-Esse tom ficou bom pra você!

-Obrigada, eu também gostei assim mais escuro. Sabe como é... Eu não me reconheço se pintar o cabelo de outra cor!

-Virou sua marca registrada - disse Agnes Crumplebottom, a irmã mais nova de Cornélia Goth, enquanto tomava mais um gole de chá – Quem vê nas ruas de Sunset Valley uma moça com cabelo roxo, já sabe que é você!

As duas riram.

Diferente da casa de sua irmã, a casa de Agnes tinha um estilo bem moderno. Era uma casa grande para uma só pessoa. Agnes tinha uma empregada, mas não era casada. Aliás, ela já foi casada... Seu marido Erik morrera na viagem de lua de mel. A morte de Erik era algo que assombrava a jovem viúva de cabelos loiros e corpo escultural, cujo maior sonho era gerar um filho.

Agnes era muito bonita, mais bonita que sua irmã mais velha (Cornélia não é feia, mas é bastante magra e muita gente acha seus cabelos tingidos de roxo um tanto quanto exóticos demais), mas por alguma razão, não conseguia se casar de novo. Muitos foram os homens que só quiseram se aproveitar dela, o que fez com que Agnes, que já não era exatamente muito sociável, ficasse ainda mais introvertida. Ela passa a maior parte do tempo trancada em casa, lendo livros, pintando quadros (hobbie que ela e sua irmã têm em comum) ou então testando novas receitas junto de sua empregada.

De certa forma, Agnes invejava e admirava o fato de Cornélia ser casada e ter um filho, pois esse era seu maior sonho.

- E meu sobrinho? Como ele está?

- O Morty está bem, foi estudar ciências na casa de uma colega – respondeu Cornélia.

-E o meu cunhado?

-Ahhh... Trabalhando muito como sempre! – disse Cornélia, num tom inexpressivo.

-Cornélia, acha que eu não conheço você?! Pelo visto vocês continuam brigando... – disse Agnes.

Cornélia suspirou

- Você devia desabafar mais sobre isso, se for o caso, procure uma terapeuta, existe também terapia de ca...

-... Não! – Disse Cornélia, cortando antes que sua irmã terminasse de dizer “casal”.

-Hum... –disse Agnes, tomando mais um gole do chá que bebia – Você não quer se divorciar... Ou quer?

Cornélia deu um suspiro profundo... Um “não” melancólico estava estampado em seu olhar.

-Eu te conheço o suficiente para saber que você ama o Gunther – continuou Agnes – E se você o ama, precisa lutar para não perdê-lo.

-Sempre tão romântica... – disse Cornélia, com desdém, enquanto tomava um gole do seu chá.

-Por que desse desdém todo? – perguntou Agnes – Tem a ver com aquela Lolita dessa vez? De novo?!

Cornélia bateu sua xícara contra o pires com tanta força que chegou a tremer a mesa (e teria voado chá para tudo quanto é lado se a xícara não estivesse vazia)

-O assunto acabou aqui – disse ela, séria e solene.

Agnes ficou sem graça. Sabia que havia tocando na maior ferida da sua irmã, mas não sabia que essa ferida era ainda maior do que ela imaginava...

Lolita Goth era prima de 2º grau de Gunther. Uma menina bonita, de longos e lisos cabelos castanhos com um rosto delicado e enfeitado por sardas. Lolita era no mínimo uns cinco anos mais nova que Gunther, e eles formavam um casal desses aonde um parecia não ter nada a ver com o outro... Pelo menos era o que Cornélia, que na época era a melhor amiga de Gunther, achava. Lolita tinha um charme infantil e delicado que contrastava com o jeito sério de Gunther, mas os dois pareciam se amar. Ou pelo menos ele a amava...

Gunther descobriu que Lolita estava tendo um caso com um professor da faculdade aonde ela estudava, então encerrou o noivado com sua prima. Três meses depois, Lolita morre eletrocutada. Até hoje não se sabe exatamente como se deu as circunstâncias da morte dela, sabe-se apenas que ela morreu devido a um choque de alta voltagem, pois os Goth mantém muito sigilo sobre o assunto. Lolita foi enterrada no jardim da grande mansão gótica, e seu túmulo ainda pode ser encontrado por lá.

O motivo de Agnes invejar a vida de sua irmã se dá devido ao desenrolar que teve essa história: Gunther ficou arrasado com a morte de Lolita e cheio de remorso por ela ter morrido enquanto os dois estavam brigados. Cornélia, por ser sua melhor amiga (e ter uma paixão secreta por ele na época, tão secreta que nem ela admitia essa paixão para si mesma... Se bem que ela até hoje não admite), foi de grande ajuda naquele momento, consolando Gunther e dando todo o apoio para que ele se sentisse melhor. Talvez Cornélia tenha ido um pouco longe demais ao que se diz repeito a “dar apoio”, ou talvez Gunther realmente tenha criado sentimentos por ela... O que se sabe é que Cornélia acabou engravidando e por isso os dois se casaram.

Cornélia não era sonhadora e romântica como sua irmã mais nova, na verdade, ela nunca se importou se iria se casar um dia ou não, ela sentia bem apenas por pintar seu cabelo na cor que tivesse vontade, estudar psicologia na faculdade e fazer seus desenhos em paz. Ela mesma não sabe como e porque começou a ter sensações estranhas quando estava perto de Gunther, talvez porque ele também se interessava pela cultura gótica, talvez porque ele era gentil e atencioso com ela, ou talvez apenas porque os dois eram pessoas muito parecidas. Quando ele a pegou de jeito, ela simplesmente não conseguiu resistir e foi levada pelo calor do momento, tanto que cometeu o deslize de ficar grávida sem planejar... Mas não que ela se arrependa, ela só seria mais prudente (ou seja, menos bêbada) se pudesse voltar no tempo.

- Então... –disse Agnes, tentando mudar de assunto -...Soube que estão investigando se a Vita Alto andou envolvida em esquemas de desvio de dinheiro?

Na mesma hora, Agnes se arrependeu por ter dito aquilo. Ela esquecera que Vita Alto era amiga de Cornélia!

-Oh, desculpa! – disse Agnes, antes mesmo que Cornélia pudesse responder qualquer coisa – Acho que hoje não é meu dia para conversas...

-Não, tudo bem – disse Cornélia, num tom monótono – Nós temos que ser realistas... Eu espero que essas acusações não sejam verdadeiras, mas caso forem, eu não votarei mais em ninguém da família Alto.

-Desculpe, eu esqueci que ela é sua amiga! –disse Agnes.

-Que nada, eu acho que você está certa em me alertar sobre esses boatos. Não acho que a Vita tenha feito isso, mas vai saber... As pessoas às vezes surpreendem!

-Gosto da sua sensatez!

Cornélia sorriu, mas estava um pouco apreensiva. “Será que a Vita seria capaz de uma coisa dessas?!”

-Bom, acho que vou indo... Estou com um pouco de dor de cabeça – disse Cornélia, deixando claro que estava tensa.

-Tudo bem! Você sabe que pode passar aqui sempre que quiser!

- Digo o mesmo sobre a minha casa!

Agnes sorriu, e então acompanhou sua irmã mais velha até a porta de sua casa.

“Ah Cornélia, se você soubesse o quanto eu daria tudo para ter tudo o que você tem talvez você não estivesse tão infeliz...” Pensou.

“... Ou talvez as coisas não sejam tão perfeitas quanto parecem ser... Talvez, no fim das contas, seja melhor ficar sozinha do que ter ciúmes eternos de um fantasma.”