A Riddle escrita por petit_desir


Capítulo 3
ALONE, together.




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no choice now, it's too late,
let him go, leave, give up...
i gave up.

Ray era um negro como todos os outros. Tinha olhos pretos, cabelo crespo e pele boa. Tinha cara de bem cuidado, mas, não tinha tanto dinheiro. Era até bonito, como só alguns negros conseguem ser. Acho que ele tinha sangue branco nas veias, que dava algumas feições delicadas à ele. Negros geralmente não têm esse tipo de feições, todos sabem do que eu estou falando. Costumam ter narizes e bocas mais largos e Ray era desprovido de desses. Enfim, olhar Ray era agradável aos olhos e não que eu me importasse muito com isso, é que na verdade, eu passava muito tempo com ele. É difícil ficar muito tempo olhando pra alguém que lhe dá engulhos, de tão feio. 

 

Ray não era como eu, mas me aceitava como eu havia nascido – e isso incluí a personalidade e o temperamento de merda. E eu o aceitava como ele era também. Sabe, por incrível que pareça, as pessoas são bem idiotas quando querem. Nós vivemos em uma sociedade que se considera totalmente nova, nada arcaica, mas, na verdade, é a mesma merda do que na Idade Medieval. Ainda éramos os mesmos, mas, tínhamos vergonha de admitir. Pelo menos naquela época não eram tão hipócritas como são hoje. Admitiam o que eram, e alguns sentiam até orgulho.

 

- - -

 

Eu conheci Ray quando tinha 11 anos. Freqüentávamos a mesma escola, pois, morávamos no mesmo bairro. Meu orfanato ficava na rua de sua casa, como também, ficava na rua de trás da nossa escola. Era tudo muito perto, para nossa sorte. Tivemos grandes oportunidades de continuarmos amigos; com essa facilidade toda, era bem cômodo.

 

Mas, não foi por isso que nos tornamos companheiros.

 

Nosso colégio era um colégio governamental, qual, estava em um nível normal, mediano. Não era tão bom e nem tão ruim. Tínhamos as mesmas chances que a maioria das pessoas do resto do país. Não morávamos em um bairro tão pobre, para nossa sorte. O porte também era médio. A violência não ia as alturas como em alguns lugares de NY e também não era uma paz completa. Era um lugar comum, sem extremos. Tinha tudo que deveria ter, sem pôr ou tirar.

 

Aquele colégio, entretanto, como todo colégio tem seus pequenos pólos. É incrível a maneira que iguais se juntam e diferentes se repelem. Todos nós sabemos disso, pelo menos nos EUA. Não dava para ser diferente. Os valentões ficavam com os valentões, os atletas com os atletas, as desmioladas com as desmioladas. E eu, eu era dos quietos. Ray também era. Ficamos amigos, então. Conversávamos pouco, mas, era mais do que geralmente falávamos com quaisquer outros. Não precisávamos de palavras o tempo todo. Às vezes, mesmo por olhar, entendíamos o que o outro queria dizer.

 

Éramos parecidos, afinal. Mais do que jamais esperaríamos.

 

Quando fizemos 12 anos – eu em maio e ele em abril -, nós começamos a andar com Emily. Emily morava comigo no orfanato. Ela também não falava nada e simplesmente achava que nós dois não a importunaríamos, como quaisquer outros fariam; afinal, ela havia perdido seus pais naquele acidente que ela não gostava de falar. Eu e Ray jamais perguntamos, como ela veio a confirmar. Para mim não importava saber e para Ray era indelicado pergunta sobre algo que ela não queria falar. Nós tornamos grandes amigos, nós três. Mas, entre eles dois, nasceu um grande amor. Eu sabia, eles sabiam que eu sabia e eu achava nojento – eu tinha 12 anos! Meninas eram nojentas... ainda.

 

Emily diferente de Ray, era parda. Tinha cabelos pretos e lisos, os mais bonitos que já vi. E tinha aqueles olhos estreitos, mas, grandes. Verdes, como duas esmeraldas. Jamais para mim ela seria atraente, eu não via mulheres como as vejo hoje. Mas, agora, quando eu me recordo de sua imagem, fico imaginando o quão bela ela seria como mulher. Emily tinha a mãe indígena e o pai irlandês. Herdara apenas os olhos do pai e nada mais, pelo que fiquei sabendo algum tempo depois. Gostava apenas de ficar junto dos dois. A harmonia que existia entre nós três era boa, mesmo ficando em silêncio a maior parte do tempo. Emily parecia deprimida quase sempre, mas, Ray e eu não me importávamos com isso. Gostávamos dela e isso bastava.

 

De vez em quando, eu e ela conseguíamos fugir do orfanato e encontrávamos Ray no final da rua. Havia um pequeno parque perto de nossas casas, onde costumávamos ir ver estrelas. Hoje, quando olho o passado, me pergunto como teria sido quando tivéssemos 15, 17... tudo que podíamos ter vivido juntos, se Emy e Ray teriam se casado ou simplesmente fugido. Se eu teria sido o padrinho de seu primeiro filho. São muitas coisas dentro da minha cabeça, quando penso na vida que nós três teríamos levado juntos. Emy era uma garota legal, no final das contas.

 

- - -

 

O dia estava nublado, como costumava ser. Mas, entretanto, havia algo de pesado. Algo de triste também naquele dia. Nós todos podíamos sentir, por que mesmo o mais falante de nós, ficou em silêncio. Todos achávamos que era apenas o dia.

 

Emy estava calada como sempre, nada mudava seu humor. Poucas vezes a vi sorrir, o mesmo pode dizer Ray, acredito... Mas, ele acabou vendo mais que eu. Afinal, os dois costumavam ter seus momentos como “amantes”. Ele deveria ter algo especial aos olhos dela e com certeza, confiança. Algo sempre me disse que Emily se sentiria culpada ao sorrir. Sempre sentimos, quando há um motivo para que nossa tristeza se torne permanente. Nós éramos muitos extremos naquela época também, crianças costumam ser. Nada existe no meio termo, é sempre demais ou de menos. Emily talvez achasse que era errado sorrir, por que não sorria com seus pais e nunca mais sorriria novamente. Não a culpo, não a julgo. Naquela época principalmente, por que eu não sabia o quanto gostava dela. Hoje sinto uma enorme culpa por jamais ter dito isso à ela, mas, eu era criança demais. Todos éramos.

 

Aquele dia passou como uma horrenda rotina. Sem mais e sem menos, foi terrível. Demorado, longo, triste... Era uma agonia sem motivo. Era um dia cinza, como aqueles poucos que acontecem na nossa vida. Quando sai da escolha, decidi ir para “casa” e dormir. Nada me parecia melhor. Só queria que aquele dia acabasse. Acho que internamente, todos queríamos... E ele realmente acabou.

 

Eu dormi apenas alguns minutos à tarde. Nada me fazia pregar os olhos, então, decidi ir atrás de Emy e Ray... eu queria passar minha tarde com eles, como sempre passava. Era um costume, normalidade. Todos sabíamos disso. Mas, naquela tarde, os dois haviam se perdido por ai. Eu havia demorado horas até encontra-los. Era noite, e estava frio. Os dois pareciam não se importar, por que haviam se deitado no gramado do parque. Olhavam as poucas estrelas que estavam no céu, aquelas que conseguiam surgir por trás das nuvens cinzentas. Eu me deitei ao lado deles e não falei nada. Suas caras não estavam muito felizes, como a minha. Todos também sentíamos que aquele dia algo iria mudar, mas, talvez, apenas eu e Ray não soubéssemos o que. Quando fomos embora, eram mais de 20 horas. Era tarde para crianças andar nas ruas, ou era isso pelo menos que os responsáveis por nós acreditavam. Não vivíamos mais na década de 60.

 

Eu e Emy fomos os últimos a tomar banho e não comemos, por termos chego tarde demais. Dormíamos no mesmo quarto. Ao deitar na cama, pude enfim desmaiar. Mas, algo mais tarde me acordou. Fui ao banheiro. Era um chamado natural, pelo menos, era o que me parecia.

 

Meus passos eram tortos, lembro-me bem deles. Eram bambos, de como uma criança que estava com sono, mas foi forçada a sair da cama. Quando entrei no banheiro, não foi mais assim... posso afirmar. Olhei para trás e foi apenas ai que reparei o vazio de sua cama. Meus olhos voltaram ao chão do banheiro e pude ver todo seu volume derramado ali, quase sem vida. Então, o sangue vive e forte me chamou vermelho, pintando o chão. Foi a primeira vez que vi algo tão vermelho, tão verdadeiramente vermelho. Não posso negar que mesmo que fosse lindo – a cor -, não me gerou enjôos. Quando consegui encarar o rosto de Emily, pude ver seus enormes olhos verdes tristonhos, cheios de dor e lágrimas.

 

Aproximei-me dela, pela última vez e me pousei ao seu lado. Não conseguia dizer nenhuma palavra... Então, tomei seu rosto em minhas mãos, depois de ter tirado de suas mãos aquele vidro... Mais perto assim, ouvia-a chorar. Eu sabia o que havia acontecido, eu via o que tinha acontecido, mas, ao entender que aquilo era real... Machucou-me. Emy era minha amiga, era amiga de Ray... e ela havia tentado se matar.

 

Olhei em seus olhos e eu simplesmente mentalizei qualquer lugar fora daqui. E fechando meus olhos, eu acreditei nesse lugar. E quando finalmente abri os olhos, lá estava ele. Eu pude ver Emily nele, junto de seus pais. Lembro-me de que, eu já não existia lá. Pude sentir o cheiro, ver a cor, ouvir os risos... Risos. Emily ria, junto aos seus pais. Era um riso alto, cheio de vida, alegria. Era o riso dela, um adeus. O brilho inteiro se apagou, de repente.

 

Seu último suspiro foi dado, finalmente. Naquele momento, meu choro começou finalmente a ser expelido. Chorei como poucas vezes na minha eu havia chorado. Chorava baixo, como ela, mas, tinha algo de desespero nesse choro. Eu sabia que havia. Alguém então acordou e mais alguém, e mais alguém... E mais alguém. Eu sem reação fui afastado dela, por adultos. Eu não quis deixa-la... mas, fui obrigado.

 

Lembro-me de sair correndo naquela noite, de ir para casa de Raymond. Contar tudo que aconteceu. De como aconteceu. De como parecia o fim do mundo, mas, era mais doloroso para ele também. Choramos juntos naquele dia, mas, no dia seguinte, um grande silêncio entre nós nasceu.

 

Algum tempo depois, ele me contou que naquela tarde, no dia que Emy se matara, eles haviam se beijado pela primeira vez. Ela havia se despedido dele e ele ao menos soubera. Mas, ao contrário de mim, ele teve uma despedida...  

 

things they have changed
in such a permanent way.
life seems unreal;;


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