Não queria que você entrasse naquela cabine, mal cabia eu ali dentro, mas você entrou.

Sei que chovia forte e que você não podia molhar seus “projetos”, mas por mim eles poderiam dissolver embaixo d’água, você tinha me trocado por eles.

Você estava molhado, encostando em mim o corpo que já não me pertencia, que eu queria não desejar tocar nunca mais, mas era mais um desejo em vão. Você me molhou, me olhou e me cegou.

O telefone podia tocar e me despertar, me desprender de você, guiar minha mente para um lugar que não fosse sua boca, mas mesmo que ele tocasse, eu não ouviria, pois só ouvia sua respiração.

Quis sair, eu podia me molhar, o que carregava nas mãos, ao contrário de você, não valia toda uma história de amor, mas... Droga! Eu queria estar com você!

Quantos anos fazia que não nos víamos? Três? Quatro? Não sei dizer exatamente, mas me pareceram uma eternidade ao sentir meu coração saltar daquele jeito.

Sempre me julguei a coisa mais importante em sua vida, você não tinha família, não tinha amigos, mas me tinha por inteiro. E o que você fez? Abriu mão de mim como se eu fosse um chiclete que perdeu o sabor, uma maçã podre que nem os vermes aceitam mais.

Aquela chuva não queria parar. Tantos lugares para te encontrar e você tinha que estar ali, me sufocando, me torturando.

Estava em silêncio, era melhor não dizer nada mesmo. Mas me olhava, e seus olhos me diziam o quanto você também estava confuso e perturbado.

De repente, escuto coisas caindo no chão, seus papéis, você os largou, e levou a mão que os segurava até o meu rosto e sussurrou meu nome. O que pretendia fazer? Eu nunca soube, pois naquele instante, como se fosse um sinal, a chuva parou, o mundo voltou a funcionar e você balançou a cabeça e mais uma vez me deixou.

Dois anos depois estou aqui, em mais um dia de chuva, não dividimos a mesma cabine telefônica, nem dividimos o mesmo mundo, você foi para aquele lugar que todos dizem ser melhor que esse.

Estou deixando a cidade e vim me despedir. Lembra-se do seu livro? Finalmente vão publicá-lo. Vou para capital cuidar dos detalhes, ainda bem que você o salvou da chuva, que o esqueceu quando saiu correndo daquela cabine e que a policia o encontrou quando foi fazer a perícia no local do acidente.

Só queria saber o que você queria me dizer naquela cabine, gosto de pensar que ia me beijar, que iríamos nos entender e vivermos felizes para sempre.

E hoje ao estar aqui, deixando flores e lágrimas sobre seu túmulo, me sinto bem, os quatro anos em que namoramos, foram os melhores da minha vida.

 FIM