Uma sirene cortou o silencio, chacoalhando as paredes do apartamento e acordando-nos com um sobressalto. Parecia que eu havia dormido por séculos, de tão pesada que eu me sentia.

Até aquele momento, eu não tinha reparado que havia pegado no sono sobre o peito de Aiden, no sofá da sala. Ele não pareceu se importar, e levantou-se rapidamente para checar a rua pela janela.

– O que diabos foi isso?!

Dei de ombros, confusa e ainda sonolenta demais para pensar claramente. Esfreguei os olhos, respirando fundo.

Foi então que eu vi a carta.

Repousando no chão, perto do vão da porta, havia um simples envelope branco sem nada escrito. Logo uma sensação familiar tomou conta de mim, uma mistura de adrenalina contida prestes a explodir nas veias. Levantei do sofá e caminhei cuidadosamente até a porta, sentindo o carpete áspero raspando em meus pés.

– Odeio essa rua por isso – Aiden disse, sem ainda notar que eu havia ficado quieta de repente. – O barulho é infernal!

Eu puxei a aba do envelope, e quando reconheci o papel da carta, e mais do que tudo o símbolo escarlate do dragão no topo, minhas inquietações se confirmaram. “Papai,” pensei, com o coração acelerando. As linhas escritas eram escassas, ocupando nada mais do que um curto parágrafo datilografado, sendo feitos especialmente para serem queimadas com a máxima eficiência.

“Duas viaturas policiais estarão rondando a quadra por alguns minutos, tentando dar tempo a vocês. Desculpem-me se meu agente tenha os acordado escandalosamente, espero que tenham tido algumas horas de descanso.

Dessa vez, a missão é para os dois. Boa sorte.

                    Com amor, J. M.”

Senti o vulto de Aiden aproximando-se pelas minhas costas, e virei-me para dá-lo a carta enquanto vasculhava o envelope pelos fones de ouvido. Como esperado, haviam dois.

– Então isso é sério......

– Sempre foi.

Olhei para ele, confirmando com o olhar. Ele se afastou, indo em direção ao quarto. Voltou com as minhas calças na mão, e duas jaquetas de couro. Colocamos os fones e, ao mesmo tempo, apertamos o botão que iniciava a transmissão.

“Vocês tem doze segundos de vantagem.

Com um isqueiro em mão, queime a carta aproximando-a do sensor de fumaça no teto. O alarme de incêndio irá soar, e jatos d’água começarão a jorrar, de forma a apagar quaisquer vestígios seus. Saiam pela porta pela esquerda do corredor.

Peguem as escadas de emergência, descendo rapidamente por todos os quatro andares até a garagem térrea. Aiden, empurre a grade para cima o suficiente para os dois passarem. Imediatamente vocês se verão em uma estreita rua, com diversas lojas de pequeno porte e vendedores de rua. Diminuam a velocidade da caminhada, agindo de forma a misturar-se com os pedestres, porém fiquem atentos a policiais.

À cinco metros à sua esquerda, aproximem-se discretamente de uma loja de camelô com uma tenda com óculos escuros falsificados e dê um jeito de pegar dois, colocando-os em seguida. Isso vai aumentar a chance de não serem reconhecidos pelas câmeras da Lexington Avenue.

A sirene do caminhão de bombeiros já pode ser ouvida, se aproximando pela rua de trás em direção ao complexo residencial de Aiden. No entanto, quatro outras viaturas foram mandadas para o mesmo lugar. Elas vão cruzar a 3º Avenida em vinte segundos, e atravessarão a 46 em oito.

As viaturas estarão procurando por vocês.

Quero que virem na Lexington Avenue pela direita da 47. Vocês tem treze segundos até todos os veículos na avenida encostarem devido as sirenes das viaturas. Não dará tempo de esperar o sinal fechar, vocês tem que cruzar a avenida em direção a 45. Comecem a correr.

Vocês verão duas escadarias que descem para a Park Avenue no cruzamento com a 45. Desçam-nas e aguardem até ouvirem as sirenes morrerem na rua acima e o ruído do transito voltar ao normal. Eles estarão indo em direção ao Terminal Central de trens. Tomem a Park Avenue e sigam-na.

Chegando na 38, virem a direita. “Pleasure Manhattan” é o nome do local, e uma placa de neon vermelha indica a entrada do lugar. Entrem pela esquina do edifício, e vocês verão uma entrada de serviço na parede de tijolos. Chequem se ninguém os seguiu até aí. O clube não abrirá até as seis, e enquanto isso tenho missões separadas para os dois. Antes de separarem-se, contudo, quero que prestem muita atenção no sistema de emergência do prédio. As escadas exteriores serão de extrema importância em breve.

Aiden, você tem quinze segundos para sair do beco.”

Pela primeira vez desde que saímos do apartamento, olhamos um para o outro. Nossas peitos subiam e desciam com a respiração irregular.

Ele havia segurado a minha mão durante todo o trajeto, e havia chegado a hora de soltá-la. Prendi meus óculos na cabeça, e disse:

– Boa sorte.

Ele deu um passo para frente, e meu coração falhou. Percebendo o que estava prestes a fazer, ele recuou. Sua face expressava intensa seriedade, mas eu pude captar um certo temor. 

– Tente não se machucar.

– Tente não ser baleado.

Ele abriu um meio sorriso, e saiu do beco em direção ao sol.

Dentro do meu ouvido, a voz de meu pai se reiniciou.

“Claire, agora escute com atenção....”

“Claire, agora escute com atenção....”