I – Nicole

– Nick, vem olhar este aqui! – Bia falou entusiasmada experimentando seu terceiro look.

– Espera tô indo! - É incrível como ela grita dentro do vestiário da loja como se fosse uma coisa comum e eu respondo-a em mesmo tom.

Entrei na área dos provadores e a vejo vestindo uma saia azul, blusa preta básica e um pequeno colete de um tom de azul mais claro que a saia. Eram peças bem simples, mas em conjunto tornavam-se elegantes. Mirei o valor da saia e me espantei com o que vi. 217,99 dólares em um pedaço pequeno de tecido.

– Bia, acho que esse não dá, já viu o preço? Não temos como pagar!

– Você ficou bem assim – disse um dos vendedores da loja aparecendo do nada.

– Você acha? Bom... São realmente peças lindas, mas...

– Não temos o dinheiro pra pagar – finalizei com uma risadinha, já sabia qual era o truque, sempre acontecia isso, de uma forma ou de outra.

– Mas você tem que levar! Sério, parece feito pra você – o vendedor falou com uma cara boba.

– Nós já vamos saindo, não podemos levar mesmo – falei sem querer ser grossa. Mas sempre acontecia isso, ainda não consigo compreender o motivo.

– Cortesia da loja. Pode levar o conjunto completo – falou ele sendo insistente.

Beatriz olhou pra mim com aquele olhar que sempre fazia nessas situações, como se fosse me convencer, conseguia praticamente ver os cifrões piscando em seus olhos, outra recaída de sua ganância. Claro que quero levar, mas é errado, não podemos aceitar.

– Bem, acho que não gostei tanto assim... – Bia não conseguiu terminar o seu joguinho, o vendedor saiu correndo e volteu dentro de segundo com várias roupas caras em seus braços.

– São as mais caras e cobiçadas da loja – indicou as peças em seus braços com um aceno de cabeça – acho que você gostaria de experimentá-las – deixou as roupas em um banco próximo e saiu suspirando pesado.

– Obrigada! – dissemos em uníssono pouco antes dele desaparecer de nossas vistas.

As sacolas estavam realmente pesadas, levamos muitas roupas.

Quando saímos da loja reparei em um garoto da nossa classe, acho que se chama Jonas ou algo do tipo. Ele sempre está onde nós duas estamos, parece até obcecado. Ele esta olhando em direção a loja, acho que ainda não nos viu sair.

– Olha lá – falei em um sussurro e apontei discretamente o garoto.

Bia olhou diretamente pra onde o garoto estava e encarou um pouco, depois voltou a olhar pra mim com cara de dúvida.

– Discreta você, hein?! – falei um pouco mais baixo que ela.

– Hã? – ela praticamente gritou e algumas pessoas que estavam passando deram umas risadinhas – Ah... Entendi! – sua expressão confusa desapareceu.

– Vamos logo, não deve ser nada de mais, temos de voltar pro colégio e guardar essas compras, não aguento mais segurá-las.

Quando passamos por onde o menino estava ele se levantou e falou indo em nossa direção:

– Posso ir com vocês? Quer dizer... Vocês tão indo pra escola, né? – falava muito timidamente.

– Claro né seu bobo, aliás, você é o... – Bia deu um leve puxão nele.

– Jonathan!

– Hm... Prazer! – dissemos as duas.

Fizemos todo o nosso percurso calados, apenas cantarolava um pouco pra descontrair, mas a situação já estava um tédio.

– Ah, mas que chato! – Bia me olhou com um sinal de concordância e o garoto pareceu não entender bem o meu comentário.

Atravessamos a rua e já nos encontrávamos próximos ao colégio, era a apenas duas quadras do shopping. Entramos e Judite já vinha andando com suas três amigas, umas cobras todas elas.

– Olha só quem chegou, guardar e espalhar – falou Judite, parecia um espantalho de tão magra e feia que era.

Tenho muita raiva dessa piada sem graça, isso tudo porque nossos sobrenomes são Store (guardar) e Spread (espalhar).

– Quem é esse aí? É seu novo guarda-costas? – falou e ela e as amigas pareceram ter um ataque de riso.

Ao escutar Jonathan saiu correndo, acho que estava chorando com medo, mas essa vacas já não nos intimidavam mais, as provocações já viraram rotina.

– O que tem nessas sacolas? Foram outra vez no brechó?! – arrancou as sacolas que estavam em minha mão.

– Não é seu, devolva – Bia indagou com raiva, mas se segurando. Nós sabíamos que se algo acontecesse ali sobraria para nós à culpa de tudo, elas sempre fogem como vítimas.

Ela começou a vasculhar nossas compras, suas amigas barangas olhando sobre o ombro dela. Ficaram de boca aberta quando viram que se tratava de roupas de marca.

– Vocês assaltaram uma loja? Só pode ter sido isso! – falou com muita raiva.

– Não teriam dinheiro suficiente nem para uma meia dessas – uma das amigas dela, Josiane, tirou uma meia enquanto falava. Era outra insuportável, se posava de gostosona, mas era a maior burra.

– Vamos denunciá-las para a diretora, ela vai adorar saber de mais uma de vocês! – Rebecca falou nos encarando, uma verdadeira Maria-macho.

– Me dá isso aqui! – tomei as sacolas de suas mãos – nós não roubamos nada!

– E, se vocês não sabem não critiquem. Isso é inveja por se vestirem tão mau! – Bia me ajudou na confusão.

Saímos de perto delas com as nossas compras em mão. Não queríamos nos encrencar. Ouvi a Judite dizendo quase em um sussurro: - Vocês vão pagar, ah se vão!

– Cara, não acredito, já é noite! – Bia olhou pelas janelas do nosso dormitório ao sair do banheiro – Passamos metade do dia no shopping, agora não tenho tempo de terminar meu livro!

– Bia, deixa de dar chilique, vou tomar o meu banho.

Tomei um banho longo e relaxante, nada melhor que aquilo pra tirar o estresse do corpo.

Sai do banheiro e vi Bia já dormindo, eram apenas 19h. Decidi ir comprar alguma coisa pra comer, estava morta de fome.

Desci as escadas e comprei um lanche no refeitório. Comi em uma das mesas mais afastadas do local. Terminei o lanche e subi para dormir também, estava com um pouco de sono, e afinal, amanhã teria aula.

Acordei no outro dia com alguns raios de sol em meu rosto, o despertador ainda não tocara. Bia ainda dormia como pedra. Tomei meu banho, me arrumei com algumas das roupas novas: um short preto até o meio das coxas e uma blusa laranja de mangas até o cotovelo, calçando um all star enfeitado com várias caveirinhas.

O despertador tocou e Bia levantou-se.

– Bom dia – falou se espreguiçando.

– Bom dia – respondi – Enquanto se arruma vou ler um pouco, quando terminar me avisa.

– Ok – disse ainda sonolenta.

Sentei-me em uma cadeira ao lado da janela e comecei a ler o romance que comprei ontem. Não tem sensação melhor que estar recebendo controlados fios de luz solar enquanto leio. Adoro o quentinho que fica o corpo quando se está exposta ao sol.

Bia terminou de se arrumar depois de quase uma hora e saímos. Como sempre estávamos atrasadas. Entramos e o professor olhou pedindo uma explicação por ter chegado essa hora.

– O despertado não tocou – falei de imediato.

– É incrível como nunca toca – disse Mariana, com um tom de deboche. Era outra do grupinho de Judite, baixinha da testa grande, era até menor que Bia. – Acho muito interessante o fato de vocês não comprarem um despertador bom e terem dinheiro para comprar roupas de marca.

– Certo, isso não é interessante para nossa aula, sentem-se – falou o professor de biologia.

Só tinha dois lugares na sala e era perto do Jonathan, sentamos lá mesmo.

– Oi – Bia disse baixinho e o garoto corou. Tentamos prestar atenção na aula, mas era muito difícil, eu estava desenhando na cadeira e Bia estava lendo um livro.

Passou três aulas e eu já tinha desenhado a cadeira toda, então tocou para o intervalo. Olhei para Bia e saímos da sala para comprar o lanche. Uma coisa nos chamou atenção: Mariana e Rebecca estavam entrando no laboratório desativado. Seguimos elas e... Meu Deus, o que estava acontecendo com elas?

–O que é isso? – Bia falou assustada.