Misused escrita por Su


Capítulo 1
Sensação




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Era incompreensível, inexplicável,

mas às vezes eu sentia que aquele corpo não me pertencia;

aquela vida.

Estiquei o braço em busca do outro corpo que devia estar deitado ao meu lado, mas não obtive sucesso; o outro lado da cama estava vazio e frio. Do andar de baixo um aroma de panqueca exalava.

Claro, ele está preparando o café. Presumi.

   Desenrolei-me da colcha de cetim e desci da cama, meus pés nus tocaram o chão frio à procura de minhas pantufas, mas elas não se encontravam ali. Sparks, meu cão Labrador devia ter levado-as para brincar na varanda, como de costume; então desci descalça à cozinha.

   Castiel, meu namorado, estava em pé ao fogão embutido de aço Inox, despejando a massa de panqueca com uma concha pequena na frigideira antiaderente untada com óleo. Sobre o balcão de madeira que separava a sala de estar da cozinha havia um prato contendo duas panquecas amontoadas uma sobre a outra, acompanhadas com frutas frescas, geleia de morango e maple syrup.

   Castiel virou-se abruptamente. Pareceu surpreso com minha presença não revelada. Um sorriso lampejante abriu-se em seu lindo rosto; encantador; seus olhos sedutoramente hipnotizantes da cor de um céu nublado que faziam qualquer garota ou mulher se apaixonar, deslizaram por meu corpo, avaliando-me.

   Estremeci. Céus! Eu estava desprezível: meus cabelos estavam desgrenhados e minha expressão sem vida e um tanto desnorteada como de uma pessoa que acabou de acordar. Eu não devia ficar preocupada com isso, afinal, éramos namorados há um ano, portanto, estávamos acostumados a nos ver em estados como tal; mas eu não conseguia deixar de me sentir constrangida; além do mais, estava de  camisola.Talvez dessa parte ele gostasse - apesar de meu corpo não ser nenhum pouco atraente -, assim como eu de vê-lo naquele samba-canção e regata deixando à mostra os enormes músculos. Seu cabelo vermelho até a altura do queixo estava molhado, deixando-o ainda mais sexy, e havia manchas de suor em sua camisa. Ele devia ter se exercitado a pouco na orla da praia, como fazia diariamente. 

  - Bom dia - cumprimentou após um breve instante observando-me. Sua voz era grave, e como cada parte dele, extremamente sedutora. 

   - Bom dia - sorri enquanto puxava um banco de design italiano e sentava-me. - Panquecas?

   - Exatamente - assentiu - Como você gosta: com frutas frescas, geleia e maple syrup.

   - E blueberries - acrescentei -, adoro blueberries. 

   - Eu sabia que estava faltando alguma coisa - murmurou Castiel para si mesmo, fechando a mão em punho e grunhindo, sem se importar em demonstrar sua extrema irritação. Ele se irritava facilmente.

   - Não faz mal - dei de ombros. 

   - Acrescento da próxima vez - prometeu. Ele voltou sua atenção à frigideira onde a panqueca começava a ficar com bolhas e a borda sequinha. Ele virou-a com a escumadeira. 

   - Pensei que eu iria preparar o café hoje - comentei em tom quase imperceptivelmente desafiador -, havíamos combinado que eu faria waffles, que você ama.

   - Sim, mas sempre é você que prepara o café, e hoje é o nosso penúltimo dia aqui, então achei que eu deveria preparar, e decidi fazer panquecas que além de ser minha única especialidade, você adora. - Ele retirou a panqueca da frigideira colocando-a junto das que estavam amontoadas no prato. - Só resta mais uma. - Avisou.

   Eu estava surpresa com o comportamento de Castiel, tão educado, afinal educação não era de seu feitio, um bad boy ignorante e rude que todos diziam tão possuir sentimentos. Eu mesma achava isso antes de conhecê-lo e nos envolvermos, mas talvez fosse exatamente seu relacionamento comigo que o mudara. Ou ele só estava sendo educado comigo, sua garota, como me chamava.

   Mas ele estava certo. Era nosso penúltimo dia em Blue City, uma pequena e isolada cidade à beira mar quase desconhecida em grande parte dos Estados Unidos. Estávamos passando as férias de verão ali, na casa de praia pertencente aos seus pais milionários, própria para ocasiões como essa, passar férias ou um fim de semana qualquer; mas elas já estavam chegando ao fim. Partiríamos embora dentre dois dias, mas tudo o que eu menos queria era retornar para casa e estar novamente com minha família de malucos...  

   - Você tem razão - concordei - Mas não vamos mais àquele restaurante no centro onde você pretendia almoçar. Eu mesma irei preparar o almoço aqui em casa. 

   Castiel terminou de fritar a última panqueca.

   - Como quiser, além do mais, aposto que almoçar aqui em casa será muito melhor, muito maisdivertido, com mais privacidade - a última palavra foi pronunciada maliciosamente. 

   - Hei! - Dei um tapa em seu ombro enquanto ele colocava a panqueca sobre as que estavam no prato - Vamos almoçar, não namorar.

   - Opa! Eu não disse nada a respeito de namorar - fez-se de desentendido -, só que aqui temos mais privacidade, não concorda?

   - Depende do tipo de privacidade que está falando - contrapus.

   Ele sorriu.

   - Acredite, não estou falando dessa privacidade - afirmou, mas eu reconhecia quando ele mentia -, mas até que seria bom - ele observou-me com malícia. Uma corrente intensamente ardente percorreu-me o corpo dos pés à cabeça. Aquele olhar era simplesmente fatal. E eu estava quase cedendo a ele.

   Não. Eu não podia me distrair, não podia me deixar levar. Precisava resistir. Mas isso era quase impossível.

   - É melhor comermos ou as panquecas irão esfriar - aconselhei desviando do rumo que aquele olhar queria me levar.

   Castiel irritou-se. Ele estava aproximando-se de mim para me beijar. Eu podia sentir o intenso calor que emanava dele atingindo-me, desejando me consumir. Mas permaneci concentrada e não permiti entregar-me à tentação. Somente mais tarde.

   Ele grunhiu.

   - Tem razão - concordou, relutante, afastando-se de mim e puxando um banco à minha frente, sentando-se.

   Começamos a comer.

   - Então, como acha que será esse ano no colégio? - perguntei mordiscando a panqueca.

   - A mesma merda de sempre - disse rudemente enquanto mastigava a panqueca -, nada de interessante. Só não será mais entediante porque como fiquei sabendo, terei uma aula a mais com você, e poderemos ficar mais tempo juntos, namorando.

   - Castiel, sala de aula não é lugar para namoro - repreendi -, além do mais, preciso me concentrar ao máximo para me tornar a nova representante titular da turma. Não posso perder essa chance em hipótese alguma.

   Castiel bufou e revirou os olhos.

   - Então você ainda continua com essa ideia ridícula de roubar o cargo de representante do pateta do Nathaniel?

   - Roubar? - protestei - Eu jamais tentaria roubar o cargo do Nathaniel, mas vou me esforçar para que esse ano eu seja eleita a representante, como mereço, afinal sou uma das melhores alunas do colégio.

   - Francamente isso é patético. - Castiel balançou a cabeça negativamente enquanto fazia uma careta de reprovação. 

   - Você devia me apoiar.

   - Eu sei - concordou assentindo -, mas eu simplesmente não gosto nenhum pouco dessa ideia, principalmente por envolver o imbecil do Nathaniel. 

   Castiel odiava Nathaniel, o representante titular da minha turma no colégio, devido uma briga séria que eles tiveram há alguns anos por causa de uma garota, na verdade a ex do Castiel. Eu não sei muito bem o que acontecera; na época eu não possuía sequer um relacionamento com ele e nem queria saber o que acontecia em sua vida; mas foi algo que fez ambos se odiarem até hoje. Eles mal se cruzavam nos corredores do colégio, e felizmente não tinham nenhuma aula juntos. Definitivamente isso geraria um caos.

   - Eu compreendo, mas você também precisa compreender que é um desejo que tenho, um sonho. Além do mais o Nathaniel não irá atrapalhar em nada o nosso relacionamento - afirmei.

   - Duvido - disse friamente.

   Revirei ligeiramente os olhos.

   - Como quiser - dei de ombros -, mas não irei desistir de me tornar a nova representante da turma esse ano. - Garanti. 

   - É melhor pararmos de falar nisso - aconselhou. - Que tal depois de terminarmos o café irmos tomar banho de mar? - sugeriu.

   - É uma ótima ideia! - aprovei - Mas eu preciso me arrumar, e tenho que verificar uns e-mails que Shelbby me enviou.

   Castiel bufou.

   - Talvez mais tarde. Eu preciso subir agora. Desço depois para preparar o almoço - avisei. Desci do banco, caminhei até ele e beijei-o. Uma energia intensa e ardente tomou conta de mim quando nossos lábios se tocaram, como sempre acontecia quando nos beijávamos. Castiel me puxou para mais perto dele, colando-me ao seu corpo malhado, desejando manter-me agarrada a ele para que pudéssemos nos beijar sem cessar.

   Continuamos nos beijando intensamente até eu sentir algo ligeiramente macio roçar-me as pernas, causando uma suave cosquinha. Relutante desvencilhei-me daquele corpo robusto e suado, olhando ao redor em busca do que causara a cosquinha. Era Sparks, meu Labrador que nos acompanhara na viagem de férias.

   Sparks tinha 8 anos de vida, estava envelhecendo, mas continuava saudável e extremamente brincalhão, com o espírito de um filhote; media 57 cm à altura da cernelha, com pelagem de um tom amarelo-creme curta, espessa, sem ondulação, apresentando como qualquer cão de tal raça um subpelo resistente à água, e olhos médios castanhos.

   Eu me lembrava do dia em que o ganhara. Foi em meu aniversário de 11 anos, um presente de Colleen, minha vizinha que na verdade foi uma verdadeira mãe para mim; ele tinha apenas 2 anos de vida. Desde então nunca mais nos separamos.

   - Sparks! É você! - exclamei sorrindo enquanto me agachava e o abraçava com força, afagando seus pelos. - Lindo! Lindo! - eu exclamava enquanto ele brincava alegremente comigo.

   Castiel assistia sorrindo enquanto terminava de comer sua panqueca. Ele também adorava cães, e tinha um Pastor Beauce chamado Dragon, mas ele não viera.

   - Seu brincalhão! Brincalhão! - eu exclamava infantilmente, brincando com Sparks enquanto ele latia e fazia graças. - Vamos subir comigo? Vamos! Venha!

   Levantei-me e saí correndo em direção à escada, sequer me importando em pegar as pantufas que Sparks largara na entrada da cozinha; o mesmo me seguiu latindo. Adentramos o quarto.

   - Eu vou me arrumar no banheiro e já volto. Você fique aí. - Mandei.

   Adentrei o banheiro anexado ao quarto e observei-me no amplo espelho de moldura ornamental. Estava realmente deplorável. Na verdade eu nunca me achara atraente ou interessante. Não havia nada demais em minha pele alva quase transparente, em meus cabelos de um loiro-pálido desbotado que caía à cintura contendo uma volumosa franja frontal, e muito menos em meu corpo nenhum pouco atlético. Sem dúvida meus olhos eram o que eu possuía de mais atraente. Eram de uma cor indecifrável que ninguém conseguia distinguir se eram verdes ou dourados. Mas eu tinha quase certeza de que quando criança eram dourados. Era incompreensível.

   Tão incompreensível, inexplicável, como o fato de que às vezes eu sentia que aquele corpo não me pertencia; aquela vida. Sim, era extremamente estranho, surreal, mas ao mesmo tempo... Tangível! Desde criança eu sentia em alguns momentos que inexplicavelmente eu não era eu. Que nada do que eu tinha, desde meu corpo até minha vida, realmente eram de minha propriedade. Minha

   Às vezes eu me sentia perdida. Perdida naquele corpo, em sentimentos, e até no mundo, como se nem este fizesse parte de mim, da minha vida. 

   Uma boa teoria era que eu estava... Hospedada, presa, naquele corpo que eu pensava ser meu, mas não era; e sim de outra pessoa.

  Mas isso era impossível. Um absurdo. Eu devia estar ficando louca. No entanto, como conseguia sentir tal coisa tão intensamente? Durante todos esses anos me perguntei a mesma coisa mas nunca cheguei à resposta certa.

   Simplesmente porque ela não existia. Essa era a verdadeira resposta para tal pergunta. 

   Liguei a torneira, enchi as mãos em concha de água e levei-a ao meu rosto, enxaguando o mesmo. Após repetir o mesmo processo mais três vezes, escovei os dentes, passei o enxaguante bucal e então comecei a desembaraçar o cabelo, processo que durou longos minutos que pareciam uma eternidade. Finalmente terminei, prendendo-o numa costumeira trança lateral em seguida. Retornei ao quarto.

   Sparks brincava com o tapete de veludo, as almofadas da cama e da poltrona estavam espalhadas pelo chão.

   Sorri.  

   - Sparks, seu danado! 

   O cão ignorou instantaneamente o tapete e correu em minha direção. Abracei-o. 

   - Você vai lá pra baixo agora, ok? - disse deslizando a palma da mão por seu corpo robusto, afagando sua pelagem espessa.

   Desvencilhei-me dele.

   - Agora desça - mandei -, tenho coisas pra fazer. Eu vou brincar com você mais tarde.

   Relutante Sparks obedeceu e deixou o quarto.

   Após arrumar a cama e colocar as almofadas em seus devidos lugares, sentei-me à escrivaninha, liguei o Notebook e abri meu e-mail. Havia um de minha amiga Shelbby. Abri. 

  Meg! Estou com saudades, não nos falamos desde que entramos de  férias. Como está? Aproveitando muito a praia? E aquela delícia do Castiel, como vai? Estão namorando muito? =P 

Falando em namoro adivinha! Sim, sim, sim! Eu conheci um cara. Um gato! Ele se chama Jerry e é professor numa academia, então imagina né! Só não mando uma foto porque ele é tímido, acredite, ele é super tímido, mas isso só o deixa mais sexy. Mas eu tiro uma foto dele quando estiver dormindo... você vai ter que se preparar

Estarei aguardando sua resposta, nos vemos em breve! Preciso ir agora, Jerry está me esperando para nos exercitarmos

Beijos e se cuide ^^

   Shelbby, minha boa e pervertida amiga de sempre. Ela era hilária. E agora fisgara um professor de academia! Nada surpreendente. Ela era louca por caras mais velhos e saradões. No ano passado se envolvera com o treinador de basquete do colégio e no começo do ano com o dono gostosão do bar que era tio de um de seus namoradinhos no Ensino Fundamental.

   Após responder o e-mail fui trocar de roupa para ir à cidade fazer algumas compras para preparar o almoço; e o jantar da noite seguinte, nosso último dia em Blue City. Eu estava planejando uma surpresa inesquecível para mim e Castiel.  


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