De repente, tudo o que havia de fantástico e belo esvaiu-se. O céu escureceu num tom mais sombrio que a noite, trazendo nuvens negras. O lago azul translúcido tornou-se sujo de modo que o fundo parecesse ainda mais longe e profundo. Árvores pegavam fogo e podia jurar que vi a cachoeira jorrar sangue. Aquele lugar transparecia medo e destruição. E cheirava a morte. 

Acordei assustada, abraçando minhas pernas para espantar de minha mente as imagens do pesadelo. Eles eram comuns. Eu sempre acordava suada e assustada, às vezes tremendo. Eu estava começando a me acostumar com eles. Desta vez foi real demais. Nenhum deles foi tão real quanto esse. Eu podia sentir o medo como se a própria morte estivesse diante de meus olhos. Estou ciente de que eles realmente jamais acabarão. Não enquanto eu estiver aqui. No Hospital Psiquiátrico em Londres. 

  Me sento lentamente e jogo os pés para fora da cama, indo ao encontro com o chão gélido. Mas não levanto. Olho para a pulseira em meu pulso e nela está escrito MENTALMENTE DESORIENTADA. Oh, sim. Porque aqui sou considerada uma garota de dezesseis anos perturbada e louca. Ainda posso ver as marcas das cicatrizes antigas em meus pulsos. Só mais uma das minhas tentativas falhas de suicídio. Acho que vou começar a fazer uma lista de "Como morrer" e "Formas de se suicidar". 

  Tomo coragem para levantar da cama. Ainda está um pouco escuro quando olho através da janela trancada e com grades. Grades. Isso me faz me sentir como se estivesse em uma prisão. A prisão não deve ser muito diferente daqui. Caminhei até o banheiro. Quando passei pela porta dei logo de cara com o espelho. Toquei a parte rachada e só depois reparei em minha imagem refletida. Cabelos escuros caindo até um pouco abaixo dos ombros, um pouco descabelados. Olhos verdes vívidos; mas cansados, e com olheiras marcantes. Pele pálida, normal. Estava sempre pálida. 

  Abri a torneira da banheira. A água estava fria, mas isso não era um problema para mim. Uma vez li em um dos poucos livros disponíveis aqui, que afogamento é uma das maneiras mais agradáveis de morrer. Se isso for verdade, então não custa nada tentar. Tremi ao contato da água fria com minha pele. Deitei no fundo da banheira e tentei ficar lá o máximo de tempo. O teto do banheiro ficou turvo devido à água que embaçava minha visão. Fechei os olhos por um momento e chamei a morte. Mas ela não veio. Porque quando o ar me faltou, não resisti e voltei para a borda. Eu já havia conseguido ficar mais tempo debaixo d'água. Falhei de novo. 

  Por mais que eu tentasse, nunca conseguia. Faltava coragem suficiente? Não. De qualquer forma, eu não quero passar o resto da minha vida no manicômio.

  Você está muito bonita hoje, Alice. Penso quando fito minha imagem no espelho novamente. Hoje parece ser um bom dia para morrer.

  No saguão tudo está como sempre. Há velhinhos jogando xadrez e pessoas sentadas ou lendo. No corredor ao sul há uma fila de pessoas, provavelmente para tomar os remédios. Pelo menos eu já havia parado com os malditos medicamentos. Alguns remédios como anti-depressivos e comprimidos para dormir eram exceções. Ao longe, sentada em uma poltrona, avistei uma figura conhecida. Andei até ela.

  - Olá Sra. Miller.

  - Oh. Olá, querida.

  A Sra. Miller era uma idosa por volta de seus 75 anos. Disseram que ela sofria de Mal de Alzheimer e era catatônica. Ela está aqui há mais tempo que eu. Não se sabe exatamente há quantos anos ela veio para cá, mas eu não ousaria perguntar. E mesmo se perguntasse, duvido muito de que ela se lembre.

  - Sabe, aconteceu algo realmente engraçado hoje - Ela disse - Eu vi um coelho correndo por esses corredores. Ele usava um palitó! - Ela riu - E carregava um relógio!

  Congelei. Um arrepio percorreu meu corpo. Isso me parece algo realmente familiar. Por um momento pensei na possibilidade de a Sra. Miller estar vendo coisas e na possibilidade de termos algo além da loucura em comum. Da última vez em que vi um coelho usando palitó foi a seis anos atrás. E algo realmente estranho aconteceu a seis anos atrás.

  - Me desculpe, Sra. Miller. Mas eu tenho que ir.

  - Ah, pode ir querida. Estou esperando pelo meu marido. Ele vem me visitar hoje - Ela sorriu.

  Senti um pouco de pena. Seu marido havia morrido há três anos. Ele nunca mais viria visitá-la. Corri pelos corredores, indo em direção ao norte. Quando vi a coisa mais surpreendente desde que cheguei aqui acontecer. Podia jurar que vi um coelho pulando, rápido demais, pelos corredores. Fiquei tensa. Eu podia estar vendo coisas de novo. Mas eu não estava dormindo. Aquilo parecia real demais. Corri em direção ao vulto. Ele estava indo para as escadas?

  Desci e subi as escadas várias vezes à procura do coelho. Nada. Não havia mais sinal dele. Sentei no topo da escada, me sentindo exausta. Nem mesmo sabia em que andar estava. 

  Gostaria de poder dizer que vou sair daqui um dia, mas não vou. Gostaria de poder afirmar que o País das Maravilhas é ilusão, mas isso não seria verdade. Gostaria de convencer a mim mesma de que não sou louca...

Mas talvez eu seja.