Além do Carmesim escrita por bruna carmim


Capítulo 1
Além do Nascimento




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13.01.1984 – Sexta Feira

[Ashurst Hospital - New Forest Birth Center – Southampton, Hampshire  - Inglaterra]

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   O pequeno sentiu algo lhe puxar pelas pernas. Resistiu, mas a força a qual era submetido era anormalmente poderosa.

    O que era aquilo que perturbava sua paz? Lembrava-se de estar ali naquele lugar desde sempre. Simplesmente desde sempre. E agora essa coisa, essa força paranormal, tentava tirá-lo dalí.

  E conseguia.

  Seu corpo tinha espasmos involuntários diante da enorme dor que sentiu ao sair de lá. Não era mais ali, e sim . Admitir essa idéia foi a causa do seu primeiro sentimento: pavor. O primeiro, o maior, o mais abrasador. Era pior que o frio repentino. Pior do que aquela maldita dor que não cessava. Puxava o ar para dentro de seus pulmões e lá vinha ela, queimando cada célula que atingia do seu corpo uma a uma... Pior também que o incomodo que os primeiros pontos de luz causavam em seus olhos negros. Fechava-os desesperadamente, com o intuito de fugir, de afastar-se daquele pesadelo repentino.

   Pavor, pavor. Mas não chorava. De certa forma, aquela coisinha estranha, vermelha e quente, ainda estava com ele, mesmo que já não estivesse mais . Era algo tão confortante que não conseguia chorar. Riria, se soubesse como.

- Meu bebê! O que fizeram com meu bebê? Porque não chora?! – Uma mulher gritava ao fundo. Sua prole não entendia o que dizia, mas compreendia o desespero em sua voz, podia sentir a dificuldade em proferir aquelas palavras, como se o esforço fosse de si mesmo.

  Pah. Alguém batia em suas costas. Um tapinha fraco, bem fraco, na verdade. Mas ele não sabia o significado disso também. Encarou como sendo mais uma parte daquela tortura a qual era submetido. O ar dentro de si não ardia mais, então aspirou-o com força, e sentiu aquele cheiro ferroso invadi-lo, tão doce, tão familiar, porem manteve-se impassível.

- PORQUE ELE NÃO CHORA?! Lehkuit, veja o tempo de vida dele!

  O shinigami, que estava até então ajoelhado ao lado da mulher, aproximou-se da equipe médica, à procura da criança. Estava lá, seu longo tempo de vida. Via também que o recém-nascido se mexia.

- Está lá, Rose. Fique calma.

- Ficar CALMA? Ande, Lehkuit. Dê a ele... Dê a ele... – Sua voz ficava cada vez mais fraca. O velho shinigami também via seu tempo de vida. Pendia a zero. Sua vontade era ficar com ela até o último segundo, mas precisava cumprir sua promessa.

- Não sei se irá funcionar... – Ele disse à mulher em leito de morte enquanto assistia uma das enfermeiras buscar uma tesoura. Sabia que o tempo dela estava acabando. Atravessou os médicos, e como se fosse um fantasma postou-se à frente do que segurava a criança, estendendo a mão para aquela pequena massa de carne ensangüentada. Seus olhos estavam arregalados. Nunca havia visto um recém nascido, mas nunca imaginara que fosse ter um olhar tão apavorado. Experimentou um sentimento angustiante. Pena? Pesar? Nem sabia que sua raça poderia sentir tal coisa. Mas não se surpreendeu, era o filho de Rose. O filho de sua querida Rose, fadado àquele destino cruel. Mas era uma promessa.

   Fitou aqueles olhos, ainda com a mão estendida.

   Os pequenos olhos negros fecharam-se durante uma pequena parte de um segundo.

    E por fim, abriram-se novamente. Olhos vermelhos.

    O Shinigami levantou levemente sua cabeça, checando aonde deveria estar escrito o tempo de vida da criança. Fora reduzido.

- Funcionou, Rose... – Disse, com um suspiro, dando as costas para a criança e voltando-se para a mãe.

- Funcionou? Oh, eu sabia... – O suor encharcando seus cabelos. Os olhos vermelhos, como os de seu bebê. – Não, não olhe para mim... Fique com ele, Lehkuit. Fique com meu bebê...

- Pobre mulher, está delirando – A enfermeira com a tesoura se aproximava, passou a mão pelos cabelos de Rose, antes de entregar o instrumento a um médico. Este prontamente cortou o cordão umbilical que unia mãe e filho.

- Levem o bebê daqui, precisamos cuidar da mãe. Temo que não vá sobreviver... Pobre criança - Entregou-o a mesma enfermeira, que cobriu-o com um pano branco.

  A criança foi levada para uma salinha adjacente, ainda totalmente calada, para o espanto da equipe médica. Outras enfermeiras a esperavam lá, para limpá-la. Com o mesmo pano que o haviam envolvido, tiraram o excesso de sangue.

Tiraram seu último consolo, o afastaram daquele cheiro amistoso, arranharam sua pele com o algodão grosso. E por fim, ouviram-no chorar.

  E o shinigami, que insistentemente havia ficado na sala com sua mãe, também chorou, ao ver Rose fechar seus olhos, o nome acima de sua cabeça sumir, junto com o único número que restava abaixo dele.

  Um choro alto e desesperado. O outro silencioso e...


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[Flashback]

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13.05.1983 – Sexta Feira

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- Seu tempo de vida está acabando, Rose, eu disse que não deveria ter pedido pelos olhos.

- Ora, Lehkuit, não seja bobo! Sabe que tudo ficou muito mais interessante depois que os consegui. Não me importa em ter só mais alguns anos, se for para vivê-los assim.

  O shinigami suspirou, como ela era vivaz! Quantos anos tinha? 20? 21? Ainda muito jovem, o que agravava mais ainda sua tristeza ao ver seu tempo de vida caminhar para o fim, dia após dia – Não são anos, Rose. São meses.

- Meses?! – Não imaginava aquilo, em outra situação, provavelmente entraria em desespero, mas não queria deixar transparecer a sua preocupação. Respirou fundo e tentou forçar um sorriso – Por que não me disse antes? Preciso me programar melhor, então!

- Se programar?

- Sim, tenho certeza que algo além, muito magistral, me aguarda.

- Engraçado como você pensa no fim. Todos os humanos que acompanhei até agora não imaginaram nada além do fim da linha.

- Fim da linha, é?

- Sim, eu já lhe avisei, depois da morte, nada além.

- Não acredito nessa de nada além. A morte deve ser só mais um estágio, desses que se deve comemorar um ano após. Faz algum sentido dizer ‘nada além do casamento’, ‘nada além do nascimento’?

- Não.

- Então ponto. Também não faz sentido dizer ‘nada além da morte’.

- Melhor que pense assim. O que vai fazer?

- Bem, depois que pedi por seus olhos, tentei fazer tudo que deve ser feito em uma vida, como se fosse morrer no dia seguinte... Digamos que isso é o que deve ter me feito chegar até aqui assim, feliz. Eu era uma debutante, se lembra?

- Claro. Você e seu vestido azul.

- E seu presente de aniversário. O melhor de todos... – Ambos permaneceram em silêncio. Rose deitada na cama espaçosa de seu quarto, o shinigami sentado ao seu lado. Digno de um filme de horror, se não fosse claro o sentimento amoroso que unia os dois – Mas parece que ainda me resta tanta coisa a fazer...

- Se no dia –interrompeu-a – eu puder descobrir o que vai acontecer... Ah, Rose! Você está tão saudável! Se no dia parecer que vai acontecer algo a você, se forem te machucar... eu posso te salvar! Esse seu marido, tem algo estranho nele! Se ele tentar te matar, Rose... eu coloco o nome dele no caderno!

- Hahaha! – Riu sinceramente – Ciúmes, Lehkuit? Tenho certeza que Ricky jamais me faria algo de mau.

- Mas ele não te ama.

- E nem eu a ele, somos dois desgraçados.

- Então por que se casou?

- Não sei... Como disse, quis fazer tudo o mais rápido o possível. E ele não me parece de todo ruim, talvez fosse a melhor coisa que eu conseguiria em tão pouco tempo...

- Não pensa em se livrar dele? Talvez vivesse melhor seus últimos dias...

- Sim.

- Sim? Oh, Rose! Então vamos fazê-lo! Eu posso dar um fim nele agora, se quiser – Estava extasiado, em um piscar de olhos, havia tirado seu Death Note sabe-se lá daonde, e o abanava alegremente na frente do rosto da mulher.

- Você mataria Richard para mim, Lehkuit?

- Eu já não disse que sim, Rose?! – Abria o caderno quando o teve roubado por ela.

- Espere, espere, não seja afoito! Nunca o vi usar essa coisa...

- É só escrever o nome e como se quer que a pessoa morra. Mas não vou deixar que você escreva – Puxou-o de volta.

- Hum... tudo bem. Mas não pense que simplesmente quero matá-lo por matar. Ele ainda é meu marido e...

- Não me faça querer acreditar nisso – Interrompeu-a, pegando um pedaço da pizza que esfriava em cima da mesa – Me diga o que quer. Quer que eu lhe dê algo em troca?

- Ah, não, Lehkuit! Eu só estava pensando... até que ponto se pode controlar a morte, usando o caderno?

- Não sei. Usei-o tão poucas vezes... Apenas para manter a mim mesmo vivo. Não sei, só testando.

- Bem, é que tem uma coisa que venho tentando há muito tempo, desde que casei... – abaixava o tom de voz lentamente – Talvez eu fosse o problema, não sei. Mas não posso deixar de pensar que talvez o culpado fosse Richard – Foi até a mesa e pegou um pedaço de pizza, com a desculpa de ganhar tempo antes de continuar a falar - Eu queria ser mãe antes de morrer, Lehkuit.

- Mãe? Em outra situação eu diria ‘Tão cedo?’, mas você não cabe mais nesse meu julgamento...

- Você me compreende, não é? – Colocou o pedaço de pizza de volta à caixa, a verdade é que lhe faltava ânimo para comer.

- Acho que sim. Mas ainda pensa dessa forma agora? Quero dizer, caso consiga engravidar a tempo, você não vai poder criá-la...

- Eu já estou grávida, Lehkuit, não tem mais volta.

- Claro que tem! Você pode tirar e...

- Tirar? Mas é claro que não. Se há algo que pode garantir o meu ‘além da morte’, é ele... – Encostada na mesa, passou a mão vagarosamente pela própria barriga, desenhando círculos. Seria uma típica e bela imagem maternal, não fosse o Shinigami se aproximar e repetir o gesto.

- Então você quer que eu mate seu marido quando a criança já estiver criada, é isso?

- Não! Ao contrário! O que eu menos quero é que meu bebê seja criado pelo Richard. Quero que ele seja especial, que possa tomar suas próprias decisões... sem a influência de um advogado de mente fechada.

   Lehkuit observou-a em silêncio. A pálida mulher a sua frente era detentora de seu Death Note, embora, por decisão de si própria, e com total apoio do shinigami, só mantivesse o direito de propriedade para que ele pudesse permanecer no mundo dos humanos. Jamais o usara nem pedira que ele o fizesse, até então. E não era necessária aquela dezena de anos de convivência, nem mesmo fitar os olhos avermelhados à sua frente para perceber que algo esplêndido, mórbido e inimaginável estava a ser planejado. Os dois haviam apresentado fatos eminentes e imprevistos para o outro, que transformavam seus anseios, seus planos. Um nascimento, uma morte – um começo e um fim.

- Eu não acho que o filho seja de Richard – Disse cautelosamente, como quem interrompia um discurso – Pra ser sincera, como achava que ele era incapaz de me dar um filho, comecei a sair com pessoas completamente aleatórias. Não me olhe assim, como se não houvesse percebido!  Como tudo que faço, e você bem sabe disso, há um porquê. Já vem acontecendo há quase um ano... Então não faço idéia de quem seja o pai, Lehkuit. E quanto melhor assim – Tentou depositar o máximo de convicção em cada palavra, para impedir qualquer contra-argumento que pudesse vir do shinigami.

- Rose...

- Eu quero que você mate Richard se, somente se, ocorrer tudo bem com o nascimento da criança. Entende o que eu digo, Lenkuit? Veja o seu jeito de parecer tudo o mais natural possível.

- Sim – Apenas concordava, sempre buscando seu olhar, que lhe era recusado.

- E... – cada palavra parecia um mártir eterno para ela, pronunciava cada uma com cautela e sofrimento, soavam como suspiros de um moribundo – quando eu me for, você pegará meu bebê? Você o levará pra longe de toda essa gente imunda? Dará um jeito pra que ele possa crescer e ser ele mesmo?

- O que? Como assim, Rose?

- Não sei! Faça-me uma promessa, uma surpresa!

     O shinigami percebeu uma brusca mudança de humor na mulher. Seu primeiro intuito foi de retrucar “Você não vai viver para ver surpresa alguma”, mas acabou por concordar. Se passasse uma falsa descontração, talvez conseguisse incentivar os sorrisos a retomarem aqueles lábios – Sim, Rose.

 

[Fim do Flashback]
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Sim, Rose

  Quantas vezes não havia dito isso, por mais que fosse contra suas convicções? Somente para agradá-la, para ver aquele sorriso adorado, ainda um pouco amarelo.

  Havia dito ‘sim’ até mesmo para aquela maldita troca dos olhos, não só a do bebê, mas a dela também.

  Fora essa obediência impensada, quase desalmada, a responsável pelo seu fim precoce.

Ela estava predestinada a ir daquele jeito desde então, agora ele entendia. Não havia nada que ele pudesse ter feito, afinal. E no fim, podia jurar tê-la visto sorrir.  E ele chorava. Não sabia que os Deuses da Morte podiam chorar.

  Mas o amor corrói. Em todas as suas facetas, o amor corrói. Fazia-os chorar, podia até mesmo transformá-los em pó. Diante do amor até mesmo os Deuses da Morte têm o seu fim.

   O pesar e o sentimento de insuficiência, de incapacidade, que estava sentindo era a pior coisa até então. Havia passado cada um dos últimos dias ao lado dela, disposto a dar sua vida, a enviar um possível agressor, assassino, para o inferno ou onde quer que fosse.

   Havia dito seu último ‘sim’ para ela e sua prole. “Acha que consegue dar os olhos a ele assim que nascer? Quero que ele os tenha como inatos, que jamais consiga imaginar como seria o mundo sem eles. Acha que consegue, Lehkuit?”. Sim. Tinha certeza que nada parecido havia sido feito antes, mas sim. Como sempre, sim. Uma vez que mãe e filho estivessem ainda ligados pelo cordão umbilical, talvez fosse possível, já que eram um só. Mas para ela, Lehkuit sempre tratava de transformar todos os ‘talvez’ em ‘sim’.

   Agora assistia a equipe médica circundar o corpo de sua querida Rose, apenas uma enfermeira continuava a zelar pelo bebê naquele pequeno cômodo branco. Ela mesma terminou de limpá-lo, embora isso fizesse com que ele chorasse mais ainda, sua expressão mantinha-se imutável. Após limpá-lo, ergue-o no ar, como se o entregasse à mãos invisíveis.

   “Mãe e filho não sobreviveram ao parto”, é o que diriam “o corpo do bebê foi descartado devido ao seu estado lamentável”. E eles também seriam descartados. Levados pelas teias impiedosas do destino, na próxima sexta toda a equipe médica sairia param um Happy Hour, comemorar o fim do plantão. Na volta, todos de carona com o médico chefe, que não dera sinais notáveis de sua embriaguez, sofreriam um terrível acidente que os levaria a vida.

   Após fazer esta singela anotação em seu caderno, abraçou a criança como pode e levantou vôo. Era tarde da noite e as ruas estavam completamente vazias, não que isso mudasse algo. Sua natureza tétrica o dava certas habilidades como a de se ser invisível, assim como qualquer coisa que portasse, a todos que não tocassem seu caderno. Isso, somado ao fato que também poderia optar se seriam tangíveis ou não, tornava seu vôo tranqüilo quanto a esse aspecto. Mesmo assim, inquietou-se diante de tanta calmaria. Mais uma vez lembrou-se da noite em que Rose havia contado sobre sua gravidez, e feito os planos os quais ele estava colocando em prática agora. O vento forte, as ruas vazias, a atmosfera pesada... E na próxima sexta, daqui há exatos sete dias, não haveria testemunhas do acontecido.

    Os planos de Rose estavam como o premeditado.

    E ainda há o 13. Teria ela planejado isso também? Tanto aquela noite quanto esta são regidas pela sexta. A sexta 13, sabia das superstições humanas a respeito desta data, e amargamente admitia que estava começando acreditar nelas, seja nas boas ou  ruins.

 

 


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Notas finais do capítulo

[Prólogo]

. Próximo capítulo está em andamento, serão os primeiros anos de BB resumidos e sua entrada na Wammy's House.
. A data de nascimento de L é 31.10.1979, essa é uma informação oficial. Deste ponto presumi aceitável que BB tenha nascido em 13.01. Se forem pesquisar, 13.01.1984 realmente foi uma sexta feira =o
. Se leu, tendo gostado ou não, deixe review, por favor =D