Já estava de certo modo acostumado a ser alvo de olhares, em sua maior parte desagradáveis.

Sempre, sempre, tinha alguém olhando. Com inveja, com despeito, admiração, suspeita, ódio, mera curiosidade, às vezes. Nem ligava mais para os pares de olhos, idiotas, que lhe acompanhavam os passos, vez ou outra com um burburinho mais desagradável em conjunto.

Mas, pelo visto, Mello não concordava.

Gritava, em bravata, amaçando com coisas piores que a morte a cada pequeno olhar que sentia um pouco mais encostado às suas costas.

Mas também. Que queriam?

- Mello, será que pode apertar menos a minha mão?

O loiro apenas bufou, sem sequer responder. Estava irritado.

Não só como sempre, mas sim um pouco mais.

Suspirou, desejando que pudesse soltar-se da garra de dedos rijos e furiosos . Tinha horas que nem sentia mais seu sangue circulando, só um formigamento incomodo.

Aquele era já o segundo dia naquela situação patética. De aula em aula, refeição em refeição, mais e mais se convencia de que acabaria sofrendo uma amputação por motivos de necrose.

Sem exageros. Estava realmente doendo.

Entraram em uma sala, para mais uma aula. A distância ditada pelo comprimento dos braços os forçava a sentar juntos.

Até o professor teve uma sugestão de sorriso, sádico, ao ver a situação.

Oh, por favor. Está certo que todos estão adorando ver Mello submetido a algo que ele certamente detesta até mais do que ser privado de meia-dúzia de chocolates.

Mas Near não conseguia evitar um certo desconforto em saber que parte dos deboches eram para si.

Ainda que a culpa da situação fosse toda sua.

Viu letras tomando formas no quadro-negro, a mente vagando.

Engraçado isso. Era gritante que a culpa de terem sido punidos fora sua, e ele mesmo não tivera grandes problemas em admitir.

Mas Mello não.

Apenas se perguntava se pelo fato orgulhoso de não suportar pensar que estava sendo castigado por culpa de alguma ação comandada por Near, ou se por algum lapso de nobreza qualquer.

Provavelmente, orgulho. O mesmo que inundara seus olhos azuis, escurecendo-os quando Roger soltou um espantado ''não acredito que fez isso pelo Near!'', pouco depois de ouvir o porquê de estarem ali, papeis revirados em mãos e um programa prestes a quebrar a senha dos arquivos do computador geral do Orfanato ao fundo.

Como sempre, tudo não era nada senão um quebra-cabeça.

Quem via de fora, não tinha nada senão um amontoado de peças, as quais trocavam em burburinhos e cochichos, tentando saber qual a imagem que afinal carregavam consigo.

Tentou esticar os dedos enjaulados, surpreso ao ver Mello cedendo, dando-lhe espaço. Pensou se poderia se iludir, fingindo que aquele era um ato de gentileza, ou se não era melhor simplesmente lembrar-se que Mello também estava cansado da situação.

Era isso que incomodava. Essa dualidade.

Não sabia se ele fora junto para lhe ajudar, ou para mostrar que era um inútil.

Se porque sabia que Near não conseguiria sozinho, ou para esfregar-lhe o fato na cara.

Provavelmente, por curiosidade.

Ou, quem sabe, se pudesse se iludir uma vez mais com as dualidades daquele loiro estranho, Mello tivesse se disposto a encontrar os registros de alunos pelo mesmo motivo que Near.

Por medo.