

                “Cuidado.”

                “Tudo bem.” Ela deu de ombros com o sorriso inabalável carregando os lábios. Seria uma queda pitoresca. Uma aventura em vou livre. Só esperava chegar em terra sã e salva. “Quinn...”

                Ela olhou para aquela imensidão chocolate e teve o coração arrancado do peito quando, sem aviso, Rachel puxou-a pela gola do vestido e jogou seus lábios sobre os dela. No começo, sofreu de uma leve falta de ar e vontade de desmaiar, mas depois no meio de todo calor o medo foi esquecido.

                Olhos avelã se fecharam para apreciar melhor.

                Só durou alguns instantes, mas foi indescritível.

                “Até amanhã.” Rachel sussurrou e pulou caindo de pé.

                A porta do quarto foi aberta nesse exato momento. Russel enrugou a testa para a filha e coçou o topo dos cabelos rasos. Quinn exibia um sorriso de orelha a orelha muito atípico.

                “Pai!”

                “Está tudo bem?”

                Um abraço veio como resposta. Ele girou-a em torno do quarto com uma saudade extrema. E do nada estavam sorrindo juntos. Como não faziam a anos.

                Estava tudo perfeito.

                Porque ele estava de volta e pelo fato dos lábios dela terem gosto de torta de limão.


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Notas finais do capítulo

Pessoas me amando, odiando, indiferentes? Ok, parei. Adorei escrever esse capítulo. Espero que as pessoas passem a olhar essa Quinn com outros olhos ou pelo menos a compreendam.
Beijos. Até o próximo, leitores.



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