Incógnita escrita por C W Elliot


Capítulo 1
Melinoe




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"O tempoé aminha matériao tempopresente, os homens presentes, a vida presente."

Maia White.

A garota sentia a dor se espalhando como tinta na água pelos seus pulmões. "Não vou chorar, não vou chorar, não vou chorar, não vou chorar." Repetia para si mesma, com a garganta apertada e os olhos embaçados. O corpo pálido do pai estava dentro do caixão de magno, a poucos metros de distância. Os olhos estavam fechados, sua pele havia perdido a cor e as mãos descansavam sobre o peito. "Como se alguém se importasse com a posição das mãos de um filósofo morto."

Ainda não havia ninguém ali. A sala possuía uma iluminação precária e paredes brancas. Nem mesmo o cheiro de cravos e dama-da-noite que exalavam da coroa de flores sobre o caixão conseguia deixar o lugar agradável. "Flores tem cheiro de morte." Concluiu com certa melancolia. Bateu a ponta dos dedos no assento, ansiosa pelo que não iria chegar. Segurou o choro mais uma vez. Chorar não vai traze-lo de volta para mim. É clichê, mas é a verdade.

A palavra injustiça fazia eco em sua mente. Seu pai, a sua única referência de família... Estava bem ali, morto. E para ser apenas mais uma manhã fria de domingo, mas um maldito ataque cardíaco  conseguiu transformar tudo no maior de seus pesadelos.  Maia sabia que iria parar em um abrigo ou algo assim logo depois do enterro, mas preferia não pensar nisso. Sua cabeça já estava rodando com todas as possíveis catástrofes que iriam acontecer, havia passado a noite em claro imaginando alguma solução. Desperdício, pois não teve sucesso.

Nunca conhecera sua mãe. A considerava apenas uma desconhecida irresponsável que abandonou seu pai logo após se nascimento. Uma vagabunda. Apenas isso.

Depois de meia hora, e nenhuma sinal de atividade orgânica em um raio de dois quilômetros, começou a se preocupar. "Faz sentido. Afinal, quem iria ao velório de um professor de filosofia aposentado?" Seus pés batiam no piso de linóleo por vontade própria e pensava que deveria ter colocado um casaco sobre o vestido negro, pois começava a ventar do lado de fora. Suspirou sozinha e olhou o relógio mais uma vez. Tentava parecer indiferente ao fato de estar órfã e ter um cadáver como sua única companhia em um uma segunda-feira fria de novembro.

Ouço a porta abrir e tiro os olhos do caixão para ver a linda mulher entrando. Ela era extremamente pálida, com grandes óculos escuros e cabelos brancos. Não parecia ter mais que 25 anos e usava um longo sobretudo negro, combinando com o salto que fazia eco ao bater no chão.  Entrou em silêncio e sentou ao lado da garota, que olhou com atenção e fingiu saber de quem se tratava. Sua cabeça estava tão confusa que seria capaz até de não reconhecer o presidente.

-Foi um bom homem. Meus pêsames. - Sua voz era reconfortante e calma. Maia sentiu as lágrimas brotando nos olhos novamente quando a ouviu.

-Obrigada. - Foi tudo o que conseguiu falar, sussurrando. A mulher tirou seus óculos e revelou grandes olhos azuis claros. A garota forçava a memória, mas nenhum nome lhe vinha a mente.  - Desculpe-me, mas não me recordo seu nome.

-Ah, minha querida. Você não me conhece, sou uma velha amiga. Pode me chamar de Mel. - Ela não sorriu.

As duas permaneceram em silêncio por algum tempo. A respiração desregulada da garota era o único som que podia ser ouvido. " Ótimo. Ninguém veio, eu deveria imaginar." Pensou. "Aposto que se eu fosse uma garota normal e tivesse amigos de verdade eles viriam."  Mas a verdade é que todos sabia que Maia White não era uma garota normal. Nunca conseguira se encaixar em nenhuma escola, sempre parecia ser distraída demais, costumava atrair as pessoas mais estranhas, estava sempre no meio de alguma discussão e jamais conseguia ler os textos na aula. As outras garotas pareciam se interessar mais com namorados e afins ao invés de perguntar se Maia estava bem ou se queria companhia.

A garota estava cada vez mais perdida em seus devaneios, só acordou de verdade quando ouviu um grito agonizante. Levantou os olhos assustada, no mesmo momento em que a mulher ao seu lado movimentou a mão, fechando a porta com um estrondo, como magia. Ela iria perguntar o que estava acontecendo, mas uma jovem de cabelos loiros se jogou contra a janela de vidro, que começou a se rachar. Mel apertou o braço de Maia, alarmada.

-As coisas nem sempre acontecem do jeito que gostaríamos, Maia. - Ia falar mais alguma coisa, porém foi interrompida por outra garota se jogando contra a janela. Várias outras estavam se aproximando. - Estamos sem tempo. - Tirou um cartão negro do bolso e colocou nas mão da garota. - Vá para esse endereço o mais rápido que puder e não pare em hipótese alguma. Quando chegar ao abrigo, procure por Athos e diga-lhe que Melinoe avisou que o tempo está acabando, mande-o  consultar Pítia o quanto antes. - A garota apenas assentia  a tudo e tentava registrar as informações. Olhou para o pai uma última vez antes de se levantar e começar a correr para a porta. - Espere! - Mel se levantou e colocou uma tornozeleira em sua mão, era uma corrente prateada e delicada, com uma pequena pena como pingente. - Um presente de alguém especial. - Disse. Logo após isso, correu para a janela, quebrando-a, e sacou um punhal do sobretudo, começando a lutar com as jovens, que se aglomeravam a sua volta.

Maia colocou o presente no tornozelo e leu o cartão. Um endereço estranho estava escrito no verso, em letras douradas, mas ela sabia onde ficava, seu pai a levava lá nas férias de verão. Um homem por cerca de seus 30 anos passava com uma mobilete por ali, no exato momento em que uma das jovens loucas veio correndo até ela. A garota apenas derrubou o homem e acelerou o máximo que pode, enquanto tentava ignorar os gritos estridentes.


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