Patético. Única palavra para descrever aquela cena. Imagine um bando de adolescentes em pleno colegial em frente à um ônibus colorido. Exato. Era minha turma. A escola havia contratado um ônibus infantil para nos levar ao passeio.

Tudo bem que algumas pessoas daquela turma realmente pareciam ser do jardim de infância. Começando pelo meu irmão, mas isso não explicava o fato do ônibus ter uma tartaruga rosa sorridente bem no meio.

O grande problema que eu tenho com passeios é : nunca tenho um par para ir comigo. Por isso sempre fico na última cadeira do ônibus ,esperando o “escolhido”, como chamavam, para sentar ao meu lado. O caminho era desagradável. Não trocava uma palavra com a pessoa. E a pessoa nem olhar para mim olhava.

Esse ano, porém, foi diferente. Emily veio sentar ao meu lado assim que entrou no ônibus. Não entendi bem o porquê daquilo. Nem porque conversamos o caminho todo. Parecíamos amigos de infância. Ela gostava de coisas de nerds, o que é meio estranho para uma garota bonita.

De repente, todo o receio sobre ela sumiu, e eu senti como se ela fosse uma pessoa normal. Como eu. Mas ai eu lembrei que eu não sou normal. E que pessoas mentem. E muito.

O caminho todo eu verificava o telefone. Patch me recomendava a não usá-lo porque poderia chamar a atenção dos arcanjos, mas não ligava. Precisava saber sobre eles e o porquê de tanta demora.

–Está esperando o contato de alguém? – Emily perguntou. Ela uma tinha voz doce, como seus olhos, o que me fazia sentir mal por pensar coisas ruins sobre ela. Ela não parecia ser tão ruim.

–O quê? – Perguntei atordoado.

–Está esperando o contato de alguém? – Repetiu. – Você não para de olhar pro telefone, então, suponho que esteja esperando alguém te ligar ou mandar uma mensagem. – É , ela era boa observadora. Boa até demais. Estranho.

– Ah, sim. Meus prometeram que iriam mandar uma mensagem assim que chegassem em Portugal. Eles saíram à negócios e sempre prometem mandar mensagens avisando que estão bem, sobre como é o lugar e coisas do tipo. Mas, de vez em quando, eles esquecem e eu fico preocupado. – A mentira fluía facilmente, não precisei pensar rápido. Bem, isso mostra que eu tenho mesmo o dna Cipriano.

– Deve ser triste ter os pais viajando sempre. Eu sinto falta dos meus e olha que eles nem viajam. – Ela disse com uma cara triste. Parei de prestar atenção no que ela falava quando ouvi a risada de Marie e Mason um pouco mais a frente. Ela percebeu o que eu olhava e deu um longo suspiro. – Você gosta mesmo dela né?

– Gosto.

– Então por que não luta por ela?

– Não dá, Emily. É o Mason, ele é o garanhão da escola. As meninas ficam no cio só de ouvir o nome dele. – Ela riu.- Além do mais, eu sou o nerd excluído , ela não iria querer nada comigo mesmo. Seria ilusão minha achar que ela estava interessada.

–Harry, ela me contou tudo o que aconteceu e eu sei que é de você que ela gosta. Ela só está confusa. Não sabe o que pensar. É como se alguém tivesse feito ela pensar mal de você mas ela não pensa realmente. – Eu respirei fundo, talvez ela tivesse razão. – Até porque, ela é apaixonada pelo admirador secreto dela e eu tenho certeza de que não é o Mason. Era você que escrevia né? – Afirmei com a cabeça. – Devo dizer que eram muito bonitas.

–Como você...

–Ela me amostrava as cartas. Eu sempre dizia à ela que era você mas ela cismava que era o Mason. Harry, isso não é justo, ela é apaixonada por quem você é e não por quem o Mason finge ser. Uma hora a máscara dele vai cair e vai ser onde você vai poder mostrar a verdade.

– Mas ele é meu irmão.

– E por isso mesmo tudo é mil vezes pior. Olhe o que ele fez com você. Isso não é coisa que um irmão faça com o outro. Você é um cara com um coração muito bom mas todos merecem justiça pelos atos que cometem, e Mason merece pelo que fez.

–Você gosta dele?

– O quê? – Ela ficou vermelha. Não sei de onde tirei essa ideia, mas a reação dela provou que eu estava certo. – Não, isso é imaginação sua e...

– Você pode ser boa observadora ,mas eu também sou. Sei que está mentindo. – Ela olhou para baixo envergonhada e nada mais precisou ser dito.

Olhei pra ela e ela pra mim e parecia que tudo estava explicado. Ela sentia minha dor. De algum modo mas sentia.

Assim que chegamos no museu, fomos separados em grupos. Seja azar ou sorte fiquei no grupo de Marie e Mason. Ah, Emily também estava no nosso grupo.

A professora Schneider começou a explicar toda a revolução da tecnologia. As revoluções industriais e a que a gente se encontrava. Não era interessante , então eu me desliguei daquilo e permaneci olhando para os lados. Vi um cara gorducho passando e ele me encarou. Parecia assustado e assim que percebeu que eu o encarava, ficou vermelho e saiu andando as pressas.

Já comentei que as pessoas a minha volta são estranhas? Pois é, não tanto como o que veio a seguir.

A professora deu uma pausa e deixou a gente lanchar. Sentei-me o mais longe possível do pessoal e fiquei encarando meu sanduíche natural. Não estava com fome, por isso o guardei na mochila e esperei o tempo passar.

Até sentir meu rosto levando um soco. Na hora não entendi muito bem o que estava acontecendo, até que focalizei os punhos de Mason vindo mais uma vez até meu rosto. Segurei seus braços e olhei em seus olhos. Estavam vagos. Não exatamente vagos no sentido literal, mas olhavam para outro lugar. Não parecia ele. Até que ele voltou ao normal , balançou a cabeça e não entendeu nada.

A professora veio ver o que estava acontecendo e levou eu e Mason para uma conversa. La vinha bronca.

Assim que chegamos em um lugar distante ela deu um sorriso psicopata e riu.

– Esperei tempo suficiente para isso. – Do nada , um homem apareceu ao lado dela e ele tinha... asas?

Não deu pra pensar direito, o homem veio para cima de nós e acertou Mason em cheio. Eu estava sem reação mas recobrei o juízo quando Caroline Schneider veio para cima de mim. Voando. Ela tinha belas asas dourados. Mas eu não tinha tempo para admirá-las.

Abaixei-me e esperei seu ataque. Contra ataquei e acertei. Ela não era uma boa lutadora e dava para ver isso com as tentativas inúteis de me machucar. Claro, ela conseguia, vez ou outra, deixar um machucado em mim, mas não era lá grande coisa.

Mason estava inconsciente e sendo levada para algum lugar pelo homem. Se aquele cara voltasse eu estava ferrado. Ele sim era um lutador. Eu não teria chances.

Não sei de onde, como e nem o motivo de Emily ter aparecido. Ela estava assustada e olhava tudo muito atônita.

– Ah , minha filha, chegou para presenciar a morte dos híbridos? – Caroline disse para Emily.

– Filha? Mas que história é essa? – Eu não sei como, mas Caroline acreditou na minha encenação e começou a contar a história. Emily percebeu ,mas por algum motivo me ajudou. Fechou as portas , impedindo com que o homem voltasse para acabar comigo.

– Sim, filha. Emily é minha filha. Não do jeito que você pensa. Veja bem, eu não posso ter filhos. Emily é minha sobrinha, filha de minha irmã. Seu pai deve a conhecer, ela atende pelo nome de Dabria. – Não conhecia esse nome mas fiquei quieto. A cada frase eu me afastava sem que ela percebesse. – Bem, minha irmã está no inferno agora. Uma das coisas que seu pai fez antes de você nascer foi mandá-la para lá. Tenho certeza de que foi para impedir que ela atrapalhasse a relação dele com Nora. Voltando a Emily, ela é filha de Dabria com ninguém mais, ninguém menos que o serafim. Sim ,minha irmã se envolveu com esse cara de alto poder e desse relacionamento nasceu Emily.

– E o que você faz aqui? – Vi de relance o cara gorducho passando. – O que quer comigo e com meu irmão?

–Não finja que não sabe. Os arcanjos estão muito chateados com sua existência, só viemos dar um fim nela.

Nesse instante o cara gorducho entrou e tacou fogo nas asas de Caroline. De uma forma estranha, as asas dela não queimavam mas ela parecia sentir dor. Olhei pra Emily, ela estava atônita e quando olhou pra mim balbuciou as palavras “Desculpe.”

O cara gorducho me puxou e saímos dali correndo. Não sei o que aconteceu com o pessoal da excursão, nem qual foi a desculpa que inventaram para o sumiço de algumas pessoas, pelo menos não chamaram a polícia.

– Quem diabos é você?

– Para um garoto nerd, pronunciar uma frase errada desse estilo não convém. – Segurei ele pela gola da camisa e ele tremeu. – Hey, isso são modos de agradecer ao cara que salvou sua vida? – Soltei ele .- Francamente, seu pai não te deu educação?

– Quem é você?

– Sou Pepper. – Parei com aquele nome.

– Espera um minuto. Patch me disse que foi você o maldito que nos revelou, por que está nos ajudando? – Segurei ele pela camisa de novo, dessa vez com mais força.

– Bem, aquilo, hã... foi só uma brincadeira. Pode me soltar por favor? – Soltei ele que suspirou.- Obrigado, bem, seu pai me persuadiu a ajudar vocês.

– Você quis dizer ameaçou te matar? – Ri irônico.

– Sem gracinhas ou não te ajudo.- Levantei as mãos para o alto em sinal de rendimento. Pepper nos levava para algum lugar bem longe em um carro sofisticado. Pepper me entregou umas cartas. – Seu pai pediu que lhe entregasse. Disse que depois de ler vai entender tudo.

A primeira carta era pedindo desculpas por não estar ali e dizer que Pepper iria cuidar de mim, não que eu confiasse naquilo, mas se Patch dizia.

A segunda contava a história dele com Nora. A terceira era uma para Dabria, ele pedia para ela ir embora. Na quarta ele explicava porque a matou. Ela estava ameaçando matar Nora, nessa época ela já estava grávida da gente.

A quinta me deixou confuso, era uma carta para minha mãe. Ela dizia:

“Anjo,
Minha maior esperança é que você nunca precise ler isto. Pedi a Vee que só lhe entregasse esta carta se minha pena fosse queimada e eu estivesse preso no inferno, ou se Blakely desenvolvesse um protótipo das artes do mal forte o bastante para me matar. Quando a guerra entre nossas raças começar, não sei o que será de nosso futuro. Quando penso em você e em nossos planos sinto uma dor terrível. Nunca quis tanto que as coisas dessem certo.

Antes de deixar este mundo, preciso ter certeza de que você sabe que todo o meu amor é seu. Para mim você continua sendo a mesma de antes do Voto de Conversão. Você é minha. Sempre. Adoro a força, a coragem e a delicadeza de sua alma. Adoro seu corpo também. Como alguém tão sexy e perfeita pode ser minha? Com você, tenho um propósito — alguém para amar, cuidar e proteger.

Meu passado tem segredos que pesam em sua mente. Você confiou em mim o suficiente para não perguntar sobre eles, e foi sua fé que me tornou um homem melhor. Não quero deixar nada oculto entre nós. Falei que fui banido do céu porque me apaixonei por uma humana. Da forma como contei, pareceu que arrisquei tudo para ficar com ela. Só disse isso para simplificar minhas motivações. Mas não era verdade. A verdade é que me desiludi com as metas inconstantes dos arcanjos e queria contrariá-los, contrariar suas regras. A garota foi uma desculpa para deixar para trás um antigo estilo de vida e aceitar a nova jornada, que por fim me levaria até você. Acredito em destino, Anjo. Acredito que cada escolha que fiz me trouxe para mais perto de você. Eu a procurei por muito tempo. Posso ter caído do céu, mas caí foi por você.

Farei tudo o que for necessário para que ganhe essa guerra. Os nefilins sairão vitoriosos. Você cumprirá seu juramento ao Mão Negra e ficará segura. Essa é minha prioridade, mesmo que me custe a própria vida. Acho que ficará irritada ao ler esta carta. Pode ser difícil me perdoar. Prometi que ficaríamos juntos quando tudo terminasse, e talvez você se magoe comigo por quebrar a promessa. Mas quero que saiba que fiz todo o possível para manter minha palavra. Enquanto escrevo esta carta, estou pensando em qualquer alternativa que nos ajude a passar por isso. Espero encontrar um jeito. Mas, se eu tiver que escolher entre mim e você, escolho você.
Sempre escolhi.

Com todo o meu amor,
Patch.”

Na folha de trás da carta, havia uma letra meio borrada, mas não era de Patch.

“Filho,

Mando essa carta para você porque, mesmo estando longe, sei o que está acontecendo. Não desista de quem você ama. Seu pai nunca desistiu de mim.

Com amor,

Sua mãe.”

Nora queria me passar o conhecimento necessário para amar, mal ela sabia que nessa matéria eu já tinha ganhado 10.