Depois Da Meia-noite escrita por MiuMiu


Capítulo 1
Paz


Notas iniciais do capítulo

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.(A Hora da Estrela)- Clarice Lispector



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/362500/chapter/1

Sempre pensei no dia em que isso terminaria, noites de gala, desfiles e concursos de Miss, desde criança minha mãe criou esse mundo superficial e louco, não, eu não quero mais tirar fotos, dar autógrafos ou simplesmente fingir estar feliz, por que tenho que ter essa obrigação? Nas circunstancias em que me encontro o melhor é botar tudo para fora, no sentido mais literal e nojento da palavra, minha mãe fala que eu estou gorda e se eu vomitar vai me ajudar a emagrecer, e era o que eu estava fazendo até alguém bater na porta do banheiro

–Filha, o fotografo já está impaciente, vamos logo- Ouvi minha mãe enquanto ela batia insistente e irritantemente na porta, limpei a boca com a palma da minha mão direita, fechei o sanitário e puxei a corda da descarga, resolvi sair antes que a porta caísse no chão com tantas batidas

–Lux, se apresse- Ela pedia

–Estou aqui- Falei com raiva enquanto abria a porta, minha mãe estava linda naquele vestido de cetim azul-claro, seu cabelo ruivo era curto e brilhoso, ela tinha pele clara e belos olhos verdes, sua idade era 39 anos, mas ela aparentava ter uns 28, lavei minhas mãos e me olhei no espelho, mamãe abriu um sorriso para mim, mas eu ignorei, fui direto para a sala de maquiagem, enquanto andava eu tentava abaixar mais meu vestido de cor prata curto com paetês, porém minhas coxas eram muito grossas, eu me sentia como uma mercadoria prestes a ser vendida... Será que eu era isso? Quando cheguei à sala Beatrix, Lola e Melanie respectivamente minha cabeleireira, minha maquiadora e minha manicure/pedicure estavam lá

–Olá... Beatrix e Melanie, o que estão fazendo aqui?- Perguntei. Essa não era a sala de trabalho delas

–Fofocando- Atualizou Lola, eu tive que rir, elas eram umas das únicas pessoas que me faziam sorrir, principalmente agora depois da morte do Aaron, Beatrix Lidwine tem 25 anos, seu cabelo curto era rosa, isso mesmo, rosa! Tão lindo que eu também sentia vontade de ter meu cabelo dessa cor, seus olhos eram turvamente cinzentos e sua pele era clara, ela se casou aos 18 por que estava grávida e se separou aos 22, atualmente está namorando um milionário que é dono de vários cassinos em Las Vegas. Lola Salomon tem 20 anos e é maquiadora profissional desde os 14 anos, o cabelo dela era liso, muito comprido, tinha uma cor entre loiro-escuro e castanho-claro, sua pele era branca e suas bochechas eram bem rosadas, apesar de aparentar ser de bem com a vida está passando por um momento difícil, pois seu irmão mais novo está internado em um hospital sofrendo com leucemia, me dava vontade de chorar só de pensar. Melanie Leone é a pessoa mais positiva e otimista que eu conheço, são pessoas assim que eu quero por perto, não para receber conselhos, mas para observar o que as fazem felizes, ela tem 34 anos e namora o mesmo cara desde os 18 anos, mas ele nunca a pediu em casamento, isso é tão desesperador e injusto, a Mel é como uma jóia rara, ela é extrovertida, animada, sexy, sociável, inteligente, carinhosa, culta e bonita, ou seja, tudo o que um homem quer como esposa, sua pele era morena, seus cabelos eram belos cachos pretos da mesma cor de seus grandes e chamativos olhos

–Vamos logo, minha mãe esta toda animadinha hoje, ela sabe o quanto isso me irrita- Desabafei, Lola pareceu entender, apenas assentiu com a cabeça e fez um gesto com a mão para eu sentar em sua cadeira, quando ela começou a me maquiar não falei mais nada, demorou uns 15 minutos e eu já estava pronta, Beatrix apenas passou o secador para dar mais volume ao meu cabelo loiro-morango e fez lindos cachos nele. Melanie cerrou minhas unhas das mãos que já estavam pintadas com Dragon, esmalte de cor vermelha da Chanel, me olhei no espelho para ver a minha maquiagem, ela passou um delineador preto em forma de gatinho, um lápis de olho preto, rímel preto, sombra preta o que realçou meus olhos azuis-escuros e um batom vermelho que me deixou parecendo mais branca do que já sou, agradeci a elas com um sorriso. Então a porta se abriu, pensei que era minha mãe, mas fiquei muito feliz ao ver que era Phillip, meu estilista, ele trazia duas sacolas enormes provavelmente com roupas e sapatos

–Lux, eu trouxe algumas roupas pin-ups para você experimentar-

Eu corri para abraçá-lo, Phillip Reynolds era lindo, tinha pele morena, braços bem definidos, brilhantes olhos pretos da cor de seus cachos pretos, e não, ele não é gay, pois é casado á seis anos com a maquiadora mais requisitada de Hollywood, Deborah Reynolds, que era a professora de maquiagem de Lola. Plantei um beijo na bochecha dele, peguei as sacolas e fui para o provador, tinha várias combinações, todas de pin-up, escolhi um short azul-escuro de cintura alta, uma blusa em estilo tomara-que-caia branca com listras vermelhas horizontais (eu também estava usando uma tiara que tinha a mesma estampa) e um sapato de salto do Marc Jobs de cor preta, saí do provador para mostrar para eles

–E então, como estou?- Indaguei, todos ficaram boquiabertos

–Perfeita- Disse Phillip – Como eu sabia que iria ficar-

Eu ri e abracei todos, em seguida saí da sala para ir à sessão, quando cheguei vi que minha mãe estava ao lado do fotografo, revirei os olhos, tirei apenas quatro fotos, na primeira eu estava em um carro vermelho antigo, na segunda eu estava deitada em um tapete falando em um cor-de-rosa telefone de época, na terceira eu usava um chapéu de marinheira e estava deitada em uma cadeira de praia, na última eu estava em cima de uma proa falsa de navio que tinha no estúdio, foi então o fotografo sorriu para mim, aquele sorriso era igual ao do... Aaron, eu não agüentei mais forçar um sorriso sequer, aquele vazio se abateu sobre mim novamente, senti uma tristeza grande em meu coração, me lembrei do dia em que Aaron me pediu em namoro, saí do estúdio correndo deixando tudo e todos para trás, as lágrimas começaram a derramar, entrei na minha limousine preta que estava estacionada no outro lado da rua, Peter, meu motorista estava me esperando

–Para casa, me leva para casa Peter!- Falei em meio a lágrimas

–E sua mãe Srta Martine?- Ele perguntou, ah minha mãe que fique lá, não é esse o mundo dela?

–Depois você volta para buscá-la- Eu disse enquanto limpava as lágrimas do meu rosto, ele apenas assentiu com a cabeça e acelerou o carro, encostei minha cabeça no vidro do carro e fiquei apenas admirando as luzes da noite de Nova Iorque, me lembrar do Aaron doía muito, nos brigamos na última noite que eu o vi... Era uma sexta-feira e eu tinha acabado de chegar do colégio, entrei em casa e vi Aaron sentado no sofá, quando eu o vi uma sensação estranha percorreu o meu corpo, ele estava diferente, olhava para um ponto fixo, um vazio, perdido em pensamentos, seu cabelo ruivo estava bagunçado, na sua camisa branca tinha um pó dourado perto dos ombros que parecia glitter e sua calça jeans estava surrada, ele batia o sapato preto de couro no chão freneticamente, parecia estar nervoso e cansado, me aproximei devagar

–Amor, aconteceu alguma coisa?- Indaguei, Aaron olhou para mim, seus olhos demonstravam medo e ele não sorriu como costumava fazer quando me via, em vez disso ele se levantou do sofá, tão rápido que me assustou

–Lux, você ainda tem aquele colar que eu te dei no seu aniversário de 13 anos?- Fiquei preocupada, tentei lembrar-me do colar, ah sim era aquele de prata com um pentagrama dentro de um círculo, eu o tinha guardado na minha caixinha de música

–Claro que tenho... Você o quer de volta?- A mão direita dele tremia, será que ele tinha voltado a usar drogas?

–Quero, mas eu juro que te devolvo depois- Quando ele disse isso eu assenti com a cabeça e subi as escadas, fui direto para o meu enorme quarto branco, procurei na minha estante a minha caixinha de música de bailarina, abri a caixinha e fiquei esperando a música acabar, suspirei por que aquilo me lembrava da minha avó materna Helena que vivia em Nova Orleans, dentro da caixinha estava o colar, eu o peguei e coloquei a caixinha de música no lugar, saí do meu quarto e desci as escadas, Aaron caminhava de um lado para outro da sala, aquilo me aterrorizava

–Aqui está... Por que você o quer agora?- Perguntei curiosa e entreguei o colar para ele, a cor verde em seus olhos ficou tempestuosa

–Por que eu quero, para de perguntar, eu não vou dizer- Eu fiquei paralisada com a resposta dele, Aaron nunca falou assim comigo antes, ele percebeu que foi duro demais e me abraçou

–Desculpe, eu preciso mesmo disso hoje, mas pode ter certeza que esse colar vai voltar para você- Completou, não falei nada apenas o abracei mais forte, ele não estava com seu cheiro de sempre, aquele cheio era de... Incenso

–Algo aconteceu, por favor, me diz o que é- Pedi, ele me soltou do abraço e andou em direção a porta

–Eu te disse para não perguntar nada Lux- Disse pensativo enquanto abria a porta, fechou os olhos e soltou um leve suspiro, eu me aproximei dele

– Quer saber, eu já cansei de você, está tudo acabado- Aaron completou, ele andou até seu carro, um Audi preto e então eu fiquei na porta gritando o nome dele, dois dias depois um policial foi na minha casa para me devolver o colar e dizer que ele estava morto

–Chegamos Srta Martine- Eu estava tão distraída que quase não ouvi Peter falar, ele saiu do carro e abriu a porta para mim

–Ah sim... Obrigado- Falei com um fio de voz, eu saí do carro e fui para a mansão, não tinha ninguém na sala, então fui direto para meu quarto, pensar em Aaron já era demais para mim, deitei em minha cama e acabei dormindo... Eu estava correndo dentro do que parecia ser uma luxuosa, enorme e sombria catedral, cheia de vitrais e candelabros, eu vestia um longo vestido preto de musselina e luvas de renda preta, corri até o altar e me ajoelhei

–Dizem que todos os pedidos que são feitos aqui serão realizados, então eu peço que ele volte a ser como era, eu quero encontrá-lo novamente- Gritei desesperada, decidi subir a escada, minhas pernas estavam doendo por muito esforço, eu subia,subia e subia, até chegar ao ponto mais alto da catedral, dava para ver um lindo rio iluminado pela luz da cidade, sentei próximo a uma gárgula, eu poderia cair a qualquer momento, pois estava perigosamente sentada no parapeito

–Du Roque, eu tenho que encontrá-lo- Eu falava com a pedra, estranhamente ela parecia se mexer

–Minha querida, você tem certeza que sabe as conseqüências disso?- A gárgula perguntou, o vento estava forte e fazia meu cabelo voar

–Sim, eu não acredito que ele me machucaria- Respondi tristemente

–Tem certeza?-

Não, eu não tinha

–Sim- Repliquei decidida, soltei um suspiro melancólico

–Querida, não fique triste, isso vai mudar, o ser humano é o único ser consciente da morte, do perigo e, conseqüentemente, do medo. Nós tememos o desconhecido e o medo é universal– A gárgula falou

Então ouvi um som, era a música Bela Lugosis Dead do Nouvelle Vague, o toque do meu celular, abri meus olhos, a minha visão estava turva, mas foi melhorando, meu celular preto da Apple tocava em cima da cômoda, eu o peguei, no visor tinha: Natasha Grinstoff

–Oi Nat- Falei, certamente ela quer sair para alguma festa

–Oi amiga, como você está?- Não é óbvio?

–Estou depressiva como sempre- Respondi secamente, não, eu não estou de bom humor

–Credo!- Ele arfou - Sai dessa amiga, vamos para a festa que vai ter hoje na casa das gêmeas Hinvonov?-

Eu não disse?

–Ah... Acho que não, estou tão cansada, deixa para outro dia... Tenho que desligar agora, tchau, beijo- Falei e então encerrei a chamada, me olhei no espelho, meu cabelo estava um pouco bagunçado, eu o penteei devagar e fiquei pensando no meu sonho estranho, então me dei conta de que a cidade era Paris e que aquela catedral era a famosa catedral de Notre Dame, cercada pelo rio Sena, a minha cidade natal, eu resolvi ir para a sala, desci as escadas, minha mãe estava no sofá assistindo televisão, estava passando um desfile de moda, eu me aproximei e sentei no sofá ao lado dela

–Ah filha, finalmente você acordou- Ela disse quando percebeu minha presença - Cheguei preocupada, te procurei e vi você dormindo tão tranquilamente no quarto, então resolvi assistir televisão, eu estava procupada, você está bem?-

Eu assenti com a cabeça e a abracei, essa mulher é doida, mas ainda é minha mãe, percebi que ela assistia a semana de moda de Paris

–Olha só essas modelos... Eu quero que você seja como elas querida- O que? Minha mãe quer que eu seja magrela e sem graça? Isso era demais para mim, por que não acabar com essa tortura agora mesmo?

–Humm... Eu vou beber água- Falei enquanto me levantei apressadamente do sofá, em vez de beber água eu fui para o banheiro no quarto da minha mãe, abri o pequeno armário, peguei seus comprimidos para dor de cabeça e tomei todos, acho que eram 22. Isso certamente libertaria minha alma imoral desse mundo feliz que não existe, sorri, eu esperava encontrar Aaron onde quer que ele esteja

Minha visão ficou um pouco mais escura, minha cabeça já dava voltas, saí do banheiro e do quarto da mamãe, com dificuldade desci as escadas, comecei a sentir muito frio, antes de eu terminar de descer as escadas minhas pernas ficaram fracas, minha visão ficou totalmente preta, não consegui me segurar e rolei pela escada

–Lux- Eu ouvi minha mãe gritar

Primeiro senti dor, mas depois uma paz me invadiu... Agora eu estava subindo na torre Eiffel, só parei quando estava totalmente no topo, fiquei admirando Paris, a cidade em que nasci, amei e ainda amo, depois de me despedir eu pulei lá de cima, caí a uma velocidade devastadora, mas braços fortes envolveram a minha cintura, tentei olhar para ver quem me segurava, mas não consegui, eu só via um par de asas grandes e brancas, era um anjo, ele me levou para o céu, subia, subia e subia, aquilo era mágico

–Você está salva- Ele disse, eu suspirei, o vento batia no meu rosto e naquele momento eu soube que estaria bem... Pelo menos eu estava bem até ouvir palavras como “A pressão dela está normal, doutor”, “Ela está acordando” e “Fizemos um bom trabalho”, abri meus olhos, quando minha visão focalizou vi uma mulher gorda de pele branca, cabelo curto de cor preto da mesma cor dos olhos vestida com uniforme de enfermeira, seu crachá dizia Madeleine Willows, droga, eu falhei, nem para me matar eu sirvo!

–Bom dia Srta Martine- Disse um homem de cabelos grisalhos, nariz grande, pele bronzeada e de olhos pretos que usava óculos e uniforme de médico, seu crachá dizia Dr. Flynn, olhei para o ambiente, nas paredes tinham vários ladrilhos na cor azul-anil, tinha um relógio digital pendurado na parede a minha frente que marcava 18:02, obviamente eu estava em algum hospital, nos meus braços tinham agulhas ligadas a aparelhos estranhos

–Onde eu estou?- Perguntei confusa

–Você está no hospital William Grace- Disse o médico –Faz dois dias que você está aqui, em consequência da overdose-Ele completou, minha cabeça doía

–Eu quero ir embora- Gritei, estou com raiva, não quero ficar aqui nesse hospital, não quero ver minha mãe, não quero ter que sorrir falsamente para fotos, não quero sair na capa de revistas, não quero ser famosa, não quero essa vida

–O Dr. Zacharie quer vê-la- A enfermeira falou enquanto ajeitava o meu soro

–Ele é psiquiatra- Explicou o Dr. Flynn

Psiquiatra?

–Eu não preciso de psiquiatra nenhum, eu não estou louca- Argumentei

–Ninguém disse que a senhorita é louca, ele apenas quer conversar- Explicou a enfermeira, revirei os olhos, tive que fazer alguns exames, de sangue, tirar radiografia,entre outros, voltei para o meu quarto meia hora depois, e assisti um pouco de televisão e então um homem alto de pele branca, olhos castanhos e cabelo preto cacheado que usava uma calça jeans, um tênis azul da Nike e uma camisa pólo branca entrou

– Bom dia querida, eu sou o Dr. Zacharie Smith-


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? comentem por favor! It's make me very happy *-----*