E quando tudo parecia estar bem, algo ruim acontecia. Fiquei muito triste comigo mesma e com Nathaniel, por talvez não ter acreditado em mim. Por outro lado, eu o entendia. Realmente aparentava que eu tinha inventado uma desculpa para não usar o pingente de gato.

Sentei em uma mesa de pedra perto dos jardins e fiquei pensando onde poderia ter deixado o presente de Nath. Alexy sentou perto de mim não muito tempo depois, parecendo preocupado. Ignorando as minhas aflições, perguntei assim que ele me cumprimentou.

– Algum problema, amigo?

– Não... Sim... Na verdade... – Ao receber um “desembucha” vindo de mim, ele suspirou antes de dizer tudo rapidamente - Acho que Viollet gosta de mim.

– E qual o problema? – Sorri para ele, achando a situação fofa e engraçada ao mesmo tempo. – Vocês ficariam lindos juntos.

– O problema é que eu não gosto dela. Aliás, o problema é que eu não gosto de... – Ele me olhava aflito e eu via a confusão no seu olhar.

– Você não confia em mim? Fala logo, Alexy!

– Eu não gosto de meninas! – Admitiu por fim, abaixando a cabeça e soltando o ar de seus pulmões. Demorou um pouco para eu processar a informação, mas ao ver os olhos roxos do moço me fitando com certo alívio, só pude sorrir e dizer que o entendia.

– Você vai ter que falar isso para a Viollet, amigo. Tenho certeza de que não vais querer que ela seja iludida.

Alexy concordou comigo, e antes que verbalizasse isso, Kentin se juntou a nós.

– Oi, Shiemi! Faz tempo que não nos falamos. – Ele sorria para mim, porém ignorava a presença de Alexy. – Que tal tomarmos um sorvete dia desses? Tenho certeza de que você vai aceitar.

Fiquei encantada diante da proposta, por mais aleatória que ela fosse. Soltei um “Claro, eu adoraria!”, sendo seguida pela voz de Alexy.

– Quem é seu amigo, Shiemi? Adorei a cor dos olhos dele...

Olhei surpresa para Alexy, que piscou discretamente para mim. Kentin fez uma cara muito engraçada, e quando o moço de cabelos azuis continuou os elogios, deu um jeito de sair logo da nossa mesa.

– O que foi isso? – Ri quando Kentin se afastou.

– Queria mostrar para o seu “amiguinho” que eu não ofereço perigo. – Alexy sorriu de modo esperto. – Isso foi um sinal claro de que ele estava com ciúmes.

Kentin? Com ciúmes? Está aí uma novidade.

*

À tarde, andava perto da biblioteca quando vi Lysandre. Ele parecia animado, mas seu olhar carregava certa dose de tristeza.

– Olá, Shiemi. Gostaria de falar com você.

– Oi, Lys. Pode falar.

Entramos na biblioteca e nos sentamos em uma mesa no canto.

– Eu queria te contar uma novidade, em parte feliz, em parte triste. – Percebi que Lysandre escolhia as palavras ao continuar – Eu realizei uma prova para uma escola de literatura em uma cidade aqui perto, nas férias. E eu... passei.

Não pude deixar de sorrir e falar em voz alta “Que maravilha!”, o que me rendeu algumas broncas das pessoas ao redor. Em seguida, perguntei o óbvio, já mudando minha expressão para uma mais séria.

– Mas então... você vai mudar de escola? E de cidade?

– Sim. – Ele desviou o olhar. – Gostei muito daqui, mas acho que não posso abandonar essa oportunidade. Lá eu posso melhorar muito meus poemas, minha escrita, posso ter muito mais chance nessa área no futuro também.

– Não pode abandonar essa oportunidade e não deve. Vou sentir saudades de você, Lys. – Senti meus olhos marejados, e logo o abraço de Lysandre me envolveu. Sua partida seria dali a uma semana.

*

Sentia que aquele dia não poderia ficar pior. Nath bravo comigo e Lysandre indo embora da cidade. Sentei em um canto na estufa do clube de jardinagem, que estava deserto, e abracei minhas pernas. Deixei que toda a frustração do dia fosse embora conforme as lágrimas escorriam pelas minhas bochechas. Era um choro silencioso, por isso ouvi bem quando a porta da estufa se abriu. Abri os olhos, assustada e me encolhi. Sabia que não deveria estar no clube depois das 18 horas, e já tinha passado muito do horário. Segurei a respiração até que a Lua formou a sombra de alguém, denunciando que a pessoa estava próxima a mim. Antes que eu olhasse, reconheci a voz de Castiel, que perguntava preocupado:

– Você está bem, Shiemi?

– Castiel? Por que você está aqui? – Além do clube estar fechado, jardinagem nunca passou nem perto de ser alvo de interesse do roqueiro rebelde.

– Eu vi você vindo para cá, achei estranho pelo horário, mas percebi que você tinha uma expressão triste no rosto... Você está chorando?

Apesar da minha vontade de dizer que tudo estava bem, decidi, por algum motivo obscuro, desabafar com o moço que se sentara ao meu lado.

– Hoje o dia está péssimo. – Olhei para ele. – Você soube que Lysandre vai se mudar?

– Soube sim, que droga. Mas é o sonho dele, né?! Apesar de não gostar da notícia, não posso desejar que meu amigo perca essa oportunidade.

– Eu sei... – Sorri e logo voltei à minha expressão depressiva. – Hoje Nathaniel brigou comigo.

– Por quê? Achei que vocês fossem imunes a essas coisas. Sempre foram tão próximos. – Senti o tom indiferente em sua voz;

– Eu consegui perder um presente que ele me deu. Era um pingente de gato. – Minha boca se entortou em felicidade, lembrando. – Significava muito para mim aquela lembrancinha. Mas eu perdi. Não tive cuidado o suficiente. Não mereço os amigos que tenho. – Olhei para Castiel, que estava sério e cauteloso. – Ainda bem que você está aqui, Cast. Obrigada.

Pude ver a expressão do moço ao meu lado mudar rapidamente. Parecia com raiva. Em uma fração de segundos, ele se levantou, me dando a mão para que eu fizesse o mesmo. Sem entender muito bem, levantei, e quando me dei por conta estava sendo arrastada. Antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, o ouvi resmungar:

– Cansei de ser o vilão da história!