Verdade escrita por Juliano Adams


Capítulo 7
Capítulo VII - Cartas


Notas iniciais do capítulo

Como prometido... Novo capítulo postado! Espero que gostem.



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Após algumas horas de viagem, Thomas finalmente chegava a capital, já havia estado lá algumas vezes, porém dessa vez, seria para ficar, pelo menos por um bom tempo. Thomas gostava do interior, apesar de preferir o litoral, agora a sensação é que havia deixado algo lá, algo para trás, algo que precisasse desesperadamente, um pedaço de seu coração. Um vazio havia se instalado dentro de seu peito. Como se sua alma fosse partida em pedaços, e estes arrancados impiedosamente um por um.

O tio o esperava na rodoviária, Alberto era um pouco mais novo que o pai de Thomas, e tinha, ao contrario do irmão, uma aparência tranquila. O sorriso constante tornava avermelhadas as maçãs de seu rosto levemente rechonchudo. Ele trabalhava como chef em um restaurante, e a isso atribuía alguns quilinhos a mais em sua estatura. Era uma figura engraçada, de quem Thomas gostava muito, mas naquele momento realmente não gostaria de estar lá com ele. Queria estar em sua casa, com Pedro, vivendo como aqueles dias de outrora, tão efêmeros, porém tão intensos.

–E aí Thominhas, pronto pra passar as melhores férias da sua vida? – Perguntou Alberto, com seu jeito espirituoso. Ele havia conversado com o irmão no telefone, e este pedira para deixar o filho passar algumas semanas com ele, mas não havia entendido o real motivo, agora, ao observar a expressão triste no sobrinho, pode ver que claramente se tratava de algum castigo.

–Pronto. – Respondeu Thomas tentando inutilmente forçar uma expressão. Não conseguiu nada mais do que um sorrissinho amarelo, que não convenceria nem o mais ingênuo dos homens. O tio olhou-o com uma expressão de dúvida, mas decidiu não perguntar nada, não sabia o que estava acontecendo, e não era da sua conta se meter nos acontecimentos alheios.

O tio vivia num grande apartamento perto do centro da cidade, oitavo andar. Thomas detestava apartamentos, principalmente os altos, sentia-se sufocado, sem saída, mas agora essa era a última coisa em que pensar. Thomas apenas queria uma cama para cair no sono, não havia dormido quase nada nas últimas horas, apenas chorado. Tanto chorou que suas lágrimas pareciam ter secado, e chegava um tempo que apenas soluçava em seco. Bolsas se acumulavam debaixo de seus olhos, que estavam pequenos e miúdos. Somando-se tudo isso uma aparência pálida e abatida transparecia seu sofrimento.

Cumprimentou sua tia e sua prima, que lhe ofereceram algo para comer e beber, mas não aceitou nada. Apenas pediu que lhe mostrassem o caminho do quarto, onde deitou-se na cama e caiu dormindo, em sono pesado feito uma rocha. Nada podia perturbá-lo daquele sono, afinal algo já lhe afligia a alma, o sentimento de tristeza e impotência, a dura lástima de ter perdido o que era seu, aquilo que tinha de mais precioso, que valorizava mais do que tudo. O amor que era seu foi tirado, arrancado como uma fruta imatura, que morrerá e apodrecerá após permanecer separada da sua árvore.

Ao acordar, aquela chuva de memórias voltou a sua mente, a imagem do pai agredindo Pedro que caia no chão em sofrimento sem que Thomas pudesse fazer nada além de chorar, e o pai então vinha para agredi-lo e rejeitá-lo ainda mais, toda aquela ira dirigida a ele, Thomas não entendia, não havia feito nada de errado, a única coisa que havia feito foi amar, amar e ser amado, ser feliz. Não entendia como aquilo podia ser tão errado, como aquilo podia ser um crime ou um pecado. Alguém podia ser punido por tentar ser feliz? O amor era uma ofensa tão grande? Um crime tão perverso era ser feliz? Não, perversidade era o ódio, o preconceito, a violência, a atitude execrável de punir o próprio filho por ser de seu jeito. Thomas chorou ainda mais, e suas lágrimas escorriam pelo travesseiro perfumado formando rios de amargura.

–Thomas? Você está bem? – Era a voz de Regina, a prima de Thomas, que sussurrou delicadamente até os ouvidos de Thomas, que se assustou com o flagrante.

–Sim, está tudo ótimo. – Fingiu ele, com a horrível sensação de limpar as lágrimas e cobrir o choro.

–Não, não está. Você está chorando, e eu vi sua cara abatida quando entrou. Há algo de muito errado, e quero te ajudar. – Respondeu ela, olhando profundamente nos olhos de Thomas, se os olhos são as janelas da alma, Regina tinha o dom de escancará-las e vislumbrar tudo que se passava lá dentro.

Thomas e Regina se conheciam desde que se entendiam por gente, sempre foi uma amizade sincera, mas com o tempo, e principalmente quando os pais de Regina se mudaram para a capital, os primos foram se afastando, devido a distância. Ainda assim Thomas sempre viu em Regina alguém em quem confiar, um poço de bondade. Regina sempre tinha um conselho ou alguma palavra de afeto para distribuir. Foi por esse motivo que Thomas resolveu falar, não tinha nada a perder, e precisava mais do que tudo desabafar, precisava ouvir palavras de afeto, palavras que expressassem que está tudo bem, embora não estivesse, era bom se sentir seguro.

–Me conta Tom, me conta o que tá havendo. Eu quero te ajudar, mas não sei como.

Thomas respirou fundo, e fechou os olhos, como se recolhesse as melhores palavras para expressar tudo o que sentia, e então começou a falar, com a voz ainda chorosa:

–Sabe Regi, eu... Eu... Eu. – E parou de súbito para retomar a respiração. – Eu sou gay.

Regina arregalou os olhos numa expressão de surpresa, aparentemente parecia em choque, mas no fundo sempre suspeitou, uma onda de memórias preencheu sua mente, e ela recordou-se da infância, quando Thomas sempre preferia brincadeiras femininas, como boneca e casinha, a brincar com os meninos, era um sinal. Nunca falara pessoalmente com o primo no assunto, até porque não eram tão íntimos como deveriam, mas sempre quis ter uma oportunidade para conversar sobre isso, e agora ela havia surgido. Regina abraçou Thomas fortemente contra o peito, protegendo-o. Sentiu que o menino ainda soluçava, e as lágrimas caiam aguando os cachos avermelhados do cabelo de Regina.

–Ah Tom... Eu entendo, pra falar a verdade, eu sempre desconfiei disso. Nunca te falei nada porque nunca fomos tão íntimos quanto gostaríamos, mas queria ter conversado com você e tentado te ajudar, pra você não viver uma situação dessas. Mas não tem por que chorar por isso. É absolutamente normal, é apenas uma orientação diferente quanto ao seus parceiros sexuais Thomas... Mas nós não devemos ser julgados por quem amamos, e sim pelo que somos, você não é gay ou hétero, você é humano.

–Eu acho que eu entendo isso Regi, mas as pessoas... Elas não entendem. Sabe, eu conheci um garoto, lá da minha cidade, o Pedro. No começo eu fiquei com medo de ficar com ele... Mas ele, ele foi tão carinhoso, eu senti que ele realmente gostava de mim, e eu acabei gostando dele, eu amo ele. Nós éramos felizes juntos, foi provavelmente a melhor época da minha vida, eu nunca vou voltar a viver algo assim... E não havia nada de errado! Eu não entendo onde o meu pai vê algo de ruim, algo de transgressor! Eu não entendo onde existe algo de imoral entre duas pessoas sendo felizes! – Nesse momento Thomas quase gritava, entre lágrimas e soluços, o sofrimento era visível em seus olhos. - Mas meu pai pensa diferente. Ele descobriu tudo, descobriu que eu era gay e que eu saia com o Pedro. Ele bateu nele, e me bateu. Foi por isso que ele me mandou para passar alguns meses aqui. Ele quer que eu “tome jeito” e me afaste do Pedro. – Confessou Thomas com as gotas de lágrima escorrendo do seu rosto como rios de desgosto cortando uma planície pálida.

Tom! – Exclamou Regina, com a sensação de naquele momento ter compreendido tudo o que o primo sentia. Ela o abraçou com força, como se quisesse livrá-lo de toda a tristeza que estava impregnada em sua alma. Era revoltante para Regina que aquilo acontecesse em pleno século XXI, aqueles costumes medievais eram inaceitáveis, mas infelizmente aconteciam.

–Que horror, como alguém pode pensar assim, o tio Marco teve uma atitude horrível! Se meu filho fosse gay, eu iria aceitá-lo do mesmo jeito, e tratá-lo da mesma forma como trataria se ele fosse hétero, porque é assim que deve ser, somos todos iguais, somos todos humanos.

–Mas infelizmente Regina, você e uma minoria pensam assim. O mundo é muito preconceituoso. – Suspirou Thomas, cabisbaixo.

–Isso ainda vai mudar, eu ainda tenho esperança em um mundo melhor, e vai acontecer, você vai ver. – Disse Regina.

–Mas e até lá... Não vou aguentar viver longe do Pedro. Ele é tudo que eu tenho. É o que aconteceu de mais importante nessa minha vida tediosa, como eu posso pensar em um mundo melhor se ele é o meu mundo, e é perfeito? – Perguntou Thomas, ainda inconsolado. Eu não posso nem ligar pra ele, meu pai tirou meu celular, ele não quer que eu me comunique com o Pedro de forma alguma. – Afirmou Thomas pesaroso.

–Eu posso dar um jeito... – Sugeriu Regina pensativa. – Não tem nenhuma amiga lá que você saiba o endereço?

–Tem, tem sim... Tem a Ju, a Carol, delas você sabe o endereço até. Lembra delas?

–Sim, é claro.

–Mas eu não entendi, onde você quer chegar?

–Vamos fazer tudo à moda antiga Thominhas... Cartas secretas de amor. – Sugeriu Regina num sorrisinho. Eu vou falar com a Carol, assim ela recebe as cartas e entrega pro Pedro, eu recebo, e entrego pra você.

Thomas sorriu, finalmente após todo aquele sofrimento um ponto de luz havia surgido, nunca pensara que pudesse sorrir novamente após aquilo tudo, porém a ideia de Regina havia sido brilhante. E pelo menos de alguma forma poderia conversar com Pedro. Seu amado.

–Regina você é um gênio! – Disse Thomas abraçando a prima, eu vou começar a escrever agora mesmo. Em quanto tempo você acha que a carta chega? - Pela primeira vez desde então, havia se sentido de alguma forma feliz.

–Tenho certeza que não deve demorar muito. Começa a escrever, que hoje mesmo eu já ponho no correio.

Thomas pegou o papel e a caneta da escrivaninha e passou a escrever com furor, jogou fora um, dois, três rascunhos, e em poucos segundos as bolas de papel amassado tomavam conta do chão do quarto, até que finalmente uma carta ficou pronta. Thomas releu-a: estava perfeita. Fechou o papel com um beijo e o pôs no envelope, lacrando-o e selando-o.

–Aqui está. - Disse Thomas entregando o envelope a Regina.

–Perfeito. Eu vou colocar no correio. Você colocou o endereço da Carolina não é? Depois eu falo com ela. – Concordou Regina, pegando a carta e sumindo em direção a porta, deixando Thomas sozinho no quarto com sua euforia e ansiedade, de saber que de alguma forma poderia comunicar-se com Pedro. Confeccionou a carta com o maior capricho, como se aquela fosse uma parte de si, por menor que pudesse ser, que fosse chegar às mãos de seu amado.

***

O sol já estava alto, e finalmente conseguia fazer com que evaporassem as poças d’agua que outrora pontilhavam o chão, liberando então um abafamento no ar, que tornava exaustaste permanecer andando nas ruas. Carolina, por outro lado, amava o calor, e ao contrário dos demais, que se refugiavam em meio a sombra das árvores e marquises, a garota andava tranquilamente no sol escaldante. Vestia um short e uma blusa curta, daquelas apropriadas apenas para praia e piscina, atraindo assim olhares masculinos. Todos os dias, perto do meio dia, gostava de correr com em meio à praça. É assim que fazia para que seu bronzeado perfeito produzisse inveja nas demais garotas da escola, mesmo nos meses de inverno, quando tudo perde a cor.

Seu telefone tocou, e Carol, num suspiro de aborrecimento, parou a música que ouvia e retirou-os fones, atendendo o celular. Não conhecia o número, e viu que era de outra região, mas resolveu atender mesmo assim, afinal o incomodo já havia atrapalhado sua caminhada.

–Oi, eu falo com a Carol? – disse a voz suave do outro lado da linha. Era Regina.

–A própia. Com quem eu falo? – Respondeu Carolina, tentando imaginar de quem se tratava, a voz era doce e terna, parecia de alguma forma familiar, mas não podia rastrear de onde.

–Pois é... Eu sou a Regina, prima do Thomas, eu não sei se você se lembra... Provavelmente não, mas já fomos bem amigas na infância.

–Mas é claro que lembro. – Carolina não se lembrou de imediato, mas o fato de ser prima do Thomas a fez pensar na informação, até que a figura de Regina surgiu na sua mente. – Mas e aí, o Thomas tá bem? Eu fiquei sabendo que ele viajou ara fazer um curso na capital? Ele não avisou nada... Fiquei preocupada. Ele tá aí? Eu posso falar com ele?

–Claro... Eu já passo a ligação. – Assentiu Regina.

–Oi Thomas! Cadê você garoto? Quase me mata de susto! Sai sem avisar e sem dizer nada! Uma hora tá aqui outra hora na capital! –Brincou Carolina.

–Carol... Eu fui expulso de casa. – Falou Thomas, em tom pesaroso. – Meu pai descobriu toda a história entre eu e o Thomas... Infelizmente ele não aprovou, e agora tive que vir morar com meus tios e minha prima. Não sei quando vou voltar.

A expressão de Carolina se alterou. Em um tom de espanto e indignação ela respondeu:

–Mas isso é horrível! Não acredito Thominhas. Vou sentir saudade. E o Pedro, acabou entre vocês?

–Nosso amor é mais forte do que isso Carol... Sabe, eu pensei em algo para manter a gente em contato, mas vou precisar da sua ajuda para isso.

–Pode Falar Tom, eu te ajudarei. – Falou Carol, com um risinho.

–Eu vou escrever cartas para ele, e minha amiga vai enviar. Pro meu pai não suspeitar, a gente envia para você, e aí você entrega para ele. Pode ser?

–Que ideia perfeita Tom. É super romântica! Amei. – concordou Carolina com empolgação. – Pode mandar hoje mesmo! Eu ficarei feliz em enviar.

–Obrigado Carol! Você é a melhor amiga do mundo!

–De nada Thominhas... Tudo pra te ver feliz! Escuta, agora tenho que desligar. Tem alguém aqui me chamando! Mas espero falar com você assim que possível! E boa sorte com as cartas! Beijos, até mais.

Carolina desligou o celular, guardou o no bolso e passou a caminhar lentamente pela praça, olhou para o caminho que levava à casa de Pedro, e sorriu. Murmurando consigo mesma:

“agora tudo depende de mim”


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Notas finais do capítulo

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