Uma chuva fina caía do lado de fora da janela da sala de espera do consultório. Com o fone de ouvido no volume máximo e olhando para fora, Mary não percebeu que sua psicóloga a esperava até ela parar na sua frente e chamar sua atenção. Se desculpando, acompanhou-a até a sala onde fazia a terapia.

– Vamos conversar hoje sobre a sua escola. Só vamos esperar a Lira chegar e já começaremos. Pode se sentar, fique à vontade.

– Só uma pergunta. Por que ela tem que estar junto? Achei que fosse particular...

– Ela insistiu em acompanhar o seu desenvolvimento aqui, procurando descobrir porque você perdeu sua memória. A presença dela te incomoda?

– Não gosto de ficar divulgando meus segredos para várias pessoas...

– Ela não vai dizer nada para ninguém. Tudo o que você fala aqui fica aqui, não se preocupe. Estamos fazendo o possível para você se recuperar.

– Desculpem o atraso. Vamos começar logo?

Ficaram a maior parte do tempo falando sobre a rotina escolar da garota. Falaram dos colegas de classe, os professores, a matéria que ela mais gostava. Conversaram sobre as pessoas de quem ela não se lembrava. Mais uma vez, tentaram estabelecer uma ligação entre as lacunas, sem nenhum resultado. Lira ficou sentada ouvindo, sem falar nada, até agora.

– Conte-nos como foram seus últimos dias. Fez algo de bom? – Mary se sobressaltou diante a interrupção da enfermeira.

– Nada de diferente, apenas as mesmas coisas de sempre.

– Achei que tinha visto você saindo com um garoto de moto ontem.

– Ah, eu fui em um parque com um amigo, tinha me esquecido.

– Seu namorado ou algo assim? – a psicóloga se interessou.

– Não, só amigo mesmo. Eu não tenho um namorado.

– Qual dos seus amigos? É algum daqueles que você fala sempre?

– Não exatamente. Eu não falo tanto com ele, mas ele me chamou para sair e eu fui. É uma das pessoas de quem não me lembro.

– Vamos falar sobre ele, pode ser?

– Ah... Ele é da minha sala e aparentemente gosta das mesmas coisas que eu. Ele me levou ao Angel’s Park. No começo eu estava um pouco com medo de andar nos brinquedos, mas ele me convenceu a ir. – “Eu serei como um anjo da guarda’, ele havia dito. Ela não sabia direito o porque, mas isto lhe causava uma sensação estranha.

– E como ele é? Você foi bem vaga, nos fale o nome dele, a aparência, o jeito dele... ele deu a entender que estava interessado em você, sabe, gostando e querendo algo a mais? - pela segunda vez, Lira interrompeu-a.

– Não! Ele quer só a minha amizade, nada mais! – Mary abaixou a cabeça, sentindo o rosto corar. Hesitou antes de continuar, já que Ray havia lhe dito para tomar cuidado ao falar dele, porque várias pessoas o consideravam má companhia. Mas as duas mulheres olhavam para ela, esperando que continuasse. – É o Ray. Ele tem o cabelo castanho, olhos verdes lindos, é mais alto que eu e tem o rosto um pouco redondo, que eu acho fofo. Ele é bem espontâneo sabe, e parece ser atencioso.

– Obrigada. Vou deixar você ir embora mais cedo, eu tenho que ir agora. – Lira, pela terceira vez na tarde, demonstrou um comportamento estranho ao levantar e sair. Era como se Mary tivesse dito algo que a irritara, fazendo-a se lembrar mais uma vez da recomendação do garoto. Se pudesse voltar no tempo, não teria nem começado o assunto e evitado tudo isso.