Círculo das Ruas escrita por Marykelly


Capítulo 2
Zona de Segurança


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, andei fazendo algumas pesquisas sobre os locais de los Angeles que se passariam os acontecimentos, por isso demorou um pouco. Mas o cap. está bem grandinho.

Boa leitura :)



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Mantenho certa distancia entre os meus pés e espero que a música do meu iPod comece, inspiro profundo e escuto as primeiras notas da música, assim que inicia eu levantando os braços acima da cabeça e começo a agitar meu quadril seguindo o ritmo das batidas com movimentos sinuosos. Sigo sem nenhuma coreografia ensaiada; apenas deixando que a música incite meus movimentos. Deixo que cada trecho me mostre o que cabe naquele momento. Levanto uma das pernas, dobrando-a e dou um giro ao redor de mim. Agacho-me esticando minha perna direita para o lado e uso as mãos como apoio para não acabar tombando. Levanto-me lentamente arrastando a ponta da bota pelo chão. Salto pelo quarto, fazendo um arco com meu braço. Viro-me e inclino minhas costas para trás curvando-as até onde posso. Retorno, pegando impulso, e jogo minha cabeça para o lado, sinto os fios do meu cabelo arranhando a pele do meu rosto pela velocidade dos movimentos. Eu mal consigo respirar depois de algum tempo dançando, mas tudo o que eu penso é no prazer se espalhando por cada parte do meu corpo, dando-me energia. Sinto-me livre. Forte. Como se pudesse fazer qualquer coisa que quisesse.

Fazer isso na frente de várias pessoas deve ser aterrorizante. 

Não avaliei a cadeira no canto do quarto como um obstáculo, mas me fez tropeçar e cair de bunda no chão.

Agora mais do que nunca meu quarto parecia minúsculo para os meus planos. Teria que servir por mais alguns dias.

Levanto-me, analisando se não quebrei nada, e ando até a varanda. Observar a paisagem da janela do meu quarto me trazia grande conforto. Um pequena - quase imperceptível - sensação de liberdade.

Alguns metros abaixo estava uma parte do jardim. Uma arvore grande e frondosa, e ao redor algumas mesas e cadeiras delicadas, logo após vinha uma grande de área verde. Um pequeno bosque. E um pouco mais além, os arranha-céus do Centro de LA.

Se fechar os olhos e me concentrar, juro que é como se pudesse ouvir o barulho dos carros no centro da cidade..



Em alguns surtos de adrenalina eu resolvia fugir de casa, por algumas horas, e andar pelas ruas. Ultimamente tem ficado cada vez mais difícil sair se ser notada. 


Percebo alguns movimentos estranhos pelo jardim, e tento focar a visão para descobrir algo, não posso vê-los, mas sei que estão ali. Seguranças. Sempre na espreita. Minha mãe aparece no meu campo de visão,andando pelo jardim em direção à tenda. Ela se senta numa das poltronas e em seguida olha na minha direção.





Droga.


Não pode ser coisa boa.

Espero uns segundos e depois desço para encontra-la.


***



– É o seu preferido, de limão. Pegue – ela me oferece um dos copos de chá gelado. Ela era tão diferente de mim, seus cabelos negros em contraste contra a pele pálida demais. Iguais os das minhas irmãs. Muito muito diferentes dos meus.

. Ela me fitavou por alguns minutos, com uma expressão dura.

– o que? – Perguntei finalmente, piscando levemente os cílios. 

– Tudo que eu não quero é lhe deixar acuada. Porém... você tem que saber que o numero de violentados inocentes está ficando assustadoramente maior. E você sabe o que quero dizer. – Assenti, observando seu semblante preocupado.

Sim. Os batos. 

A gangue dos Algoz. Com suas bandanas vermelhas em torno do pulso, e sua marcha silenciosa e cruel espalhando terror pela cidade.

Mas eram só boatos. Não era?

O que me surpreendeu foi que minha mãe resolveu finalmente falar algo sobre. Geralmente eram suas habituais respostas evasivas.

– E o que mais?

– Por que não começa falando o motivo de ter saído escondida? – incitou.

Recostei-me na poltrona, bebendo todo o conteúdo do copo.

– Isso não tem importância pra você. – falei as pressas, na esperança de mudar de assunto. Só depois percebi o que havia dito e a reação da minha mãe ao ouvi-las, ela obviamente não entendeu o que eu quis dizer e agiu como se tivesse levado um soco no estomago. Eu a tinha magoado? 

Como contaria a ela?

Não que ela fosse dramática e opressora que me forçaria a seguir i que ela dissesse. Na verdade ela era dramática, sim, mas não opressora. 

A situação era mais algo como... "Oi, pai e mãe. Sei que vocês tem uma reputação a zelar com a nossa família, mas vou estragar isso. Desculpem."


Droga.





Isso era horrível.


***

Ela ficou paralisada com os braços cruzados e respirando fundo... como se já esperasse por aquilo. Não magoada. Não brava. Mas apenas conformada, não devia ter sido tão ruim assim, ela parecia quase... satisfeita.

– Achei que você soubesse que pode confiar na sua família. – Resmunga.


– Eu confio. Só pensava em manter isso... pra mim. Pelo menos até saber como me sairia. Mas... eu não sou boa o suficiente. Eu... preciso de ajuda.

Finalmente me  senti livre de um enorme peso.

Seus olhos zuis me fuzilaram numa expressão dura, como se ela tivesse titubeando sobre algo. E enfim entrando em acordo consigo mesma.

– Espere aqui, eu já volto. – Ela se levanta com um pequeno sorriso no rosto e caminha em direção à casa.

Sinto um alivio ao perceber que ela está do meu lado, mesmo com a sensação estranha de ter parecido... fácil demais.

Devia ser só paranoia minha.


– O que é isso? – Pergunto, quando ela me entrega, hesitante, um pedaço de papel rasgado.

– É um lugar que você gostará muito de conhecer. Ao chegar lá pergunte por Margaret, ela lhe dará uma atenção especial.  Quando fez menção de se retirar, eu a chamei.





– Obrigada, isso, com certeza, é tão importante pra você quanto é pra mim. – murmuro, suspirando.





Ela assente, distraída, e depois vai embora.


Mas que diabos?



***

Sentada no banco de trás do carro, não pude deixar de pesquisar sobre o endereço, no Google. Ficava em Crenshaw, no Sul de LA, numa área pouco arborizada e, aparentemente, pouco habitada. Não havia nada de interessante no prédio. Na verdade era bem discreto. Baixinho e extenso, com a tintura desgastada pelo tempo. Quando cheguei o lugar parecia estar vazio, sem nenhum carro estacionado, mas assim que me aproximei da porta ouvi som de música. 

O balcão de recepção estava vazio e no lado direito havia um largo corredor.

 O corredor era repleto de quadros antigos alternados por janelas igualmente antigas. A música vinha do final do dele, me aproximei e pude ver um grande salão, com piso de madeira e espelhos na parede.

Assim que consigo uma visão mais ampla do salão, meu queixo cai. Arregalo os olhos, confusa e assustada,sem um mínimo de ação. Tento entender o que estava se passando. Pensando se seria necessário correr e chamar a policia. Ou só sair correndo e gritando.





As pessoas estavam se matando.


***








Ah! Olá, seja bem-vinda. Entre! Em que posso ajuda-la? – Disse uma mulher de meia idade quando me viu, até então ela olhava tudo aquilo com um sorriso no rosto. Ela usava roupas totalmente coloridas, o que não ajudou muito a vê-la como uma pessoa normal. Quando andou na minha direção eu instintivamente dei alguns passos para trás.

Ela seria uma psicopata ou algo parecido.

– Veio participar das aulas, eu creio.

– O que ? – Olho de relance para o grupo de pessoas se atracando no salão. – Ah, não, não. Eu devo ter errado o endereço. Desculpe. – Dei meia volta para sair daquele local, a minha mãe deve ter escrito errado. Era a única explicação.






– Espere, quem procura? – Viro-me novamente para falar com ela.

– Ah, eu não sei bem... 

– Deixe que eu me apresente. Meu nome é Margaret Venerin, sou a professora!

Ah meu Deus. Era ela.








Tudo bem. Eu poderia simplesmente dizer que não era a pessoa que procurava e ir embora. Mas... o que haveria aqui que me ajudaria?


Sorrio para ela e me apresento também.

Castan? Eu já ouvi esse sobrenome.

– Sim. São meus pais. Ah... a minha mãe me deu esse endereço, disse que a senhora me ajudaria e....

– Santo Deus! Mas é claro! Criança, mas é claro que ajudaria. Venha, entre! – Ela me puxou pelo braço e eu fui meio que cambaleando para dentro do salão. Andei hesitante enquanto cerca de 10 pessoas tentavam matar umas as outras.

– O... o que exatamente eles estão fazendo? – Paramos perto da janela e eu não pude evitar perguntar, queria que ela me respondesse por que eles estavam fazendo aquilo. Ela olhou para as pessoas no salão como se finalmente reparasse na minha surpresa.

– Ah, querida, não precisa se assustar – Ela fez um sinal com as mão como quem diz “não é nada demais”, ao mesmo tempo em que um garoto foi lançado pelo chão e parou próximo aos meus pés. – Eles só estão descarregando a tensão de uma semana estressante. Depois é que começa a diversão, e eles dançam. Leves, relaxados. 

– Não é meio que impossível agir dessa forma, tão... – Deixo a frase no ar, sem achar algo que os denominasse. – e logo depois dançar? – Arregalei os meus olhos assim que vi uma garota esganando outra.

– Natália! Não pode esganar seu parceiro de dança. Está bem, chega de aquecimento. – Ela se voltou para mim novamente com um sorriso no rosto começou a me conduzir para fora do salão. Atravessamos o corredor e sentamos numas das poltronas da entrada. – Agora, conte-me tudo. Como está sua mãe? Deus! Faz anos desde que a vi pela última vez.

Pergunto-me se esses anos que não se veem teria tirado da minha mãe a consciência de que Margaret tinha algum problema. Ou se os anos a tornaram assim e minha mãe não fazia ideia de nada. De qualquer forma... responderia suas perguntas das formas mais evasivas possíveis e iria embora dali.

Comecei com frases curtas, à medida que ela ia perguntando, fui falando quase que automaticamente, ela parecia conhecer bastante meus pais.

Ela deve percebido que eu estava receosa em falar, pois pediu desculpas pelo interrogatório.

– Como minha mãe a conheceu? – Questionei, tentando por fim à pulga atras da orelha.

– Nós duas éramos... bem próximas. Huh. Trabalhamos juntas na verdade. – Ela piscou algumas vezes, enquanto falava. E, quando percebeu que eu a olhava estranhamente decidiu por esclarecer – Isso foi há muito tempo, sabe? Algumas pesquisas de campo. Eu ficava horas olhando o trabalho dela, era incrível.

– Ahm.... hm... Bem. E você saiu? Por que está aqui? – Questionei, intrigada pelo fato de Margaret ter preferido estar dando aulas de dança do que em um laboratório de pesquisa ou algo do gênero.

O peso na consciência caiu em mim como uma bomba, sentindo-me abatida pelo que havia acabado de pensar.

"Margaret ter preferido estar dando aulas de dança do que em um laboratório de pesquisa ou algo do gênero"

Como fazer algo que nem eu mesmo considero?

– Desculpa, eu não devia... me levanto, decepcionada, pronta para ir embora. Eu devia saber.

– Não, não! Tudo bem. Isso... é a minha vida Abby – cravo as umas nas minhas mãos, para não gritar de frustração. Margaret notou que eu não a escutava mais, pois tocou meu braço e fez com que eu me sentasse de novo. Eu te disse que ficava maravilhada vendo sua mãe trabalhar, mas não era pelo trabalho, era pela paixão dela por aquilo, e... eu percebi que não tinha o mesmo, isso.... isso aqui sim, eu sinto o mesmo que ela, aqui. Demorou um pouco mas eu finalmente me encontrei. – Ela sorriu, um sorriso tão perto e verdadeiro que me fez sorrir um pouco também, eu conhecia bem aquilo.

Ela sorriu como uma criança quando contei o motivo de estar ali.

– Ah! Suas aulas podem começar amanhã mesmo. Eu estou disposta a te ajudar no que for necessário. Pode ter certeza.

Ass pessoas que estavam no salão começaram a passar por nós e irem embora, eufóricas e sorridentes. Não os observei por muito tempo, mas pude ver alguns rostos bem mal encarados. Fitei a senhora que estava ao meu lado por um estante e falei:

– Não quero que me entenda mal...  Margaret. – Ela assentiu, piscando os olhos – Eu... eu adorei conhecer você. Mas tenho certeza que esse tipo de... método, não é para mim. – Ela me encara até que não possa mais sustentar seu olhar e desvie o meu. Será que eu havia falado besteira?

– Pode fazer uma coisa para mim? – Disse, colocando os fios de cabelos, castanhos, soltos atras da orelha.

– ah... sim.

– Se não for pedir muito, venha aqui novamente. Espere. – ela falou quando eu fiz menção de interrompê-la. – Apenas venha assistir. Se mesmo depois de vê-los você não quiser minha ajuda, eu a deixarei ir. Você veio aqui com um propósito. Então... de-me uma chance. Não terá nada a perder.


– Está bem, eu virei. – Disse, depois de um momento em silencio.– Mas não participarei. Se não acabarei esmagada por um deles.

Margaret riu e depois se levantou. Levantei-me também, pois aparentemente era a hora de ir embora. – Ótimo querida, vejo você amanhã então. Já estou bastante ansiosa. Há tempos não tenho uma aluna nova.

– Ah, certo. Bem... eu já vou indo. Obrigada. Até amanhã então. – gaguejei, engolindo qualquer contestamento com o "Aluna".

– Até. – ouvi Margaret dizer enquanto já passava pela porta e descia os degraus.


***


Fui caminhando pelas calçadas do Crenshaw, se havia lojas, ou quaisquer outros estabelecimentos, estavam todos fechados. E nem era feriado. Depois de alguns quarteirões, não havia muitas residencias descentes, pareciam quase iguais. Como grandes solitárias de uma penitenciária.

Decido enfim ligar para o Arnoldo, ele não devia estar muito longe.

Ele está bastante contrariado por eu ter saído do prédio. 









 Se algum gangster me visse aqui com certeza seria o meu fim.

oh.

 Distraio-me com os símbolos estranhos pintados na janela de um galpão, tentando decifra-los. Os rabiscos foram feitos com tinha de um vermelho semelhante dos tijolos de que o galpão é feito. Sigo a trilha de figuras pela janela e paro bruscamente quando vejo um símbolo conhecido numa das janelas. Uma mão em punho, sangrando e logo abaixo o nome que os designa, o nome que há algum tempo eu já ouço


Algoz.

Eu poderia não saber de muita coisa sobre eles, mas sabia reconhecer uma marcação de local quando via uma.


Levo um sobressalto ao ouvir ruídos de vozes e gritos vindos da porta do galpão. Não tenho tempo de entender o que era, pois assim que olho para a porta sou atingida por algo com tanta força que o impacto me faz cair no chão e apagar completamente.

 










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Notas finais do capítulo

Parece que as coisas ficaram feias. O que será da Abby agora?

Gostaram? Gente... Tentarei ser mais rápida, mas terei que fazer outras pesquisas também.

:D Até a próxima.



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