Mesmo que ele soubesse que Lucy não o encontraria dessa vez — tinha resolvido a missão, dessa forma, não tinha mais motivos para se perder — ele tinha ido à floresta.

Antes mesmo de Lucy aparecer, aquele era o canto que Yoshiaki tinha adotado para sentar e ignorar de seus compromissos.

Ele não pôde deixar de sorrir ao ouvir o barulho de folhas amassadas aumentar, chegando cada vez mais perto.

— Se perdeu de novo? — Ele disse, tirando sarro. — O trem fica na outra direção.

— Não. — Lucy disse baixinho, ignorando a piada dele e sentou-se nas folhas mortas na árvore ao lado — Eu resolvi ficar mais um pouco.

Os dois ficaram ali, lado a lado, um passo mais perto da natureza, em puro e completo silêncio. O vento úmido batia nas folhas, movimentando-as. E por um tempo, aquele era o único som até que Lucy finalmente resolveu perguntar.

— Como você fez aquilo?

Yoshiaki a olhou confuso. Do que ela estava falando?

— Aquela magia. — Ela tocou num ponto atrás da orelha. — Da memória. Quanto mais penso nisso, mais não faz sentido. Não lembro de ter lido nenhum livro que dissesse que isso é possível.

Yoshiaki levantou um dos cantos do lábio, numa piada interna.

— É porque o livro que eu li ainda não foi publicado. — “Nem ao menos foi terminado”, completou mentalmente.

— Posso ver? — Lucy perguntou, um pouco animada.

— Não. — Ele riu. — Não é algo que eu possa te mostrar.

Lucy recostou sua cabeça no tronco da árvore, olhando para um pássaro azul no galho à sua frente.

— Eu posso te ensinar. — Yoshiaki disse, puxando o interesse de Lucy.

— Você vai me ensinar a magia da memória?

— Não. — Ele disse, apressadamente. — Não essa. É muito arriscada para você. Você pode acabar bagunçando com a mente de alguém ao invés de conseguir ver as memórias dele. Não. Eu vou te ensinar uma mais básica.

— Tipo? — Lucy perguntou, curiosa. Ela parecia animada em aprender uma magia diferente.

Yoshiaki olhou concentradamente para o chão enquanto pensava. Um estalo passou em sua cabeça. Ele lembrou-se do primeiro parágrafo do livro que lera. Então, levantou-se e pediu que Lucy fizesse o mesmo. Ficaram de frente um ao outro. Ele levantou as mãos na frente de seu torso na direção de Lucy. Correntes negras saíram de seu pulso e envolveram Lucy, dando quatro voltas, prendendo seus braços rente ao seu corpo.

— Muito engraçado. — Lucy disse, começando a ficar assustada. Será que ele estava falando sério sobre ensiná-la ou era apenas uma maneira de enganá-la? Ela tentou se mexer, se libertar das correntes.

— “Primeiro de tudo,” — ele continuou como se tudo aquilo fosse parte. — “você tem que aprender a cancelar. Nenhuma dessas magias têm nome, porém, todas podem ser canceladas. Negadas. Feche os olhos e sinta a magia diferente rodear seu corpo. Então, a expulse bombardeando-a com sua própria magia”. — Sua voz parecia diferente, como se ele estivesse recitando uma parte de um livro que ele tinha decorado. — Seria quase a mesma coisa que invocar um espírito, porém no seu próprio corpo.

Lucy respirou fundo e resolveu tentar. Sua magia aumentou consideravelmente, rodeando seu corpo como se fosse vento, seu cabelo levantou-se e seu corpo brilhou um pouco. Yoshiaki assobiou, surpreso. Mas mesmo assim não foi o suficiente para quebrar a corrente. Tudo que ela conseguiu fazer foi afrouxar.

Lucy pareceu um pouco frustrada.

— Eu não te contei isso porque não achei que fosse necessário. Você precisa ter a mente livre de qualquer pensamento. Você deve concentrar-se apenas no que você quer fazer. Cancelar. — Ele colocou a mão no tronco da árvore e fechou os olhos. — Negar. — Um grande estrondo se fez na palma de sua mão, deixando um buraco no trono da árvore. — você quer fazer a mesma coisa com a minha magia. Tente de novo.

Lucy fechou os olhos procurando se concentrar na magia dele, procurando negá-la, da mesma forma como ele fez com a árvore. Suspirou fundo. Seu cabelo flutuou de novo.

Uma luz branca irradiou de seu corpo, brevemente, então, um impulso. Da mesma forma como faz um relâmpago. O impulso entortou o espaço por um segundo. As folhas debaixo de seu pé tinham desintegrado, mas, mais importante, a corrente sumira. Lucy deu um sorriso antes de cair no chão, as pernas bambas.

Então ela parou para respirar e dar uma olhada em sua volta. Havia uma marca de destruição num círculo perfeito à sua volta. Os troncos da árvore tinham um buraco tão redondo que parecia que tinha sido tirado com uma colher. Ela havia mandado Yoshiaki voando. E só então, percebera que estava num buraco no chão lamacento.

— Você não limpou sua mente. — Yoshiaki disse, chamando a atenção de Lucy. Ele oferecia uma mão para ela se levantar e sair do buraco. — Aposto que deve estar exausta. — Lucy acenou — Isso é porque você não só expulsou minha magia, mas como também erradicou a sua própria no processo.

— Limpar minha mente. — Ela deu uma risadinha. Seus olhos pareciam tão negros de repente, tão sem brilho. — Parece ser tão simples,

— É simples. — Yoshiaki disse. Ele nem precisou olhar nos olhos de Lucy para lhe perguntar: — Em quem você está pensando?

Então até ele percebeu.

Lucy não aguentou mais seu próprio peso e caiu no chão, seus joelhos trituraram as folhas secas.

— Você conhece alguma magia para se esquecer de alguém? — Ela perguntou, uma lágrima escorrendo no canto de seu olho.

Yoshiaki balançou a cabeça negativamente. Ele não sabia o que falar naquela situação. Lucy virou sua cabeça, secando suas lágrimas com as costas da mão, tentando acabar com todas as lágrimas que ela sabia que estavam por vir.

— Mas é claro que não. O que eu estou dizendo. — Ela disse, tentando fazer graça de si mesma. Lucy se forçou a ficar de pé. Virou as costas para Yoshiaki em direção à vila, querendo evitar de chorar em sua frente. — Eu acho que tá na hora de eu voltar.

Yoshiaki tentou pará-la. Ela não poderia sair daquele jeito, sem nenhuma magia, provavelmente sem forças para ficar de pé. Mas ele não precisou falar nada. No momento em que Lucy tentou dar o primeiro passo, ela caiu de joelhos novamente. Yoshiaki agachou-se para falar com ela, mas ela não o deixou. Agarrou-se nele e começou a chorar histericamente.