Estava recostada no parapeito do terraço do Hospital horrendo. Se é que pode-se chamar de hospital. Hospício parecia mais apropriado. Estava frio. Que dia era hoje? Mês? Ano? Ótimo, os remédios - ou a falta deles - já estavam confundindo minha cabeça de novo.

Eu geralmente fugia para lá, pegando um atalho nas escadas de incêndio. Era bonita, a vista de Londres daqui de cima. Agora eu tentava ligar o sonho ao vislumbre do coelho essa manhã. Faz tanto tempo que fui ao País das Maravilhas. Eu sei que existe. Eu sei que é real. É a única coisa que não podem tirar de mim. Faria qualquer coisa pra estar lá de novo. O coelho não poderia ser só mais um dos meus delírios, poderia? Eu nem sei se sou realmente doente. Eu não sei se era doente antes, mas esse lugar só está piorando o meu estado. Ouço um som. Viro-me pro lado e vejo uma sombra. Viro para frente de novo e uma imagem conhecida aparece.

Coelho! - grito. Eu estou tão feliz que seria capaz de pular, se não estivesse tão cansada. Uma pontada de esperança surgiu. A possibilidade de ir pro País das Maravilhas.

Eu pude reparar melhor no coelho. Ele usava as mesmas roupas de sempre, mas um pouco surradas e velhas. Ele segurava o relógio pelas patas. Havia algo estranho. Os ponteiros do relógio rodavam rápido demais. O coelho tremia tanto que a corrente do relógio de bolso ia de um lado para o outro. Ele apontou pra mim. Arregalei os olhos. Não sei exatamente qual era o problema do coelho. Ele tinha espasmos como tiques nervosos. Como se estivesse nervoso demais com algo. De repente, com se fosse levado com o vento, ele pula. Pula do parapeito. Ele tinha caído lá embaixo. Como um reflexo olhei para baixo, desesperada. O coelho caiu? Ele estaria morto agora? Como eu iria voltar para o País das Maravilhas? Ele provavelmente morreu com a queda, e o impacto com o chão. E se não tiver morrido ainda, algum carro passaria por cima dele e o esmagaria. Estremeci com o pavor. Me inclinei mais um pouco... E então, eu caí. Para baixo, para o fundo. Indo em direção às ruas de Londres. Como se alguém tivesse me empurrado. Eu não gritei. Eu não me mexi. Eu deixei a morte vir. Morrer assim era com certeza melhor do que morrer afogada. O frio na barriga era uma sensação boa. Trazia memórias da toca do coelho. Da primeira vez que fui ao País das Maravilhas. Fechei os olhos. Minha cabeça latejou quando bati com um som estrondoso no chão. Eu tinha morrido. Pelo menos era isso que esperava. Eu não ouvia os sons das pessoas falando ou a movimentação de Londres. A morte devia estar tirando meus sentidos. E eu esperei. Minha cabeça ainda latejando. Eu abri os olhos de novo, quando reparei que... Eu não estava em Londres.