Axel

O ruivo acordou com seu celular tocando em cima da mesa da sala.Levantou-se do sofá esfregando os olhos de sono e atendeu,sem prestar atenção no nome que tinha no visor.

-Alô?-Ele perguntou,com a voz cansada.

-Hey,Axel!A quanto tempo!-Era uma voz conhecida ao ruivo.Poderia ser...

-Demyx,é você?E aí,cara?Como você está?

-Ué,eu que pergunto.Você saiu de fininho da festa naquele dia.Soube que rebocaram seu carro.O que aconteceu?

-Eu estacionei num canto pra deficientes,sabe como é.Depois eu fui a pé mesmo para casa.Cara,você nem imagina o que eu encontrei naquela noite.

Axel estava prestes a contar quando viu a silhueta de Roxas descendo a escada,vestindo seu pijama e bocejando de sono.Tinha acordado com a voz alta do ruivo.Axel era uma daquelas pessoas que falavam gritando no telefone sem perceber,mesmo quando o volume da ligação estava no máximo.

Axel hesitou por um segundo.Seria certo contar a alguém sobre Roxas?A vida era dele,então não seria ele a decidir?Roxas percebeu Axel ao lado do sofá,com a expressão agora meio que preocupada.

-Axel?-falou Demyx no telefone,checando se o ruivo ainda estava no outro lado.

-Hã,olha...Demyx,eu tenho que ir.Me liga mais tarde,ok?-Respondeu Axel,desligando o telefone em seguida,antes que Demyx pudesse responder.

-Você disse “Demyx” ?-Roxas perguntou,agora surpreso.-Você conhece meu irmão?

-Ele é seu irmão?Vocês não são muito parecidos.

-Quando o conheceu?Espera,você disse alguma coisa a ele sobre mim?Você contou a alguém sobre mim?

-Hum...não.Era pra eu contar?

-De jeito nenhum.Olha,Axel,ninguém pode saber que estou aqui.Preciso só de um tempo para me recuperar e depois vou embora,ok?Não precisa se preocupar,mas por favor,não conte a ninguém que estou aqui.

-Tudo bem,se é o que você quer.-Axel deu de ombros e foi até a cozinha preparar o café.

Roxas o seguiu se apoiando nos móveis até se sentar a mesa,ainda bocejando.Nunca tinha dormido até tão tarde antes,mas sentia que aquilo o fazia bem.Já conseguia se levantar e andar um pouco,apesar de que aquele leve esforço já o deixar ofegante.

Uma coisa a mais perturbava Roxas.Axel até agora só perguntara o seu nome,mas sabia que cedo ou tarde teria que contar a verdade ao mais velho,e não sabia se estava pronto para isso.Confiava em Axel,claro,ele lhe salvara a vida,e também já o considerava um amigo,mas nunca tinha contado sobre sua vida a alguém antes.Isso o deixava inquieto de um jeito que até Axel conseguia perceber,mas o ruivo continuava calado.Não iria obrigar Roxas a contar algo que não queria,afinal,eram os seus problemas,e não os dele.

-Tem cereal,leite,queijo e uns pedaços de pão de ontem.O que você quer?-Axel perguntou,mexendo na geladeira.

-Qualquer coisa serve.-Roxas respondeu com a voz cansada.

-Isso não existe,Roxas.

-Cereal com leite serve.

Axel serviu o cereal tanto para Roxas quanto para ele mesmo.Comeram em silêncio,ouvindo os barulhos dos carros no lado de fora do apartamento.

-Já consegue se levantar?-Axel perguntou entre uma colherada e outra.

-Um pouco.

-Ei,já já vou sair para fazer a feira,senão não vamos sobreviver até amanhã.Quer ir comigo?

-Eu...

-Sei que está evitando alguém,está na cara,mas essa cidade é a segunda maior do país,e a probabilidade de você encontrar esse alguém é mínima.Vamos lá,vai fazer 3 dias que você mal sai da cama,andar um pouco não vai lhe fazer mal.

-Mas...

-Mas nada.Você vai e ponto final.

-Então para que você perguntou seu eu queria ir?

-Esperava que você respondesse de prontidão.

-Você é muito chato,sabia?

-É,eu sei.Ainda são 10 da manhã,podemos sair e passar em algum lugar antes.O que acha?

-Importa?Você vai me arrastar de qualquer jeito mesmo.

-Tem razão.Vá se arrumar,hoje nós iremos a um lugar especial.

-Não sei se você notou,mas eu só tinha a roupa do corpo quando cheguei aqui.

-Hum...meu pijama já está enorme em você,imagine as minhas roupas.Talvez compremos algumas blusas e umas calças também.Meus pais mandaram dinheiro uns dias atrás,temos o bastante para tudo isso e mais um pouco.

-E até lá?Vou andar pelado no meio da rua?

-Vou tentar achar minhas menores roupas pra você.

        Axel subiu até seu quarto e começou a terrível busca por roupas que coubessem em Roxas.O loiro era quase do tamanho de uma criança,ficava abaixo do ombro de Axel.Isso com certeza não seria fácil.Minutos depois,Roxas também subiu para o quarto,largando-se na cama,esperando que Axel encontrasse alguma coisa.

        Foi só lá pras 11:15 que Axel encontrou uma calça jeans,velha,desbotada,mas de tamanho perfeito para Roxas.Embrulhada com a calça,estava uma jaqueta preta e uma camisa branca.Axel não fazia a menor idéia de como aquilo tinha ido parar ali,mas não importava.Problema resolvido.

        Axel,por causa do estado de Roxas,ofereceu ajuda ao loiro quando este foi tomar banho,mas Roxas recusou e foi tomar banho sozinho.A idéia de Axel vê-lo nu não lhe agradava.Gostava muito da sua privacidade para abrir mão dela tão facilmente.

        O difícil foi tirar as ataduras,recolocá-las e vestir as roupas por cima.Quando saiu do banheiro,Roxas não tinha certeza se podia ao menos respirar sem que sentisse dor.Como a casa só tinha o banheiro do quarto e Axel demorava um ano para ajeitar-se,saíram de lá por volta das 5 para as uma da tarde.O ruivo vestia uma calça jeans escura e uma camisa preta com detalhes em vermelho. 

 -Credo,já está na hora do almoço.-Axel falou,olhando o relógio de pulso.

-Onde nós estamos indo?-Roxas perguntou.

-Nossa primeira parada é a loja de roupas.

-Qual delas?

-Tem alguma Somebodie or Nobodie por aqui?-perguntou Axel casualmente,se referindo a uma das lojas de roupas mais caras do país.

-C-Claro.Vamos comprar lá?

-Eu sempre compro lá.

-Você é louco mesmo.

-Nop,só tenho bom gosto.

Pegaram uns ônibus até que chegassem na parte rica da cidade.Era um bairro com enormes árvores,luminárias antigas e lojas monumentais.Carros caros estavam estacionados por toda a rua,e restaurantes chiques com pratos exóticos não faltavam por ali,além de,claro,gigantescas mansões,com portões enfeitados que custavam mais que o salário anual de uma família inteira de classe média.

Entraram na tal loja de roupas,com vários olhares pousados em Roxas,ou melhor,nas suas roupas.Axel ignorou aqueles olhares intimidadores,mas Roxas sentiu-se pequeno ali.Sem pestanejar,o ruivo logo foi até a bancada,exigindo que fosse atendido,mostrando a identidade e o cartão de crédito.

Como se aquelas fossem as palavras mágicas,em pouco tempo Roxas estava no trocador,experimentando dezenas de calças,blusas,jaquetas,bermudas,camisetas,ternos,chapéus e até sapatos importados.Tirar e colocar mais e mais roupas doía-lhe a pele,mas Roxas até que estava gostando.Nunca recebera tanta atenção,sempre escolheu suas próprias roupas sozinho,e percebeu que gostava de ter uma segunda opinião para ajudar.Axel tinha um ótimo dom para combinações de roupas,mesmo elas sendo cor verde-limão e a outra caixão-de-anjo (um tipo de roxo bem clarinho).

Horas depois,Roxas estava mais bem vestido do que nunca,enquanto Axel carregava as várias sacolas de roupas,fazendo-o colocar uma careta no rosto de tão pesadas.

-E agora?-perguntou Roxas,com as mãos nos bolsos.

-Iremos ao parque de diversões.-Respondeu Axel,ofegante.Como roupas podiam pesar daquele jeito?

-Parque...de Diversões?

-É.Cara,estou sentindo mais falta do carro do que nunca.

-Você tinha um?

-Tinha.Rebocaram por multa.

-O que vamos fazer no parque?

-Comer,brincar,aprontar alguma,ganhar uns prêmios.

-Ah.Sabe?

-Hum?

-Eu nunca fui num parque de diversões antes.

-O que?!-Axel parou de andar,surpreso demais.-Repete isso de novo.

-Nunca fui num parque de diversões antes na minha vida inteira.-Roxas respondeu,dando de ombros como se aquilo fosse só mais uma notícia completamente normal.

-Quantos anos você tem,Roxas?

-15.Sabe,é porque eu nunca quis ir.Geralmente as pessoas vão para lá acompanhadas,e vamos dizer que ninguém lá em casa morria de amores por mim.

-Ah.-Axel voltou a andar,se postando ao lado de Roxas,que agora tinha o olhar vazio.-Bem,para tudo existe uma primeira vez.O que acha de tentar ao menos entrar num brinquedo hoje?

-Acho...que não vai fazer mal.

-É assim que se fala!-Exclamou Axel,dando um soco de leve no ombro de Roxas,que o fez estremecer.

-Ei!cuidado aí.

-Ah,para de reclamar,seu fresco.

-Hmph.

E assim passou o resto da tarde deles.O parque estava até que um pouco mais lotado que o de costume,mas mesmo assim,ambos puderam andar em vários brinquedos,comer bastante cachorro-quente,churros e refrigerante.Axel ria de quase tudo,inclusive das pessoas que passavam por eles.Roxas estava feliz,chegou até a rir uma vez ou outra,mas não estava verdadeiramente feliz,não que ele ainda se lembrasse do que fosse realmente ser feliz.

Saíram do parque e pediram um táxi.Axel já não agüentava mais andar com aquele tanto de coisa nos braços,e Roxas reclamava que nem sentia mais seus pés.No carro,Axel comentou:

-Ei,Roxas,o que acha de alugarmos um filme?

-Ok.Você é que vai pagar mesmo.-Roxas respondeu,dando de ombros,olhando a vista que passava rápido pela janela.

-Motorista,pare na locadora mais próxima,ouviu?

-Sim,senhor.

Minutos depois,o ruivo e o loiro escolhiam um filme numa locadora de médio porte,bem próxima ao apartamento de Axel.Roxas não sabia o que escolher,faziam anos que não alugava um filme,todos pareciam legais demais mas tinha medo de alugar um que não fosse bom.Axel,ao contrário de Roxas,foi logo para a seção de terror,seu gênero preferido,pegando um filme que fora eleito o “mais assustador” do ano e logo indo para o balcão da locadora.

-Que filme pegou,Roxas?-perguntou Axel,saindo da locadora com o loiro atrás de si.Entraram no táxi e retomaram o caminho de casa.

-Nenhum.-O loiro respondeu,dando de ombros novamente.

-Por quê?

-Nenhum me interessou.-Mentiu.

Chegaram em casa,Axel pagou o táxi e saíram.Abriram a porta do apartamento,Axel não demorou a jogar as tantas sacolas no chão da sala,se sentando no sofá em seguida,descansando as pernas.Roxas revirou os olhos e levou as sacolas para o quarto.As vezes não suportava a desorganização de Axel.

Quando voltou a sala,Axel estava colocando o filme no DVD,sem camisa já,deixando suas costas bem trabalhadas a vista.Não era larga,mas era definida e não tinha um pêlo sequer.Roxas corou por um momento,não estava acostumado a ver pessoas sem partes das vestes.Desviou do caminho e foi para a cozinha,tendo a idéia de fazer pipocas.

-Ok.O filme está pronto.-Falou Axel,da sala.-O que está fazendo,Roxy?

-Pipoca.Não me chame assim.-Respondeu Roxas,trazendo uma vasilha cheia de pipoca com manteiga até onde Axel estava,sentando-se ao seu lado,desviando o olhar.

-Assim como?

- “Roxy”.

-Por quê?

-Eu...não gosto.

-Mas combina com você.

-Hmph.De que é esse filme?

-Terror.

-O que?!-gritou Roxas.Detestava filmes de terror,morria de medo deles.

-É.Diz que é o mais assustador do ano.

-Mas...mas...

-Você não tem medo,não é?

-Eu...bem...Não,nem um pouco.

-Ótimo.

Logo o filme começou,mostrando uma mulher numa sala escura e silenciosa demais.Naquele cômodo também havia um espelho enorme,cobrindo toda a parede.De repente,uma figura apareceu refletida no espelho,fazendo com que Roxas soltasse um grito baixinho,alto o bastante para que Axel escutasse.

No entanto,Roxas continuou sentado,abraçando as pernas,orgulhoso demais para ir logo dormir no quarto.Axel estava sentado de um jeito folgado,de pernas abertas e braços cruzados atrás da cabeça.Ele achava aquele filme tão bestinha,e pensar que era o mais assustador do ano.

Assistiram o filme até o final,hora que Roxas agradeceu aos céus por ter chegado.Desligaram o DVD,Axel deitou-se no sofá e Roxas foi para o quarto,prestes a ter um ataque do coração.

Para todos os cantos que olhava,pensava ver um vulto de uma pessoa,principalmente naquele quarto escuro.Roxas acendeu as luzes,fechou a porta e foi banhar-se.Terminou,vestiu seu pijama,desligou as luzes e se deitou na cama,escondendo-se embaixo dos lençóis finos.

Lá fora,ruídos normais pareciam enormes barulhos para Roxas,que não conseguia pregar os olhos de jeito algum.Tateando no escuro,procurou por alguma coisa que cobrisse seus olhos da luz da lua que vinha da janela,fazendo tudo ter um ar mais fantasmagórico.

Encontrou um pano fino,macio,com um toque bom.Sem pensar,trouxe até seu rosto,captando seu cheiro.Era um aroma tão...viciante.Poderia passar a noite inteira cheirando aquele aroma que jamais enjoaria.Não tinha como descrever aquele cheiro,talvez algo queimado misturado com um toque de menta e lavanda.Era estranho,mas Roxas estava amando aquele cheiro.O que seria aquele pano?Não pensou muito mais,pois logo sentiu o sono pesar-lhe os olhos e o medo todo ir embora.Adormeceu segundos depois.

A porta abriu-se lentamente,e pela fresta,Axel espiava o menor dormir.Riu quando viu Roxas agarrado com sua blusa de horas mais cedo.Axel tinha jogado ela perto da cama,e agora estava embaixo do rosto de Roxas.

O ruivo adentrou o quarto para pegar um lençol no guarda-roupa,demorando-se a olhar a imagem tão serena de Roxas.Sentiu um estranho impulso de se aproximar do menor,pegar-lhe nos braços,sentir sua pele...Balançou a cabeça,negando a idéia.Ele e Roxas eram apenas amigos,melhores amigos,e só isso.Ele sabia que o loiro não sentia nada demais em relação a Axel,e tudo que ele fazia,corar quando via Axel sem camisa,cheirar sua blusa e outras coisas que ele tentava esconder mais não conseguia,eram só porque Roxas acabara de sair de um tempo difícil,então não adiantava Axel pensar naquele assunto.

O ruivo também tinha uma vozinha na sua cabeça eu dizia: “você,além do mais,é hetero.Você adora mulheres de biquíni e coisas do tipo”.Então outra dizia: “você fica feliz quando o vê feliz,não é?Isso não significa algo mais?”

Axel voltou a balançar a cabeça,saindo do quarto e voltando para a sala,deitando-se no sofá,tentando esquecer o assunto e adormecer,o que demorou algumas horas,mas conseguiu.Sonhou com o mesmo loiro que vira dormir,e até murmurou seu nome enquanto sonhava... “Roxas...”