POV Beck.

Estacionei onde Jade tinha mandado. Não dava para ver o lugar direito e ela disse que eu veria quando entrássemos. Saímos do carro e eu peguei em sua mão enquanto andávamos para dentro.

O portão era de ferro e ela o abriu com um pontapé. Depois se virou sorrindo para mim e me disse para entrar. Entrei e ela veio logo atrás de mim.

Eu acho que este tinha sido o maior ferro-velho que eu tinha visto na vida. Num canto havia vários carros antigos ou desmontados, e do outro lado tinha um campo enorme com uma daquelas máquinas antigas de amassar os carros. Só que infelizmente estava parada, e eu queria tanto ver uma destruição assim por perto.

- Gostou? Não é magnífico? – Sorri ao ouvir isto dela. Apenas Jade poderia gostar de um lugar assim... Eu juro que já ia escolhendo um parque de diversão da primavera para levá-la.

- É impressionante.

Jade se apoiou em mim e eu passei um braço pela cintura dela quando nós começamos a andar pelo chão de poeira.

- É do chefe do meu pai. Mas de vez em quando eu venho aqui relaxar, escrever algo ou treinar para alguma peça. É bem divertido, pois têm todas essas coisas velhas e enferrujadas, e o melhor de tudo é que eu achei a versão 3.000 de 1989 da minha tesoura favorita! – Ela anunciou orgulhosa de si mesma, eu ri. – Como que puderam jogar uma tesoura linda daquelas num ferro-velho? Eu apenas pirei de alegria e raiva quando eu achei... E já que ela estava meio torta e enferrujada, mandei concertar e agora está novinha e na minha coleção.

- Fico feliz por você. – Fui sincero. – Mas não acha que já tem tesouras de mais na sua coleção?

Ela me bateu no ombro. – Minha coleção é ilimitada. Ela deverá ter quantos números de tesouras que eu quiser.

- Você tem quantas agora?

Ela demorou responder. – Acho que 70.

Olhei para Jade a forçando dizer a verdade. Primeiramente quando fosse anunciar o número de sua valiosa coleção; duvido que iria dizer a palavra ‘ acho’. Ela tem a certeza dos números, pois Jade deve ser daquelas que sentam em cima da cama com todas suas tesouras e começa a contá-las, nomeá-las e falar com elas. Sorri com este pensamento.

- Falei a verdade.

- Não mesmo. Você coleciona tesouras desde os 12 anos. E toda semana adquiri uma nova, conforme a Tori diz. Eu acho que você tem mais.

Ela murmurou um palavrão. – Promete não rir?

Assenti. – Prometo.

- Eu tenho 469 tesouras na minha coleção.

- Oh. Meu. Deus.

Ela olhou para o chão. – Não é para rir.

- Eu estou tentando não rir! – Prendi a risada e olhei para ela. – Isto é inacreditável, Jade. Eu pensei que eram muitas, mas não tanto! – Era quase que doente. Ela me olhou com raiva e eu decidi parar.

- É o que eu gosto de fazer.

- Tudo bem, eu entendo. Onde é que você as guarda?

- Cada uma tem um lugar especial. – Ela me contou orgulhosamente. – As do tipo aranha ficam embaixo da minha cama dentro de uma caixa preta. A Tenebrosa, que é toda preta inclusive as pontas de aço, fica no meu criado mudo junto com a Cortante, que é uma roxa com detalhes de ouro... Foi uns dois mil reais.

- Você pagou dois mil numa tesoura?

- Sim. – Ela sorriu. – Edição deluxe e exclusiva. Mas isto não é loucura alguma, no Natal passado a Cat me comprou a versão original do filme A Tesoura para mim. E deve ter sido uns 5 mil.

- Caramba.

- É, caramba. Ela é linda, e como as minhas mais valiosas... Ficam guardadas num cofre preto as sete chaves dentro do meu closet.

- Então você tem tesouras em todo o lugar da sua casa?

- Do meu quarto. Se não eu as perco.

- Já perdeu alguma? – Eu perguntei quando ela abriu a porta de um carro de 99 e sentou no banco de motorista, sorrindo para mim.

- Felizmente não. Perder uma tesoura é como morrer.

- Uh, entendo. – Respondi meio pasmo. Então ela levava essa coisa de tesouras tão a sério como a própria vida. Mas isto é algo comum em gente artística... Eu amo atuação que faria de tudo por isto. De tudo.

- Mas e então, você tem uma coleção própria?

Pensei. Eu tinha? Acho que não. – Não, eu não tenho atualmente. Mas eu me lembro de que quando era pequeno eu tinha uma paixão louca por trailers e RV’s. – Sorri, enquanto me lembrava disto. Jade foi para um lado do banco e me deu espaço para sentar. Começamos a dividir o mesmo banco de motorista de um carro velho, já que não tinha qualquer outro banco dentro do carro. Mas era divertido. – Acho que eu tinha uns 7 anos quando vi o vizinho dando para o filho mais velho um trailer enorme e completamente reformado... Então comecei a procurar as ofertas no jornal e recortar as figuras de cada um... E escrevia o nome atrás, depois colocava em uma caixa totalmente personalizada por mim com a cobertura de cola seca que vazou do papel de cima. – Jade riu.

- A decoração de uma criança de sete anos.

- É. – eu ri também. – Um menino totalmente desprovido de caprichos.

- Mas e aí? O que aconteceu depois disto?

- Eu fiquei nesta até me mudar de casa e perder a caixa. Mas eu realmente gostava daquela coleção, acho que foi a única que eu tive.

- E você ainda gosta de RV’s?

- Sim. Algumas coisas nunca mudam.

Ela sorriu. – Vem! – E saiu do carro me puxando junto com ela. Jade começou a correr e eu fui atrás até chegarmos a outro lado do ferro-velho. E eu me surpreendi com o que tinha lá.

Eram fileiras e mais fileiras contendo todos os tamanhos e mais tipos variados de qualquer RV e trailer que eu já tinha visto na vida. E alguns que nunca tinha visto. Jade me disse que vários deles iriam virar sucata e outros ficariam para serem vendidos.

- Eles são incríveis.

- É eu sei. O melhor é que alguns estão abertos e tem várias coisas dentro. Um dia eu entrei em um e o saqueei.

- Você saqueou um trailer abandonado?

Ela riu. – É, tinha revistas antigas nos armários e roupas dos anos 80 jogadas no chão. Eu fiz uma festa. Vem, vamos entrar em algum.

E ela voltou a me puxar. Passamos por diversas fileiras e tentamos abrir diversas portas para verificar se alguma estava sem tranco. Jade achou e a abriu, me fazendo entrar também.

Era um RV bem bonito. Até surpreendente. Tinha um carpete laranja e uma cama num dos cantos. Na frente tinha uma estante que eu imaginei que era para colocar TV e um sofá também laranja. Havia pôsteres antigos e quadros nas paredes retratando o hockey. Também tinha um espaço para a cozinha, com balcão, lugar para geladeira e um fogão antigo. Incrível.

- Ele é inacreditável.

- É mesmo. – Ela respondeu e parecia tão contente quanto eu. Começamos a ver os outros lugares do RV e eu acabei me apaixonando cada vez mais. Virei-me para Jade, que estava olhando alguns DVDs e filmes cassetes deixados dentro do armário, e a puxei para ficar em pé.

- Eu trouxe as coisas do supermercado para o jantar, querida. – Fiz uma voz de homem adulto e ela riu.

- Obrigado por ter feito isto, querido. – Jade respondeu com uma voz fina e me arrastou para a cozinha. Ela se sentou em cima do balcão e me puxou contra si, me beijando. Eu rapidamente correspondi e seus lábios estavam tão macios que não aguentei mais. A peguei no colo e a levei até o sofá, pensando que a cama poderia estar poeirenta demais. Jade continuou me beijando tanto que eu acho que nem tinha percebido a mudança de local. Mas eu nem liguei, ela se deitou no sofá e eu fiquei em cima. Descendo os beijos para o seu pescoço e tentando tirar sua camiseta, para me ajudar Jade voltou a se sentar e me deu espaço suficiente para conseguir fazer isto. Outra vez ela estava com sutiã e sua saia novamente. Ela se inclinou e puxou minha camisa para fora, jogando-a no chão e chegando mais perto de mim. Pela primeira vez achei que agora realmente iríamos ter o que estávamos esperando. Beijei-a pelo pescoço e ombros, e era como se eu sentisse cada parte do seu corpo por causa disto. Era uma sensação tão inebriante que eu nem ouvi meu celular tocando.

- Beeck... – Ela reclamou e se jogou para trás. Deitando-se no sofá e com as pernas em cima das minhas. Voltei a vida e atendi a merda do meu telefone.

- O que você quer? – Perguntei com raiva. Não sabia quem era.

- BEECK! – Era a Tori.

- O que você quer? – Voltei a perguntar irritado.

- Eu estou te ligando a meia hora e você não atende. Eu preciso de carona para casa. – Ela resmungou. Oh meu Deus, Tori havia atrapalhado meu amor com Jade para me pedir carona?

- Tori – quando eu disse o nome dela Jade gemeu alto em frustração. – você está fazendo cupcakes com a Cat! Não faz mais de uma hora, já acabaram?

- Não! Por que o irmão maluco dela comeu toda a massa e os decorativos e ainda o chantili! Ela tá chorando aqui e então eu tive que colocá-la para dormir, e agora eu estou com medo de pegar carona com aquele louco e eu preciso de você.
 

Passei a mão no cabelo. Eu estava com dó da minha irmã e eu realmente queria ajudá-la a ir para casa, mas eu estava com Jade aqui apenas de sutiã e irritada. E eu a amava tanto...

- Não tem como ir agora, Tori.

- Como não? – Ela gritou angustiada.

- Tenta chamar nossa mãe ou outra carona. Eu estou ocupado de novo.

- Com quem? – Ela gritou outra vez. – Com seus amiguinhos de fora?

- Não... Com outra pessoa.

- Quem que é mais importante do que eu?

- Minha namorada. – Respondi rapidamente e Jade se levantou, me olhando com raiva. Mas ela estava tão sexy que no momento, não parecia que ela estava com raiva, parecia que Jade estava pedindo corporalmente para eu desligar isto e voltar às coisas com ela.

- S-Sua namorada? – Tori perguntou mais calma. – Ugh, Beck. Quando chegar em casa vai ter que me explicar isto direitinho. Ouviu? Eu to indo a pé.

E ela desligou. Eu bloqueei meu celular e sorri sem graça para Jade.

- Era a Tori.

- Eu sei. – Ela anunciou mais fria do que antes. – Quase deixa escapar o nosso segredo, não é?

- Não deixei, eu vou inventar qualquer coisa quando chegar em casa.

Ela ficou com raiva. E eu não entendi muito bem o motivo, pois hoje mesmo André tinha descoberto isto e eu não pude nem ficar com raiva.

- Você está com raiva por quê? André soube do nosso segredo e você ficou bem tranquila e aceitou tudo bem.

- Ele é diferente. Ele não vai contar nada para ninguém. – Ela cruzou os braços e isto me desconcentrou um pouco. Mas logo voltei ao meu ponto.

- Como tem certeza? Você está tentando manter isto em segredo da Tori e ela é a minha irmã e sua melhor amiga.

- Sim, mas é uma tagarela.

- E daí? As pessoas não podem saber da gente por quê?

- Beck... Cale a boca! – Ela gritou com raiva e mudou de assunto, indo pegar sua blusa.

- Não. Você está escondendo alguma coisa de mim quando combinamos que iríamos manter segredo apenas com os outros. Dessa forma, assim como você não confia em mim eu não vou mais confiar em você.

Ela me olhou com raiva. – Então é assim, é? Eu não estou mantendo segredo algum... Eu só não quero que as pessoas saibam de nós.

- É isto! Por que elas não podem saber? Você não me disse qual é a verdadeira razão! – Dessa vez eu gritei com ela, o que me surpreendeu e me deixou irritado comigo mesmo. Logo depois de ver essa cena.

Houve algum brilho no seu olhar que me fez lembrar de lágrimas e dor. Mas então ela gritou.  – EU NÃO QUERO QUE VOCÊ PERCA A SUA REPUTAÇÃO POR ANDAR COMIGO!

Fiquei confuso. Minha reputação? Eu não entendia... Jade era a garota mais popular da escola... Como é que eu iria perder a minha reputação por andar com ela?

- Eu não entendi, você é popular.

Ela continuou no mesmo lugar e voltou a me olhar com raiva. – Sim eu sou popular, mas eu já sai com um monte de caras. E todo mundo sabia : vira e meche Jade West arranja um novo namorado... Ela é uma vadia e só sai com galinhas... Já que todos eles me deixavam mais cedo ou mais tarde. Foi por este o fato de eu largá-los hoje em dia e não querer mais nada com ninguém, por isto recusei ficar com você. Logo Tori começou a entender este meu lado e me fez sair com gente do meu estilo... Como esses badboys motoqueiros por ai para fazer o namoro durar mais tempo. Mas era a mesma coisa. Se o garoto estudava na escola e era popular, bastava sair comigo e, logo se cansava e terminava tudo, as pessoas os excluíam por pena dele e por achar que ele, lá no fundo, era apenas mais um galinha mauricinho que não conseguia aguentar alguém como eu.

- Como assim? – Estava confuso outra vez. – Então todos os garotos que saiam e logo terminavam com você, eram rotulados de mulherengos... E essas coisas?

Ela assentiu. – Sim. Primeiro eu achava que com ele iria dar certo, logo eu terminava com ele ou ele terminava comigo. E ele saia atrás de outra garota dentro da escola. Mas até ai a notícia do nosso término seria vazada e todas as meninas se afastariam dele; 1 – por terem nojo do cara por ter ficado comigo. 2- uma hipocrisia filha da puta: por terem raiva do cara ao terminar comigo. 3- não quererem uma vingança minha contra alguma garota que seja a atual namorada do meu ex.

- Então isto tudo acontecia com todos os caras...?

- E logo eles saiam da escola.

- E você não suportava isto.

- Sim. Era como se os alunos que controlassem a minha vida.

- Mas eu não estou entendo, já que lá todo mundo parece te amar e te idolatrar. Por que fazem isto?

- Eu não sei. Deve ser pela mídia, se tiver uma pessoa como eu numa série de TV, o mundo não quer que ela fique com qualquer galinha. E então as meninas ficam com inveja e ciúmes e querem o garoto só para elas... Já que se ele foi capaz de lidar com algo demoníaco como eu, ele pode ser dar bem com elas. Só que quando terminamos, eu sou odiada mais 1% pelas pessoas e o cara é taxado de idiota, mulherengo, galinha. E elas não saem mais com ele, pois pensam que elas são melhores do que eu... Então se o garoto não me aguentou, ele é um idiota e não as merece. É isto que eu estou querendo evitar Beck. Lá todo mundo te ama, e eu não quero que saia taxado deste jeito na escola.

Então desde o começo... Quando eu havia a beijado sem sua autorização e o motivo secreto por não querer ficar comigo na frente de todo mundo... Era por ela não me odiar e sim me amar? Ela não tinha vergonha de sair com um novato como eu, mas queria me proteger das pessoas. Eu fiquei pasmo. Não imaginava que ela tinha esse seu outro lado... Foi essa uma das inúmeras vezes em que eu simplesmente olhei para ela e vi um anjo. - Mas quando acontece isto, não restam alternativas?

- Não.

- Mas a gente não vai terminar! – Fitei os olhos azulados dela.

- É o que você diz. – Jade murmurou irritada.

- Mas eu estou falando a verdade. Eu não quero terminar com você.

- Mas você vai terminar. – Ela suspirou. – Olha, este é o meu primeiro namoro escondido e é o que durou mais. Então eu quero aproveitar até a hora em que não dar mais certo, entende? Eu só sou um caso perdido.

- Não, você não é.

- Pare com este seu otimismo. – Ela sorriu. – Você realmente gostou do RV, não é?

Ela mudou de assunto e eu acompanhei. Não queria pensar nisto agora... Não parecia que eu conseguisse raciocinar direito em sua frente, eu estava com medo de dizer alguma merda e magoá-la.  

- Sim, eu gostei. – Olhei outra vez ao redor.

- Então vamos comprá-lo. – Ela sorriu e eu fui pego de surpresa.

- É sério?

- É claro. Por que, não? Podemos falar com o Bill hoje mesmo e ele pode até fazer de graça porque me conhece. Vamos ver o que eu faço por esta belezinha.

- M-Mas Jade, você vai comprá-lo por mim?

- É um presente. – Ela deu de ombros sorridente e passou a mão pelo meu cabelo.  

- Eu não posso aceitar.

- Eu vou fazer você aceitar.

- Jade. – Eu resmunguei.

- Beck. – Ela sorriu. – Venha comigo.

- Eu não acredito que você conseguiu isto. – Eu murmurei em descrença. – É incrível.

Ela apenas riu. – Eu sei que é. Eu sempre, de alguma forma, consigo fazer coisas assim. – Se gabando ela rodou as chaves da nossa ‘nova casa móvel’ em mãos. Jade havia conseguido pegar o RV de graça com o dono e o que nos custaria seria apenas a reforma dele. – Você tem que vim domingo para pegá-lo e concertá-lo. Eu não quero nem mexer com o trabalho pesado.

Eu a agarrei fortemente enquanto estávamos andando de volta para o carro. – Sim, eu sei. Você já fez muito por mim.

POV Jade.

Desde que eu havia conseguido de graça aquele bonito RV para o Beck, eu conseguia ter um tempo a sós com ele bastante limitado durante as duas semanas que se passaram. Beck estava totalmente obcecado em reformar da cabeça aos pés o trailer e ficou ocupado nesta, meio que me ignorando quando eu cheguei para dar ‘oi’ a ele quando estava apenas de biquíni para passar a tarde na piscina com a Tori.

- Você não pode ver ainda. – Ele murmurou sem se virar, arrumando alguma coisa na fechadura da porta e do lado de fora.

- Por que não?

- É uma surpresa.

- Eu não gosto de surpresas. – Cruzei os braços. – E eu que consegui ele para você, então seja um menino bonzinho e me deixe vê-lo.

- Ainda não. – Beck sorriu, me olhando pelo canto dos olhos.

- Ugh! – Irritada, eu fui embora e o deixei trabalhando no seu novo brinquedinho. Sim, estes eram os nossos únicos momentos a sós durante essas duas semanas.

Acho que este RV estava começando a me irritar.