Desci da moto e entrei em casa, depois de ensaiar feito louca "Romeu e Julieta", a primeira peça do curso de artes dramáticas. Larguei a mochila ao lado da porta, como sempre, e tirei o casaco, o pendurando no armário perto da porta.

Andei em direção as escadas para subir para o meu quarto, mas uma coisa me chamou a atenção, meu pai sentado no sofá. Ele nunca ta em casa essa hora, algo está errado.

–Pai? O que você ta fazendo aqui essa hora? - perguntei sorrindo e indo na direção dele para um abraço.

–O que significa isso Cléo? - ele disse com a cópia da matrícula do curso na mão. Engoli a seco.

–Significa que eu quero ser atriz - eu disse.

–Quer dizer que todo esse tempo eu depositava dinheiro para uma faculdade de medicina e você retirava para uma faculdade de artes dramáticas? - ele perguntou se exaltando, fiquei parada o encarando.

–James... - Minha mãe disse atrás dele, tentando o acalmar. Meu pai a ignorou.

–Pai, eu posso explicar - eu disse.

–NÃO ME CHAME MAIS DE PAI, PORQUE EU NÃO SOU PAI DE PROSTITUTA! - Ele gritou.

–EU NÃO SOU PROSTITUTA! - gritei de volta, já sendo impossível segurar as lágrimas.

–É sim, é isso que ser atriz significa! Significa mostrar a bunda na TV, pra um monte de marmanjo. O que eu vou dizer no trabalho? Que minha filha é atriz ao invés de médica? - Ele continuava berrando.

–Ah, então é por isso? É pelo que os OUTROS pensam não é? Porque é isso que essa família significa. Podemos não passar de um monte de merda. Mas pros outros a gente é um monte de merda com chantilly, não é? - eu disse o encarando.

–Você morreu pra mim Cléo, pegue as suas coisas e suma da minha casa! - ele gritou.

–Ta me expulsando? - perguntei.

–Sim, eu estou.

–Ótimo, não quero fazer parte de um monte de merda. Só digo uma coisa: toda a minha vida, vocês disseram que eu sou a ovelha negra. Mas eu não sou. Porque todos nós, nós três, somos farinha do mesmo saco. Todos nós vamos pro inferno. A única ovelha negra aqui é o Lucas. Porque se tem alguém que merece ir para o paraíso, ou sei lá que merda a igreja diz pra vocês, esse alguém é o Lucas, só ele. Vocês, meus caros, vocês vão pra mesma merda que eu.

Acertei uma machadada no pescoço de um zumbi, fazendo o corpo cair para um lado e a cabeça, ainda "viva", para o outro.

–Uau, essa foi demais - Meu irmão disse colocando a mão em meu ombro.

–Eu sei - Pisei na cabeça do zumbi, sujando meus coturnos de sangue e esfacelando o que ainda sobrava da cabeça do que antes era um homem gordo e careca - Precisamos encontrar um lugar relativamente seguro pra poder terminar as aulas de tiro com vocês.

–Pois é, eu tava pensando, acho que devemos continuar indo pro norte. De qualquer maneira vamos acabar no litoral indo por lá. E lá é mais frio, então, segundo os gibis que você lê do The Walking Dead, essas coisas congelam no inverno, o que nos dá uma margem grandinha de sossego.

–Eu não sei - eu disse a ele - pode ser que a gente se ferre, sei lá.

–Cléo, a gente já ta ferrado de qualquer jeito.

–Isso é, mas é melhor a gente votar - eu disse - assim não corre o risco de ter gente odiando a gente. Além do mais, não somos só nós 3 agora, e temos uma adolescente, e adolescentes precisam de um lugar pra se estabilizar. E eu sei disso melhor do que ninguém

[...]

–Ta, então vocês acham que vão ta menos fodidos no norte? - Cachichos perguntou olhando o mapa.

–Sim, tipo, vocês saíram de lá no meio do caos, quando as cidades ainda estavam sendo evacuadas, então, eu acredito que se a gente for pra lá agora, o negócio vai estar menos pior - Lucas disse.

–Eu não sei, pode ser que eles estejam certos - Logan disse. Cachinhos o encarou - É sério James. Pensa: as cidades foram todas evacuadas, são cidades pequenas. Além disso vão ter essas coisas em qualquer lugar que a gente for, então, não custa tentar.

–Não sei, e se a gente fosse pro sul? - cachinhos perguntou. Olhei para Lucas.

–A gente nunca foi pro sul, não sabemos como é por lá - ele disse.

–Então podíamos ir pra lá - Ísis disse. Liz ouvia músicas no mp3.

–Mas e se for pior que aqui? E se os zumbis estiverem todos lá? - Lucas perguntou.

–Então a gente atira neles - eu disse os surpreendendo - Eu voto no sul - Logan concordou, Ísis também, cachinhos também.

–Certo, vamos pro sul, arrumem as coisas de vocês - Lucas disse esfregando as mãos na camisa xadrez.

Todo mundo foi arrumar as suas coisas, coloquei minha mochila grande de roupas dentro do motor home e carreguei uma mochila pequena comigo, pra se caso desse merda e a minha bésta.

–Todo mundo pronto? - Lucas perguntou - Ninguém esqueceu de nada? - assentimos, saí do motor home.

–Onde você vai? - Cachinhos perguntou.

–Vou de moto - eu disse como se fosse óbvio.

–Você é maluca? - Liz perguntou.

–Doida de pedra - respondi.

Lucas foi dirigindo o Motor home e eu fui na frente de moto. Parei, uns 80 km depois, na esquina quando vi um mercado gigante. Lucas parou do meu lado.

–O que você acha? - Logan perguntou colocando a cabeça pra fora.

–Acho que a gente devia ir olhar, mas vamos deixar tudo aqui. Liz e Ísis podem ficar olhando nossas coisas, e a gente pode entrar.

–Não, nem fodendo eu vou ficar sem participar das coisas - Ísis disse descendo do motor home.

–Ísis, você não sabe atirar.

–E daí? O Lucas também não!

–Hey! Eu to melhor que você! - Lucas disse descendo também, vi cachinhos bufar.

–Foda-se quem sabe atirar ou não, a Liz não pode ficar sozinha - Cachinhos disse.

–Posso sim, já sou bem grandinha - ela disse estufando o peito.

–Ser grandinha não adianta com canibais andando nas ruas - Logan disse.

–Eu tenho 15 anos eu sei me virar - ela disse.

–É, e ela vai buzinar se algo acontecer, não é Liz? - eu disse tirando o capacete, ela assentiu.

–Complô agora é? - Logan disse, continuamos o encarando - Ta, mas se algo acontecer com você - ele apontou pra Liz - você estará morta - ele apontou pra mim. Dei de ombros.

–Pra mim tudo bem, peguem uma arma cada um, uma de fogo e uma branca - eu disse eles entraram no motor home - Que comecem as compras - eu disse aspirando o cheiro de pinheiro no ar.

Bati a porta do meu quarto e escorreguei até o chão. Arranquei o colar que meu pai me deu de aniversário do meu pescoço, o atirando no chão e o pisoteando. Não quero mais nada que seja daquele imbecil, nada. Agora a única coisa que nós temos em comum (além do fato de irmos todos para o inferno) é o DNA. Foda-se o que ele pensa de mim, nunca vou deixar de ser quem eu sou por ninguém, nem pelo meu pai.

Enxuguei minhas lágrimas, peguei a mala em cima do armário e joguei minhas roupas lá dentro, não me importando se elas fossem amassar ou qualquer coisa, a única coisa que me importava era que elas estivessem todas na minha mala, ou pelo menos o necessário, podia pedir pra Lucas pegar o resto outra hora.

Porra, pra onde eu vou agora? Eu não tenho amigos. Meus parentes me odeiam, lembro de ter mandado todos eles tomarem no cu pelo menos uma vez na vida. A não ser pelos recém nascidos, mas eles não tem casa, e já mandei os pais deles tomarem lá. Então a única opção restante é a Ísis, espero que ela goste de mim o bastante pra me abrigar no flat dela.

Peguei o telefone e disquei o número da Is.

–Alô, Cléo? - ela perguntou confusa. Odeio falar no telefone, tem que ser algo muito urgente para eu recorrer a um.

–É, ta em casa?

–Sim, mas o que aconteceu?

–Preciso de ajuda, dessa vez eu me fodi de verdade, te conto quando chegar aí - eu disse e desliguei.