Além do Carmesim escrita por bruna carmim


Capítulo 2
Além do Natal, um presente indigesto.




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25.12.1986 – Terça feira

[Southampton, Hampshire – Inglaterra]  

   Lehkuit não ligava para os calendários em geral. Não há nenhum motivo para shinigamis se preocuparem com esse tipo de trivialidade. Mas não é possível se manter indiferente a alguns fatos, visto que permanecia no Mundo dos Humanos há algo próximo de 20 anos. Então por pura conveniência, começou a relacionar os meses com algumas coisas. Dezembro era o mês das luzinhas. E essa era a terceira vez que ele acompanhava a cidade se encher daquelas luzes desde que largara seu Death Note num asilo, após a morte de Rose, a antiga dona. Havia feito aquilo para que seu novo dono fosse escolhido ao azar, e logo após o recolheu, mas mantendo a posse com um velhinho de pernas curtas e meio tortas – o suficiente para garantir que poderia permanecer por este mundo sem desavenças com o Shinigami-Daioh.

    Cada dia que passou durante esse período só aumentava a vontade de não voltar ao Mundo dos Shinigamis, não porque preferisse os humanos, mas imaginava que lá poderia ser pior pelas atitudes que aqui tomava. Havia se compromissado em cuidar do filho órfão da última dona de seu Death Note, e a imagem de babá não é a melhor que a sua raça podia ostentar. Logo, sabia que assim que voltasse ao seu mundo, só o que lhe aguardava eram risadas e zombarias vindas dos outros Shinigamis, no entanto as condições atuais significavam que seus dias de babá estavam contados.

    O bebê logo faria três anos e a “educação” que estava recebendo era insuficiente. Lehkuit havia feito com que ele tocasse em uma das folhas de seu caderno, assim podia vê-lo. Como a criança não tinha noção alguma do que é humano ou não, não se espantou ao ver o shinigami pela primeira vez, Lehkuit não pôde deixar de sentir uma ponta de simpatia naquele dia. Graças a esse contato, Lehkuit podia alimentá-lo com coisas que pegava de mercados – talvez ele tenha crescido tão magrinho pela falta de leite materno - e limpá-lo quando ficava sujo demais. Com o passar do tempo a criança havia dado os primeiros passos sozinha e só, nada mais.  Nenhuma palavra, nenhuma brincadeira, nenhum gesto.

   E além de tudo, Lehkuit o odiava. Tinha noção de que o tempo de vida de Rose havia sido reduzido graças à troca dos olhos, mas não podia deixar de relacionar sua morte àquela criança. Ao olhar para ele, não via a graciosidade de Rose, nem sua alegria e vontade de viver, via apenas uma criança branca, tétrica, que quase não parecia humana. Por isso, nem a teoria de Rose, de que seu filho seria a continuação de sua vida, fazia sentido para Lehkuit. Não podia deixar de se culpar, havia trancafiado a criança num galpão abandonado perto da costa desde o dia de seu nascimento, excluindo-a completamente de qualquer contato com a sociedade. O local não possuía iluminação elétrica e bloqueava praticamente toda a luz solar no seu interior, além de ser muito úmido e as máquinas e móveis abandonados de certa forma o faziam lembrar-se de sua própria casa, o Mundo dos Shinigamis.

   Portanto, havia passado o último ano procurando um lar apropriado, no qual ele pudesse deixá-lo e cumprir sua promessa que havia feito a Rose, de que cuidaria para que a criança crescesse sem limites, restrições e sem influência externas. A principio, pensou numa família, talvez um casal que não pudesse ter filhos, mas não conseguiu aceitar a imagem de uma mãe o criando, que não fosse Rose. Então, optou por um orfanato. No caso, ele teria a vantagem de que seria mais um, sem receber a atenção direta de um pai ou de ma mãe, podendo desenvolver sua própria personalidade, já por outro lado, poderia faltar-lhe incentivo para crescer. Isso quase o fez desistir da idéia de orfanato, até que encontrou a Wammy’s House.

    Acompanhou o dia a dia do orfanato durante meses até concluir que lá era definitivamente o lugar ideal. Havia sido idealizada e criada por um gênio inventor, reunia crianças com o QI muito acima da média e com talentos especiais. A respeito do seu pequeno pupilo, nada podia dizer sobre seu QI, mas de fato era dono de um talento mais do que especial.

   Naquele Natal, era planejado um presente para a Wammy’s House.

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 13.01.1987 – Terça-feira

[Orfanato Wammy’s House – Winchester, Hampshire – Inglaterra]

   “Para aqueles que decidiram brincar de “O Médico e o Monstro” –- deixo um verdadeiro presente – eu os observo, sei de vossas intenções. Esta criança é uma folha em branco, completa hoje três anos e desde que nasceu não entrou novamente em contato com humanos, e é a isso que se deve a incapacidade, que notarão, de falar, e não a uma possível mudez.

   Seu intelecto é potencial, sei que é isso que procuram e é disso que se trata meu presente. Mas é errôneo pensar que o deixo sem perspectivas. Continuarei a observá-los atentamente ao deixá-lo em vossas mãos – dou-lhes o arbítrio para moldá-lo, mas não para restringi-lo, tornem-no especial aos seus modos.

  Seus pais estão mortos, e há muito pensam que o bebê também – sua existência é desconhecida e não encontrarão registros anteriores.

   Por demais, seu nome. Neste caso não precisarão empenhar-se em seu estranho hábito de designar codinomes às suas crianças, acreditem. O seu próprio já desempenha o papel, e vai além da compreensão. Seu nome é Beyond Birthday. “

    Roger dobrou o papel após lê-lo diversas vezes. O que era aquilo? Quem havia deixado aquela criança ali?

- Seu nome está além do aniversário? – sibilou atônito – O que significa isso?

   Em inglês “His name is Beyond Birthday” – a última frase da carta – também pode significar “Seu nome está Além do Aniversário”.

- O que, Roger? O que estava escrito? – Margareth observava o menino de longe, admirada.

- Parece que alguém quer que fiquemos com ele, não tem assinatura. Mas não faz sentido, olhe... – Estendeu o pedaço de papel dobrado para mulher, sem desviar  seu olhar deste - Aqui diz que seu nome está além do aniversário, será que ainda manterão contato?

- Deixe-me ler – lançou um último olhar para o menino, que estava agora sentado no chão, e começou a ler.

   Os dois mantiveram-se em silêncio por longos minutos, Margareth parecia repetir o ritual de ler a carta diversas vezes, até que solta um longo suspiro.

- Bem, isso explica porque ele não fala – diz sem emoção, dando de ombros após colocar o papel sobre a mesa do diretor – E se fomos parar pra pensar, o nome deve ser Beyond Birthday, como está escrito aqui. É um ótimo codinome também.

- Não sei como consegue enxergar isso com tanta normalidade, Magge.

- É a melhor forma de se encarar as coisas nessa situação.

- O que quer dizer? – Roger parecia finalmente ter saído do estado de torpor em que estava.  Levantara-se de sua cadeira e andava em círculos pela sala.

- Que ficaremos com ele, claro.

- Mas o quê? Nós nem sabemos de onde veio! – Havia parado, as mãos segurando a cabeça, como se fosse cair a qualquer momento – Não podemos assumir a responsabilidade de uma criança que veio do nada. E essa história de que não teve contato com humanos? Um absurdo! Loucura!

- Vê outra opção pro comportamento dele? Roger, tanta coisa acontecendo por aí... Não podemos simplesmente ignorar. Também estou preocupada, mas... o que mais pode ser feito?

- Podemos encaminhá-lo para outro orfanato.

- E deixar passar assim? Quero dizer, o maior problema que passamos com as crianças daqui é o temperamento forte, e esse daqui... bem, como está escrito na carta, se parece mesmo com uma folha em branco.

- Isso é loucura...

- Loucura? Não parou ainda pra imaginar pelo o que essa criança pode ter passado?

- Como assim?

- Ah, Roger, às vezes você é tão superficial... Que explicação vê para uma criança de três anos que não fala e nem sabe o que é uma toalha? Nem gosto de tentar adivinhar. Mas fato é que , no mínimo, pais não tem, se tivesse não estaria assim, pelo menos algumas palavras diria.

- Tem razão, Margareth... mas eu não consigo imaginar nada, nem sei se quero.

- Quer saber o que eu acho?

- Diga.

- Ele deve ter sido usado como refém, algo assim, e foi descartado agora...

- Mais uma vez, não podemos assumir essa responsabilidade! E se alguém vier procurá-lo?

- Quem vai procurar isso, Roger? Acredita mesmo nisso?

   O homem, ao invés de responder a pergunta que lhe havia sido feita, se dirige em direção a criança, ficando de cócoras diante dela.

- Diga algo, meu rapaz, qualquer coisa. 

   No entanto , ela permaneceu  sentada, sustentando o mesmo ar apático e fixando seus olhos no homem a sua frente.

- Que cabeça dura. Não se preocupe, Roger... Tenho certeza que depois que fizemos o nosso registro dele, ninguém nunca mais o achará, assim como qualquer outra criança aqui dentro. E no mais, ainda temos L. Podemos pedir ao Watari para que os dois façam uma busca sobre ele...  sobre alguma criança desaparecida três anos atrás.

- Não vejo necessidade em ocupá-los com uma história maluca dessa.

- Ah não? Então concorda em seguir o procedimento de sempre, certo? – Margareth levantou-se, indo até Roger e pousando sua mão direita no ombro do homem.

- Eu não acredito que vamos registrar uma criança deixada a nossa porta! Como se fossemos uma instituição qualquer... -  falava baixo, uma das mãos tampando a boca, estava claramente exasperado.

- Será que terei que ser rude e lhe lembrar que Watari designou a mim o papel de selecionar as crianças pra este lugar, Roger? Você pode ser o diretor, mas esse papel é meu.

- Isso é um absurdo, um absurdo!

- Já o ouvi dizendo isso hoje, Roger. Acalme-se.

- Acalmar-me? – Levantou-se bruscamente, ignorando a mão em seu ombro – Vá, leve esse pobre infeliz contigo. Não quero ser perturbado por ele, não enquanto não tiver modos de gente, me entende?

- Sim – Assentiu, contentava-se com essa aprovação, por enquanto.

- E trate de arranjar um nome decente para ele. Deixe na minha mesa amanhã para que eu faça os registros.

   Margareth pegou o menino, que não relutou, no colo e saiu pela porta que continuava aberta, sem mencionar palavra.

“Ele já tem um nome, Roger. Beyond Birthday” De certa forma ela não podia deixar de concordar que tal peculiar nome não deixava de combinar com o menino.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

[Prólogo]
Opa, me desculpem a demora pra postar o segundo capítulo.
Esse ficou bem sem graça, na minha opinião, mas foi feito só pra não ficar um buraco enorme, do tipo "Como que o Beyond foi parar na Wammy's House, Jesus?".
Lehkuit é um shinigami bem diferente do Ryuuku, é engraçado tentar prever como ele agiria.
Tomara que gostem do que saiu e prometo que o próximo vai ser bem mais interessante...
Mas de qualquer forma, Reviews para uma ficwriter carente T_T