Eternamente Adormecida escrita por Aphroditte Glabes


Capítulo 1
Salvação


Notas iniciais do capítulo

Não tenho palavras para descrever o que estava sentindo quando escrevi.



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Estava escuro quando saí para fora de casa para observar as estrelas. Meus pés estavam descalços e eu vestia apenas uma fina camisola. Longos cabelos castanhos que caíam pelas minhas costas também esvoaçavam pelo vento.

Esse vento era quente, o que era sinal de chuva. Entretanto, o céu ainda estava limpo e eu podia ver com clareza as estrelas. A lua estava cheia e proporcionava bastante luz para que eu pudesse identificar o ambiente ao meu redor.

Era o jardim. Diversos tipos de flores enfeitavam canteiros e a grama sob meus pés era fofa e gelada. Caminhei até o centro do gramado e sentei no chão.

Eu estava derrotada. Queria derramar lágrimas, mas elas se recusavam a escorrer. Profundas olheiras existiam sob meus olhos e eu sabia que eles estavam vermelhos pela falta de sono. 

A vida nunca foi fácil para mim. Minha família não tinha muito dinheiro, meus pais me rejeitavam e meu único filho morreu meses após seu nascimento. 

Quando eu era pequena, meus pais nunca tinham tempo para mim. Após um tempo, tornaram-se estranhos. Quando tive idade o suficiente, comecei a trabalhar. Assim que juntei dinheiro o suficiente para alugar um apartamento, saí de casa.

Meus pais nunca me perdoaram por aquilo. Acharam que eu estava sendo ingrata, traindo a confiança deles. Depois daquilo, nunca olhei para trás. Recusei-me a falar com eles.

Senti saudades da família, admito, mas não voltei atrás da minha decisão. O ódio por eles ainda queimava dentro de mim e não havia jeito de apagá-lo. 

Quando recomecei minha vida, conheci um homem. Ele era tudo que qualquer garota iria querer. Bonito, simpático, de riso fácil e divertido. Apaixonei-me e achei que ele também havia se apaixonado por mim. Eu estava errada, tremendamente errada.

Quando engravidei, aos 21 anos, ele me abandonou. Disse que a vida de pai não era para ele, que não podia sustentar a criança. Implorei para que ele ficasse, mas ele riu na minha cara. Odiei-o por isso.

Minha vida pode se resumir ao ódio. Odeio todos que já passaram pela minha vida. Nunca tive amigos, outros namorados ou família que me apoiasse. Amei e apenas amo meu filho falecido. Um anjinho de cabelos loiro encaracolados e olhos claros. Bochechas cheias e rosadas, lábios grossos. O amor de minha vida.

Até que minha vida acabou quando uma doença o tirou de mim. Ele tinha insuficiência cardíaca e eu apenas descobri isso tarde muito tarde. Não quis acreditar quando ele se foi. Chorei, arranquei cabelos e fiquei sem comer por dias, até que o sindico do prédio me encontrou em meus lamentos. 

Fiquei internada no hospital por vários dias até finalmente me recuperar. Voltei para casa com as cinzas do meu filho em uma caixa de madeira trabalhada artesanalmente. Meus pais me esperavam na porta de casa.

Eles discutiram comigo, não mostraram compaixão pelo meu filho falecido. Falaram que eu era um erro, algo que nunca devia ter acontecido na vida deles. Bati a porta na cara deles.

Perdi a fome pelos dias seguintes. Tornei-me tão fraca que mal conseguia levantar uma panela. Quando não aguentei mais a fome, tomei um iogurte que encontrei na geladeira. Meu estômago não recebeu bem o alimento e eu vomitei todo o pouco que havia conseguido descer pela garganta.

Faltei o trabalho e fui demitida. Não me importei. A luz foi cortada, assim como a internet. Não me importei. Há dois dias a água também foi cortada. Também não me importei.

Isso me leva ao lugar onde estou agora. Puxo as pernas para perto de mim e as cruzo. Fica mais fácil me equilibrar desse jeito. 

Finalmente olho para o objeto que trago em minhas mãos. A lâmina estava gelada em contato com minha pele, que surpreendentemente estava quente. Sorri sem forças. Meu braço movimentou-se em direção ao pulso.

Respirei profundamente. Há dias eu relutava em tomar essa decisão, mas a minha dor era maior do que eu poderia suportar. Ela não passaria e não diminuiria, permaneceria ali para sempre. Apoiei a parte afiada da lâmina verticalmente em meu pulso. 

Novamente respirei profundamente. Em um movimento rápido, pressionei a lâmina contra meu pulso e a puxei para trás. Um corte profundo se abriu em meu pulso. Pude ver a pouca gordura de cor branca espreitando por baixo da pele. Vi o sangue antes de sentir a dor. 

Não foi uma dor excruciante. Era suportável. Sangue começou a escorrer pelo ferimento, mas não era o que eu queria. Repeti o movimento e, quando o sangue esguichou, sorri ao perceber que havia acertado uma artéria. Se era a radial ou a ulnar eu não sabia, mas não importava. Com meu braço tremendo, troquei a lâmina de mão e repeti o movimento com o outro pulso. Dessa vez acertei a artéria de primeira.

O sangue jorrava livremente em minha camisola, minhas pernas e no chão, mas eu não estava desesperada. Estava conformada com a minha decisão. Não iria me arrepender e não tinha como. Além de minha artéria bombear o sangue rapidamente, ninguém iria me procurar ali.

Ninguém iria me procurar em qualquer lugar.

Após observar por alguns minutos o fluxo contínuo de sangue, minha respiração aumentou. O pânico tomou conta de mim, mas aquilo apenas fez jorrar mais sangue. Ao perceber que as extremidades do meu corpo estavam ficando dormentes, sorri. Não iria me deitar, pois assim demoraria mais. 

Uma sensação ruim tomou conta de meu estômago e eu pensei que iria vomitar. Mas não havia nada para ser vomitado. Eu estava começou a respirar com mais dificuldade. Respirações curtas e rápidas. Calculei que estava perto do fim. 

Nesse momento minha visão se tornou turva e eu não tinha mais controle de meus movimentos. Um grunhido escapou por meus lábios secos e meu corpo caiu sobre o gramado já empapado de sangue. 

Vi as estrelas. Centenas de estrelas lançando seu brilho para mim. Tentei sorrir, mas meus lábios não se moviam. Minha garganta estava seca e minhas pálpebras caíam sonolentas sobre meus globos oculares.

Fechei os olhos. A imagem de meu filho apareceu em minha mente. Ah, querido anjinho, se tivesse sobrevivido, se eu tivesse sido mais cautelosa em relação à sua saúde, a situação seria diferente, pensei.

Mas não importava. Nesse momento, eu estava extremamente sonolenta. Minha mãe voava para longe e eu não conseguia pensar direito. Não sentia mais dor, não sentia mais frio. Apenas sentia a letargia tomar conta de meu corpo.

Mas essa letargia era irreversível e eu estava feliz por isso. Meus pensamentos estavam indistintos, até que tudo perdeu a cor. A última coisa que pensei foi que a morte é tão parecida com adormecer, apenas não se acorda horas depois. 

Não acordei horas depois.


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