Passado Perdido escrita por Leonardo Alves


Capítulo 3
Uma promessa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/368148/chapter/3

Fui tirado pelo som do despertador do meu celular de um estranho pesadelo onde era obrigado a ver minha mãe apanhar repetidas vezes de um homem que nunca vi na vida. Era sábado, nove horas da manhã. Suor escorria pelo meu rosto e eu ainda podia sentir uma angústia apertar meu peito por causa das cenas do sonho. Isso só reforçava o sentimento de pena que sentia pelo pequeno Thomas, que teve esse pesadelo como sua própria realidade.

Entretanto, enquanto eu levantava e começava meus afazeres matinais, esses pensamentos ruins foram desvanecendo e dando lugar a uma dose de ansiedade misturada com grandes partes de felicidade. A maioria das pessoas aguarda os finais de semana com grande expectativa, esperando por horas de descanso ou diversão depois de dias repletos de obrigações chatas. Mas eu tinha um motivo ainda mais especial para aguardá-los e o nome desse motivo era Jullie.

A garota que me fez ver que o mundo onde vivemos não é um lugar tão desprezível assim e que, com a pessoa certa, ele pode até começar a se tornar agradável. Nos conhecemos no ultimo ano da escola, alguns anos atrás. Ainda podia me lembrar claramente de como, gaguejando de nervosismo, eu disse que a amava. E de como ela, com um sorriso que eu poderia descrever como a imagem mais bela que já vi na vida, disse que sentia o mesmo por mim. Infelizmente, a universidade em que ela entrou ficava em uma cidade um pouco longe e ela precisou se mudar para lá para seguir seu sonho de ser médica. Mas ainda assim conseguíamos nos ver quase todo final de semana.

Passei as próximas horas arrumando a bagunça que havia pelo meu apartamento e dando um jeito na minha própria aparência. Já era começo de tarde e eu estava terminando de preparar o almoço quando ouço baterem na porta.

— Ah, droga, lá vem a chata me perturbar. — disse em voz alta enquanto começava a me dirigir à porta, meu rosto estampado com um sorriso de pura felicidade. Mas ao abri-la não encontrei ninguém do lado de fora. — Amor!?

Olhei para os dois lados do corredor e não vi ninguém. Frustrado, já ia fechando a porta quando notei o envelope no chão. Alguns segundos se passaram antes que eu pudesse criar coragem de levá-lo para dentro. Ao conseguir, fui para a sala e sentei no sofá para examiná-lo melhor. Não havia selo, tampouco um remetente, apenas o papel amarelado e envelhecido pelo tempo. Um pressentimento ruim percorria meu corpo dizendo para que eu não o abrisse, mas ignorei. Meu coração acelerou no momento em que decifrei o seu conteúdo: páginas do diário de Thomas.



11 de novembro de 1994

Parece que não estou dormindo e isso não é um pesadelo. Já estou esperando há horas que eu acorde, mas não acordo. Não, realmente não é um pesadelo. É apenas a realidade, se é que tem alguma diferença. Entretanto, é bem provável que essa última tarde se repita constantemente nos meus sonhos pelo resto de minha vida: Minha mãe demorando para voltar do supermercado; batidas fortes na porta; o Coisa abrindo e falando com um homem que se identificou como policial; a notícia de que havia ocorrido uma assalto onde a vítima foi baleada...

Na hora eu não senti tristeza nenhuma, apenas a certeza de que nada daquilo era real. Então eu apenas sentei no meu quarto e esperei que minha mãe chegasse ou que eu acordasse na minha cama com o despertador apitando. Nada disso aconteceu; e a cada hora que passava, mais meu coração se afundava num imenso horror.

Não sei por que estou me forçando a registrar sobre esse dia. Nem ao menos sei por que ainda estou vivendo. Você sabe que esse pensamento já passou várias vezes pela minha cabeça. Você também sabe o que aconteceu quando eu finalmente tentei dar fim à minha existência.

Era uma tarde fria e eu estava sozinho no apartamento. Decidido, me dirigi à cozinha e peguei a faca mais afiada que encontrei. Quando comecei a pressionar a lâmina contra a pele dos meus pulsos a dor foi tão horrível que foi um alívio: ela percorreu toda a minha mente indo aos lugares anteriormente ocupados apenas por tristeza e medo. Cada gota de sangue que começava a escorrer pelos meus braços até o chão era um doce lembrete de que logo tudo terminaria, logo eu não precisaria mais me preocupar com nada.

Foi então que minha mãe chegou. A expressão em seu rosto mudou rapidamente de espanto para decepção até por fim virar raiva. Seu corpo tremia enquanto ela avançava em minha direção. Quando me alcançou, arrancou a faca da minha mão e a jogou no chão, desferindo em seguida um tapa que acertou em cheio o meu rosto. Fiquei totalmente sem reação pelos próximos minutos enquanto ela fazia um curativo em meu pulso, minha bochecha queimando com a força de seu golpe.

Você não pode fazer isso, tudo bem!? — proferiu com uma voz irregular que mostrava que ela estava se controlando para não chorar. — Você nunca mais vai fazer isso. Você vai crescer... conseguir um bom emprego... vai encontrar o amor da sua vida e dar toda a felicidade do mundo para ela, pois isso será o bastante para que você também seja feliz. Está me entendendo, Thomas!? Promete que vai tentar fazer o que estou dizendo?

Mãe...

THOMAS, você promete que vai realmente tentar fazer o que estou dizendo? — gritou, dessa vez não conseguindo segurar as lágrimas que começavam a descer aos montes.

Si.. sim. Eu prometo.

Eu sei que já te contei sobre esse dia, mas penso que talvez me ajude a manter minha promessa escrevê-lo de novo. Vou precisar de toda a ajuda possível.

Ao terminar as últimas palavras daquelas páginas um grande mal estar começou a tomar conta de mim, nublando toda a felicidade que eu estava sentindo há poucos minutos. Era algo que ia muito além de pesar pelo que eu havia lido: minha sala parecia tremer levemente; minha visão começou a se turvar; e o mais estranho, um apitar que ia cada vez ficando mais frequente se fez ouvir dando a impressão de que vinha de todas as direções.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!