Gritos.. Gritos agudos e desesperados, não sei se estou acordado ou se não passa de mais um sonho. Ouço passos no corredor e vozes, que de longe não passam de sussurros, os gritos sessam por um tempo mas quando voltam parecem ainda mais desesperados. Há uma unica brecha de luz no vão da porta, por ela vejo sombras se aproximando. Quando ouço as vozes, e as ligo as pessoas, sei que estou acordado.

–Você não pode dar uma pilula para ela? Algum remédio?- Forço minha mente ainda sonolenta a pensar. A quem pertence essa voz? É... É Brutus.

–Eu já fiz isso, mas não adianta! Ela dorme um pouco depois grita de novo!- Dessa vez reconheço a segunda voz de cara, sua voz fina e seu sotaque ridículo são inconfundíveis, é Glitts.

E então uma ultima voz me desperta totalmente, Enobaria vem gritando pelos corredores:

–Faça essa garota calar a boca! Eu preciso dormir!- Essa garota? E somente quando os gritos voltam a me assustar, percebo que eles pertencem a Clove. Levanto correndo como nunca, abro a porta e todos os três olham assustados para mim, não me dou ao trabalho de perguntar nada a eles, vou direto ao quarto de Clove e abro a porta. Ela grita e chora enquanto Avox tentam acorda-la, mas é em vão.

–Saiam daqui!- Grito.- Saiam todos daqui.- Eles me obedecem. Vou imediatamente até a cama de Clove, sento ao seu lado e tento acorda-la, mas não consigo.

–Clove... Clove calma. É.. é só um sonho. Apenas um sonho ruim.- Ela parece se acalmar com minhas palavras, mas ainda chora.- Baixinha sou eu, Cato. Acorda.

–Cato?- Seus olhos se abrem devagar e ela se lança em meus braços, me abraçando como se eu a tivesse salvado de algo inimaginavelmente terrível, abraço-a apertando fortemente seu corpo contra o meu para que ela saiba que enquanto eu estiver aqui nada a fara mal.

–Não va embora. Por favor...- Sua voz sai fraca e falhada, e antes que ela possa terminar, respondo:

–Eu não vou. Eu vou ficar com você.

Glitts percebe o silêncio e os gritos que não voltam, quando ela abre a porta ainda estou abraçado a Clove.

–Pode ir dormir, cuido dela agora... -E antes que Glitts possa terminar Clove grita com ela, sem desenterrar sua cabeça do meu peito.

–Não! Ele vai ficar, vai ficar comigo! Vá dormir você!

Glitts parece assustada mas se retira sem dizer uma palavra se quer, o quarto fica escuro novamente. Faço Clove se deitar e depois que a cubro deito ao seu lado. Ela se aconchega em meus braços e sua cabeça em meu peito. Ela não demora a pegar no sono novamente, mas agora, parece sentir-se segura comigo aqui, de modo que não volta a gritar. Mesmo na total escuridão a brecha de luz que passa no vão da porta faz com que eu possa ver o rosto de Clove, ela parece um anjo, e depois de todos esse gritos demonstrou uma fragilidade que eu nunca imaginaria ver em Clove. Para mim ela já não parece mais a mesma garota durona e mortífera com a qual eu convivi todos esses anos, e sim uma menina desprotegida, a mesma menina de rosa que vi na colheita, uma menina que encobre seus medos e sua fragilidade com toda aquela frieza, rancor e brutalidade. E por um momento me pego imaginando essa mesma menina na arena daqui a poucos dias. Será que toda sua habilidade e frieza seriam suficientes na arena? Ela com certeza é muito superior a tributos que são bem maiores, com certeza mataria muitos deles com a mesma facilidade que escova os dentes, mas essa é a mesma Clove que precisa da minha companhia numa noite de pesadelos.

Continuo olhando para ela sem conseguir dormir. E tenho a confirmação do que eu sempre soube; eu não poderei mata-la, mas será que eu seria capaz de deixar que outro tributo faça isso por mim? Talvez eu saiba a resposta. Talvez eu simplesmente não queira admitir a mim mesmo que ela é mais importante do que qualquer honra que eu possa levar ao meu distrito. Balanço levemente a cabeça pra tentar me livrar desse pensamento, pensamento que pode me levar a fraquejar na arena. O que sinto por Clove pode me levar a fraquejar na arena, e antes de qualquer coisa eu sei disso. Durmo olhando para ela no escuro, disposto irônicamente a fazer qualquer coisa para protege-la, pelo menos durante essa noite.

Acordo junto com o sol, tento não me mexer para que Clove não acorde, mas não é necessário pois ela já esta acordada e quando percebe que despertei, ela olha para mim e sorri, eu retribuo o sorriso.

–Dormiu bem?- Só depois que faço a pergunta, vejo o quão idiota ela é. Afinal, depois de todos aqueles gritos é obvio que ela não dormiu bem.- Quero dizer, depois que eu vim para cá...

–Sim, depois que você veio foi bem melhor do que sonhar com Avox tendo suas línguas cortadas... e....- Ela hesita.

–Que foi? -Faço uma pausa para poder achar as palavras certas. Mas quando não encontro deixo que elas saiam sem serem programadas.- Clove eu sei que tem alguma coisa errada... É sério que você quer esconder de mim? Eu percebi como você ficou depois que viu aquele... Avox...- Ela me interrompe.

–Ele é o meu avô Cato.- A voz de Clove esta trêmula. E tento fazer com que suas palavras façam sentido em minha mente. Mas não faz.

–Mas... O seu avô morreu.

–Era o que eu também achava. Até ontem... E... Eu nunca saberei o que ouve, afinal ele- Ela gagueja mas não chora.- Ele não fala mais.- Não encontro palavras para dizer algo e ela continua.- Eu passei minha vida toda reclamando por não poder ter dado a ele um enterro digno, e me perguntando por que aquele aérodeslizador o levou.. Agora eu sei o porque...- Ela faz uma pausa, e abaixa a cabeça sei que esta contendo as lagrimas.- Eu preferia não saber.

Não sei o que dizer a ela então a abraço por um longo tempo, tempo suficiente para que eu sinta o cheiro doce que tanto gosto. E como da primeira vez em que nos beijamos, ela levanta os olhos e sinto minha respiração se descontrolar, vou me aproximando dela bem devagar, meu rosto já esta quase colado no dela quando Glitts entra falando pelos cotovelos, ela só para quando percebe o modo que estamos abraçados.

–Hã... As roupas de Clove estão ali.- Ela aponta para as roupas. Que eu particularmente nem tinha visto.- E as suas estão no seu quarto Cato. Devem estar nas salas de treinamento as 10, por isso adiantem-se!- Ela sai.

–Onde paramos?- Pergunto sinicamente a Clove.

–Na parte em que você vai para o seu quarto e se veste!

–Olha eu tenho certeza de que não foi nessa ai não...- Digo sorrido divamente.

–Mas foi a parte em que eu disse que parou! E a minha palavra vale muito mais do que a sua! Agora vasa daqui!- Ela fala rindo e me empurrando para fora do quarto, em seguida bate a porta.

Tomo um banho e visto a roupa que Pluton deixou para mim, em seguida vou até a sala de jantar. Começo a perceber que sou sempre o ultimo a terminar de me arrumar, por que novamente estão todos a minha espera, não bem a minha espera por que ja estão tomando café da manha. Não conversamos muito, Brutus apenas fala para que façamos amizade com os carreiristas do 1 e do 4, e Enobaria sugere também o garoto do 11, pelo seu tamanho e porte físico. Clove não fala, apenas concorda debochadamente com as coisas que Enobaria diz. E Glitts por fim nos guia até o elevador, para que possamos ir até o subsolo onde ficam as salas de treinamento. Quando as portas se abrem me sinto em casa, o enorme ginásio se parece muito com o centro de treinamento onde treinei a vida toda, e as armas... Bom essas eu particularmente amo. Alguém prende o número 2 na camisa de Clove e em seguida na minha.

Não há muitas pessoas, mas percebo os tributos do 1 imediatamente, e posso dizer que a loira me chamou bastante atenção.

–Você esta babando de novo.- Clove olha para mim e eu sorrio.

–E você esta com ciumes!

–De você e da loira oxigenada? Essa foi a piada do dia. Vamos até o circulo antes que você faça mais piadinhas nada haver.

Ela praticamente me arrasta até o circulo, onde a treinadora pincipal, Atala, espera pelos outros tributos, os ultimos a chegar são a magrela e o garoto do 12.