Leo estava tão ocupado pensando em Piper, e nos incríveis acontecimentos anteriores, que teria ignorado o sujeito de camisa de leopardo na boa...

Até ele dizer que era o deus do vinho.

A cara de Leo devia ter sido tão surpresa (e idiota), que Nyssa deu risos do lado dele. Risos. Nyssa. E não é sacanagem.

- Surpreso, Valdez? - ela perguntou.

- Só um pouquinho... Alguém esqueceu de me avisar que o diretor do Acampamento é o deus do vinho.

- Do vinho, da loucura, do teatro e da fartura. É, é ele sim.

Leo soltou um assobio.

Quíron bateu os cascos (Leo nem havia percebido que ele virou cavalo de novo...) em uma pedra, provocando um alto barulho e uma ordem de silêncio no pavilhão. Leo e Nyssa não eram os únicos que conversavam...

- Atenção, pestes! - disse Dionísio - a situação é séria...

Todos ficaram quietos. Leo presumiu que desobedecer o deus da loucura não deve ser uma ideia muito boa...

O rosto de Dionísio dava a entender que o assunto era sério, mas não tanto. O cara estava completamente entediado. Como se preferisse estar em qualquer botequim, menos naquele Acampamento.

- Diga seu aviso, Sr. D - Quíron diz.

O "Sr. D" lança um último olhar desconfiado pela multidão de semideuses e começa seu discurso tedioso (para Leo e para ele mesmo).

- Bom, presumo que vocês, criaturas viris, não são tão ignorantes a ponto de não notar que os deuses tem estado "fora de circulação" das suas inúteis preces...

Alguns filhos de Atena ficaram completamente insultados com o "ignorantes". E os filhos de Apolo, cujo sacerdócio na Grécia Antiga era o mais comum (sim, Leo sabia disso!) ficaram meio mal com o "inúteis preces"... Ainda mais os filhos de Hécate, que passaram o verão inteiro rezando para que sua mãe desse algum sinal... E usaram TODO o tipo de feitiço para isso. Todo mesmo.

- ... Mas acontece - Dionísio continua - que, além de termo nosso orgulho ferido (e eu não vou repetir essa frase), há uma questão mas... Complexa.

- Vai dizer isso mesmo, Sr. D ? - pergunta Quíron, interrompendo - pode confundi-los!

- Quíron, embora eu odeie cada uma dessas crianças (vocês não, filhos)... eu tenho que avisá-los.

Quíron, enfim, concordou. Leo também ficou surpreso com um deus avisando aquilo para todos os semideuses. Geralmente eles tinham que descobrir sozinhos e dividir com o grupo...

- Vocês gregos, tem tido contato romano - Dionísio olha para Jason por um instante - e os romanos tem tido contato grego...

- Com o Jackson? - pergunta alguém do Chalé de Ares.

- Sim, com o Johnson... Esse contato, essa... mistura de culturas que nós, deuses, controlamos... acaba nos confundindo.

- Confundindo? - ele escuta algum semideus da mesa 4 perguntar.

- É. Me escutem! Nós desenvolvemos personalidades diferentes quando passamos por cada cultura: seja grega, romana ou nórdica ...

- Nórdica? - essa pergunta veio do Chalé de Ísis.

- DEIXEM EU TERMINAR! Tem, tem semideuses nórdicos. E ninguém vai ter contato com eles... Porque quando duas culturas entram em contato isso significa duas personalidades divinas entrando em contato... Gerando uma bipolaridade e sérios problemas de dor de cabeça em nós, deuses.

- Dupla personalidade divina... - diz um dos filhos do próprio Dionísio - você não pode resolver, pai?

- Sinto muito, Pólux. Mas até eu tenho tido dores de cabeça constantes... Atena, então, quero nem comentar!

- O que tem nossa mãe? - pergunta um semideus da Mesa 6.

- Démeter está bem?

- E Nêmesis?

- Afrodite!

- Tique!

Dionísio solta um longo suspiro. Leo vê Quíron lançar-lhe um olhar de "eu te avisei", que Piper sempre lhe mandava. Pensar nela fez Leo perder o foco de novo. Quando acordou do suposto "transe", Dionísio havia sumido, deixando uma fumaça roxa e cheiro de suco de uvas.

Quíron teve que bater o casco na pedra umas cinco vezes para os semideus calarem a boca de vez...

- O Sr. D achou que seria melhor que vocês se informassem. Mas isso não vai nos desligar de nossas tarefas diárias ou treinamento... Portanto, estão liberados para tais até a hora do almoço.

Quíron sai a galope em direção à Casa Grande. Leo se vira para Nyssa e Harley. Os dois irmãos disseram que ajudariam com o Argo II naquele dia e ele estava precisando de uma forcinha no painel.

- Prontos?

Nyssa assente ansiosa. Ela gostava mais de construir o Argo II do que admitia. Harley, o jovem garoto de 13 anos, afro-americano, recoloca seu boné jamaicano que estava em cima da mesa e abre um enorme sorriso.

- Prontíssimo! - responde.

- Ótimo.

Os três se levantam. Nyssa tira um pacote de pano preto do bolso e ergue para Leo, com a sobrancelha arqueada.

- Aqui, senhor esquecido - ela diz - peguei com Lou Ellen.

Leo sorri.

- Foi mal de novo, Nyssa.

Os três seguiram para a Floresta. Harley equilibrava a chave inglesa no nariz enquanto Nyssa e Leo caminhavam devagar, logo atrás dele.

Então Nyssa toca num assunto delicado...

- Então, Valdez. O que rolou com a Mclean?

- A Piper? - Leo sente o rosto esquentar. Deveria estar mais vermelho do que a pintura do Chalé dos Semideuses Psicopatas e Assassinos Em Geral (Chalé 5) - Nada, oras.

Nyssa solta uma risada.

- Eu não nasci ontem!

Leo revira os olhos. Não queria falar daquelas coisas com a irmã completamente sem humor e mais dura que ferro....

- Não é nada demais, Nyssa...

Eles haviam chegado no Bunker (graças aos deuses), então Leo mudou o assunto e começou a por a mão na massa. Nyssa o ajudou com o Painel, movido a um controle de Nintendo Wii, enquanto Harley finalizava o casco.

Pelo o que Leo calculou no relógio, se passaram seis horas quando Harley avisou que havia terminado. O garoto era rápido como os irmãos... Nyssa e Leo deixaram o Painel temporariamente para avaliar o trabalho bem feito.

- Muito bom, Harley - Nyssa o elogiou.

- Valeu... Posso ir ao Pavilhão comer?

- Vai lá - diz Leo - mas não esquece de voltar depois. Temos um longo trabalho com o Convés.

Harley faz um gesto de soldado, pondo os dois dedos médios na testa e elevando-os, e depois grita um "sim senhor" antes de sair correndo.

- Esse moleque é demais... - Leo comenta consigo mesmo.

Ele prossegue com o Painel, deslizando os dedos pelos fios e cabos com a habilidade que sempre teve. Acredite ou não, os dois terminaram de construí-lo duas horas depois.

Nyssa enxuga o suor.

- Acho que vou comer alguma coisa. Espero que Quíron entenda nossa ausência no almoço...

- O velho homem-cavalo é legal... Vai entender.

Nyssa não sorri dessa vez. Ela se vira e sai apressada, deixando Leo sozinho com suas ferramenta e seus pensamentos. O que não era boa coisa... Estar sozinho era a deixa para sonhos estranhos.

E o mais estranho deles havia começado.