O corredor acabava em uma parede, como um beco sem saída, apenas uma lareira que eu ainda me perguntava por que os deuses do mundo marinha tinham fogo?

Já ia abrindo a boca para perguntar a Leuce que porcaria estaríamos fazendo encarando a lareira inútil divina até ela se esquivar e por um momento, não havia mais ninguém.

–Leuce?-tentei perguntar para o nada, até que uma cabeça meio transparente surgiu do lugar onde ela tinha se esquivado na lareira. Com as sobrancelhas cerradas e o corpo ainda fora de vista, perguntou:

–O que está esperando? Anda logo!

E assim, Marlyn esquivou-se para dentro como havia feito sua irmã na esperança de que a passagem fosse válida apenas para pessoas mortas.

Viu o por que de seu corpo ter sumido, estava escondido atrás da parte visível da lareira, um pouco mais atrás. Uma corda estava presa no teto abobado do quadradinho em que estavam espremidas, Leuce tentou puxa-la, mas de nada adiantava, olhou a ponta de seus dedos assustada engolindo em seco, seus dedos estavam quase desaparecidos, mais que meio transparente, se ela não os sacudisse rapidamente, não poderia vê-los.

–Tudo bem tudo bem-dizia a moça branca e agora sem dedos tentando se acalmar-Acho que não vou conseguir puxar a corda, você ten que fazer isso está me ouvindo!

Acenei com a cabeça mais ainda curiosa e meio assustada pelo fato das mãos desaparecidas de Leuce.

–Leuce-ia dizendo enquanto ainda não puxava a corda-Você está sumindo?

Levantei a cauda de seu longo vestido para avistar seus pés... não estavam mais lá.

–Ande! Rápido!-ela gritava agora.

Desci a corda tomando cuidado para não desabarmos ou com medo de que Leuce subtamente desabasse por estar ficando invisível.

Demorou um certo tempo, mas eu peguei o jeito, era como se fosse um mini elevador que você podeia subir e descer pelo castelo usando a corda e um pouco de força. Me perguntei esse tempo todo o por que de eu ter usado aquelas escadas.

De tempo em tempo ia dando uma olhadinha na oceânide, a sua desaparição não estava sendo mais tão surpresa como a das mãos e dos pés, seu corpo levemente ia ficando mais embaçado, a ponta de seus platinados cabelos iam sumindo, suas orelhas pálidas, e cada vez sua voz mais parecia um sussurro.

Ela murmurava algo silênciosamente, não sabia se era pelo fato de sua voz estar sumindo junto com ela ou se simplesmente ela tinha o mesmo problema que Marlyn: aceitar a verdade falando sozinha

Sem saber a resposta e com medo de que fosse a primeira opção, virou-se para ela.

–O que foi?-perguntei ainda segurando com força o cabo que nos sustendia.

–Eu devia ter tomado mais cuidado...devia ter ajudado mais...

–Ajudado mais...Olha onde estamos agora?Onde acha que estaríamos se você não tivesse vindo aqui?

–Vindo...-continuava ela murmurando

–Me diga logo o que aconteceu!

–Traí...-repetia ela como se estivesse chorando-Traí a confiança do meu senhor.

Marlyn balançou a cabeça esperando algo mais.

–Nun-nunca saia do palácio-ela gaguejava-Eu saí...pra te ajudar e agora...eu vou voltar pra minha outra casa...

Outra casa?Ela estaria se referindo à...

–Você vai voltar a ser o álamo, não é?

Ela parou por um momento, seus braços já não eram mais vistos, seu corpo estava se tornando mais em uma nuvem transparente e seu vestido, uma cortina de névoa, não parecia mais aquela cachoeira prateada belíssima de um tempo atrás.

–Já estamos chegando-ela disse com um olhar de medo.

Finalmente uma luz, através agora de um forno microodas, conseguiu se esgueirar e sair.

Voltar a andar trazia de volta às dores em todo seu corpo, o sangue já não se espalhava com tanta rapidez, mas os lugares chutados e o gosto de sangue em sua boca não sumiram, continuavam lá.

–Leuce!-Marlyn gritou para a figura esbranquiçada do outro lado do forno-Venha! Rápido!

Não ouviu-se uma resposta, apenas murmúrios tristes e incompreensíveis.Não conseguia mais visualisar perfeitamente seu rosto.

–Leuce!-gritava mais alto-Desembucha!Temos que ir!

Sua cabeça balançou negativamente, dessa vez ela tentou falar de modo mais compreensível, fazendo eu entender algumas palavras mais.

–Vá...agora...esquerda...esquerda...reto...baixo...-ela suspirou longamente-ganhe...

E assim sua forma já não estava mais a vista. Como uma bolha de sabão estourada ao seu tempo, Leuce não estava mais lá. Nem sua voz ou ao menos de uma forma invisível para faze-la sentir-se menos insegura. Não. Ela não estava lá.

Estava sozinha.

Leuce deveria ter voltado para um dos jardins de Persefone, agora estaria lá...parada pela eternidade, não sumiria se saísse, afinal, não tinha como sair.

E tudo era sua culpa dizia uma vozinha palpitante dentro da cabeça da semideusa.

Não apenas a volta para o mundo dos mortos de Leuce. A sua mãe morta, as encrencas que arranjou a vida inteira, os cabiros que agora não sabia se teriam mais vida ao levá-los para o meio de sua missão...

Mas tinha de fazer o que tinha de ser feito. Não para cumprir a profecia, mas para vingar a culpa de ter acabado com certas vidas.

Não havia volta, apenas um caminho o qual ela poderia consertar as coisas, ou ao mínimo, melhorá-las um pouco...

E começava com esquerda, esquerda, reto, baixo...