Eu tinha ciúmes e me ressentia por Richard conseguir se infiltrar tão rapidamente entre mim e Bianca, deixando uma lacuna que não podia transpor pelas horas em que eles passavam juntos.

***

Setembro chegou trazendo o frio para os ossos e Bianca passou a ser um ponto de disputa e Erika perdia deslavadamente. Um monstro verde e nodoso crescia gradativamente todas as vezes que precisava dividir as afeições dela.

_ Estou com ciúmes – Erika era boa em fazer uma chantagem emocional.

_ Boba! Você é minha melhor amiga.

_ Eu acho ótimo você estar confiante para decidir tudo sozinha, mas não gosto de sentir que não precisa mais de mim. Pelo menos você me conta como está? – Erika via Bianca florescer e se tornar uma garota linda e interessante.

_ Na verdade... Não tenho decidido tudo sozinha. Geralmente quando as coisas acontecem você nunca está por perto por estar ocupada e Richard acaba me ajudando com minha autoestima.

_ Ah! Mas eu nunca estarei ocupada demais pra você... Está bem? – sentou-se na mesma cadeira onde Bianca estava sentada e segurou-lhe as mãos.

_ Está – Bianca riu da insegurança da amiga.

_ Sobre o que vocês falam quando estão sós? – Erika estava ávida de uma curiosidade pulgente.

_ De você. – Bianca tinha combinado com Richard de falar isso para Erika.

_ De mim? Como assim de mim? – Erika estava perpelexa.

_ Ele te admira sabia?

_ Como assim? Ele disse isso? – a atenção voltada totalmente para o que Bianca diria.

_ Não, exatamente você – ela riu – quer dizer acho que admira a ambas. Ele compara você (Erika) com você (Hikari). Ele é fan das composições de Tsuki Hikari. Assim, como às vezes você fala que ele é brilhante, mas pede para que eu esqueça. Ele me pediu para não contar nada a você. Vocês dois têm muito em comum, sabia?

_ Por favor... Não me compare a ele. Eu sou arrogante ou egoísta ou idiota? – Erika disse deprimida.

_ Ora, ele não é só defeitos. – Bianca corou levemente.

_ É... – encarou-a bem dentro dos olhos. – E sobre o que mais andaram conversando?

_ Nada – ela tentou disfarçar corando mais ainda.

_ Você falou para ele que é virgem? – a incredulidade estampada.

_ Por que? O que há de diferente? Somos amigos... Como você e eu.

Erika abraçou-a querendo protegê-la contra a ingenuidade dela antes que se machucasse. Não queria vê-la ferida em hipótese nenhuma.

_ Você não deve jamais falar com qualquer garoto sobre...

_ Tudo bem. Ele não é qualquer garoto. Não é mesmo? – Bianca a interrompeu.

_ Você é uma cabeça dura! – ergueu as mãos aos céus.

_ Somos do mesmo signo, lembra?

_ Não. Que tal treinarmos? Seu latim estava péssimo na última vez. – Erika tocou os acordes introdutórios da Ave Maria de Gounoud.

_ Richard disse que estava bom quando treinei com ele.

_ Okay, só para ter a certeza de que ele está certo – Erika continuou a tocar ao piano e Bianca se levantou para sentir o diafragma.

Ela havia melhorado muito desde a última vez. A voz de soprano suave e doce como um anjo a cantar sua oração, saber o que as palavras significavam ajudaram-na a interpretar. E realmente, sua dicção estava perfeita.

_ Posso lhe pedir um favor, Bianca? – Erika abriu a pasta que carregava tirando um papel pautado todo rabiscado e outro com versos.

Bianca pegou a folha, a grafia de sua amiga continuava linda mesmo que escrita às pressas e ela se emocionou ao ler os versos simples. O poema se chamava “Encanto” e recitou-o.

Não sei o que me fez te procurar,

Talvez a ausência.

Não sei o que me fez te encontrar,

Talvez a necessidade.

Não sei o que me fez te querer,

Talvez a certeza.

Não sei o que me fez te amar,

Meus lábios se contraem num sorriso...

Talvez... a felicidade.

Erika recomeçou a tocar e desta vez o clássico dava lugar a uma balada romântica. Ela sinalizou para que Bianca cantasse e as palavras tomavam seu lugar em cada nota até que terminassem a canção.

_ É lindo! Vai ser um novo sucesso. Quem cantará?

_ Você – disse simplesmente. – Um presente.

_ Eu, mas... – Bianca ficou sem fala.

_ É sua.

_ Obrigada. – Erika recebeu um abraço forte, ela estava realmente emocionada.

_ É o presente mais lindo que recebi – as lágrimas despontando como pérolas.

_ Não é nada, se comparado a sua amizade.

Richard olhava pela fresta do vidro da porta. Era uma cena tocante de reafirmação da amizade. Como ela era capaz de dar uma canção que poderia ser seu maior sucesso para alguém só por amizade?

Logo teria que se ausentar para os concertos de inverno. Quanto mais baixo ele teria que descer para que Tsuki se voltasse para ele? Quem sabe o outro ano fosse mais promissor.

_ Eu vim me despedir – Richard entrou sem bater e Bianca correu para abraçá-lo.

_ Já os concertos de Inverno?

_ Tenho menos de dois meses para me preparar para a turnê.

_ E quando você volta? – Bianca estava realmente entristecida.

_ Só no ano que vem. Vai esperar por mim? – ele girou Bianca nos ares, sabia ser encantador quando queria.

E essa diferença de tratamento fazia Erika se remoer por dentro, sentia inveja por querer vê-lo sorrir assim para ela também.

_ Quem sabe tocamos no ano que vem? – ele depositou Bianca no chão e se voltou para ela.

_ É. Quem sabe? - disse já não muito segura de si.

_ Onde vocês irão passar o feriado de natal? – Richard perguntou para Bianca.

_ Meus pais virão para Tokyo.

_ E você? – pareceu estender a conversa para Erika por educação.

_ No orfanato. É minha casa.

Richard ficou visivelmente desconcertado. Era um fato de sua vida que desconhecia. E que nem mesmo Bianca sabia.

_ Desculpe. Não queria... – pela primeira vez ele lhe pareceu humano.

_ Não tem importância. Já me acostumei com o fato de ser sozinha.

Erika balançou o ombro como se isso fosse um fato consumado e arrumou suas coisas para sair. O ambiente ficava sufocado com Richard tomando espaço.

_ Eu tenho ingressos para o meu concerto. Tem cinco. Três, para você e seus pais, Bianca. E dois... Bem, você pode querer levar um amigo.

_ Obrigada – as duas disseram ao mesmo tempo.

_ Se eu não pude dizer... Feliz Natal antecipado! – ele pegou Erika de surpresa ao aconchegá-la com Bianca num abraço fraternal.

***

E assim, Richard partiu deixando-me insegura e confusa, apressando-me a responder perguntas que não estava preparada para responder.