Passado Perdido escrita por Leonardo Alves


Capítulo 5
Desespero




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O resto daquela noite de sábado foi um verdadeiro inferno. Assim que me recuperei o bastante do choque fui interrogado pelos policiais que chegaram minutos depois de mim. Contei apenas os detalhes mais básicos para eles, achei melhor não falar sobre as páginas de diário que eu estava recebendo. Afinal, uma coisa não tinha nada a ver com a outra, tinha!? Eu preferia acreditar que não.

Ainda fiquei lá em frente a casa tempo o bastante para presenciar outra cena horrível: os pais de Erick chegando. Eles haviam saído para fazer compras naquela noite, seguindo a rotina de suas vidas normais. Quando receberam a notícia do ocorrido suas faces se contorceram em pura dor e o grito de desespero da desolada mãe se fez ouvir por toda a rua.

Era muita coisa terrível para se presenciar em tão poucas horas. Assim que fui para casa troquei minhas roupas e tomei um longo banho para tirar o cheiro de carne queimada que parecia que havia impregnado todo o meu corpo, mas ainda podia sentir aquele odor mesmo após me esfregar freneticamente com o sabonete. Em seguida deitei na cama e fiquei lá até agora. Já devia ser início da tarde de domingo e eu não havia conseguido dormir nem um pouco.

Algo muito pior do que o cheiro perturbava o meu ser: a dor de perder um amigo. O único amigo. Erick era uma ótima pessoa e nesses últimos anos de amizade fez mais coisas boas por mim do que eu poderia agradecer, embora eu nunca tenha dito isso a ele. Mas ainda havia mais uma coisa. Uma coisa que eu estava desesperadamente evitando de pensar.

Será que aquilo tudo era culpa minha?! Foi minha insistência em entrar naquele prédio que causara aquela desgraça?! O remorso me destruía por dentro. Lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto, não pela primeira vez naquele fim de semana e provavelmente não pela última. Comecei a considerar a ideia de contar à polícia minhas suspeitas. Era o mínimo que eu poderia fazer por Erick agora.

Motivado por aquele pensamento levantei da cama e me dirigi à sala em busca do telefone. Meu corpo estava dolorido e eu estava totalmente exausto, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Antes de discar o número da polícia, no entanto, percebi de relance um papel no chão da cozinha que parecia ter sido empurrado por baixo da porta. A minha vontade foi de xingar e começar a chutar e quebrar tudo o que eu encontrasse pela frente, mas estava fraco e cansado demais para isso. Derrotado, caminhei e alcancei o que eu já sabia ser outra página do diário de Thomas.



04 de fevereiro de 1998



Devo mais uma vez agradecer à minha mãe. Graças a ela e à promessa que me fez fazer eu consegui resistir e pude viver até chegar no dia de hoje. O dia em que eu finalmente encontrei alguma esperança de que posso ser feliz no futuro. Sim, você já deve estar imaginando, não é?! Eu estou apaixonado. E não é uma paixão qualquer, dessa vez eu acredito que possa ser amor de verdade. O melhor de tudo? Acho que ela também me ama. Você também já deve saber de quem estou falando, mas vou contar como tudo aconteceu. Primeiramente, nessa manhã

O barulho do telefone fez com que eu sobressaltasse, interrompendo a leitura. Corri para atendê-lo ainda com a folha em minhas mãos.

— Alô?

— Oi, Thomas!? — uma voz que me era vagamente familiar respondeu no outro lado da linha. Dava para perceber que se tratava de uma mulher idosa.

— Sim, ele mesmo. Quem é?

— É a Margarete, vizinha da sua mãe. Lembra de mim?

— Ah, claro. Lembro sim.

Uma pequena pausa foi dada antes que ela falasse novamente, como se estivesse organizando os pensamentos.

— Bem... não sei como falar isso e acho que não há nenhuma maneira certa de fazê-lo, então vou direto ao ponto.

— Sim?

— Sua mãe foi encontrada morta, agora há pouco.

— O quê?! — suor começou a escorrer pelo meu rosto e eu sentia que estava prestes a vomitar. A página em minha mão estava sendo amassada sem que eu percebesse.

— Olha, sinto muito. A polícia ainda está aqui e está investigando para descobrir o que aconteceu. Ao que parece ela foi morta na manhã ontem e ficou lá até hoje. Só descobrimos ela lá porque...

Desliguei o telefone sem mais conseguir ouvir aquelas coisas. Minha cabeça girava e minha respiração estava ofegante. Terminei de amassar o papel em uma bolinha e a joguei contra a parede da sala. Me deixei cair de joelhos e depois deitei no chão gelado da sala sem saber o que fazer. Primeiro o Erick e agora descubro que minha mãe também estava morta. E agora era quase certeza de que aquilo tinha algo a ver com o diário e com o cara de roupas negras que estava no prédio abandonado. Tudo culpa da minha idiotice.

Um calafrio percorreu meu corpo ao mesmo tempo em que as peças se encaixavam em minha mente. Eu havia recebido a página do diário contando sobre o amigo novo que Thomas fizera pouco antes de Erick ser morto; e como Margarete disse, minha mãe foi morta na manhã de ontem, mais ou menos o horário em que eu lia sobre a mãe do garoto. Agora... Olhei para a bolinha de papel amassada. Julie. Corri para o telefone, as mãos tremendo ao discar o número da minha amada.

— Atende, Julie. E por favor, não esteja gritando de desespero, por favor...

— Alô? — suspirei aliviado ao ouvir a voz calma dela.

— Julie, você precisa vir aqui agora!

— Mas Thomas...

— AGORA! — gritei descontrolado, não conseguindo conter mais uma onda de lágrimas que varria meu rosto.

— Si... sim. Estou indo.

— Não desliga, vai falando comigo, por favor.

Ela me obedeceu. Falou de bobeiras quaisquer enquanto me ouvia soluçando e chorando do outro lado da linha, preocupada mas sabendo que era melhor chegar ao meu apartamento para depois saber o que havia acontecido. Os minutos passaram enquanto eu morria de medo de que a voz dela parasse ou algo de ruim acontecesse, mas já não chorava mais quando ela finalmente bateu em minha porta.

— Viu?! Já estou aqui.

Desliguei o telefone e corri para atendê-la. A levei até o quarto e segurei nos braços dela como se tivesse medo de que ela pudesse sumir a qualquer momento. Olhei fundo nos seus olhos e comecei a me acalmar, pensando em como começaria a contar aquelas últimas tragédias. Entretanto, o sorriso de pena que surgiu de repente em seu rosto me desconcentrou.

— Meu amor, eu te amo — proferiu numa voz doce — e vou estar te esperando, está bem? Não se preocupe, tudo vai dar certo.

Ela não deixou que eu respondesse, selando a minha boca com um beijo. Demorou alguns segundos para que eu me soltasse dela, estranhando a situação. Minhas costas se arrepiaram. Um passo firme se fez ouvir atrás de mim. Virei apenas em tempo de ver um borrão preto se movimentar rapidamente. Senti uma forte pancada em minha cabeça e cai inconsciente.






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