Se acha que minha vida é um milhão de flores eu já vou lhe adiantando que não é. É um inferno literalmente, meus pais sofreram um acidente de avião, eu estou morando na casa da minha tia (irmã da minha mãe), além disso tudo eu era adotada e meus pais biológicos segundo os registros também partiram, minha mãe biológica faleceu quando me deu a luz e o meu pai biológico faleceu de câncer no pulmão três anos após o ocorrido.

Será que eu tinha uma atração negativa? Eu olhava ao meu redor e só coisas ruins me aconteciam, já não bastava a falta que meus pais me faziam eu tinha que conviver com meus tios. Na verdade eles eram até legais e minha tia se chama Penny, meu tio é Ian, além deles tenho dois primos a Jessi com 13 anos e o Bruce com 15 anos (mesma idade que a minha).

Na realidade eu estava me mudando, eu não poderia ficar na casa da minha avó por parte de pai, pois ela estava com idade já avançada e não tinha condições de ter uma menor de idade na sua casa. Pelo menos faltavam dois anos para terminar o colégio e então eu teria a maior idade e iria viver por minha conta própria.

- Pronto, essa é a última caixa Soph’s. – Falou meu tio Ian enquanto colocava perto de uma escrivaninha.

- Obrigada tio de verdade, é só temporário.

- Não tem de que e pode ficar aqui o tempo que quiser, as 19h o jantar é servido ok? – Ele sorriu virando-se para descer.

- Tudo bem. – Eu esbocei um breve sorriso.

Eu tinha realmente gostado do meu quarto temporário, era o sótão, a casa deles não é tão grande então não queria dormir no quarto da Jessi, afinal sempre era bom eu ter o meu canto e acho que eles foram generosos por conta disso. O Sótão estava literalmente lindo, eu não gostava daquelas coisas coloridas demais, entretanto eu precisava de algo colorido, porque ultimamente era apenas cinza. Finalizei  a decoração colocando o espelho, ele era bem antigo, olhei para o meu reflexo e tudo que via era uma garota de óculos, cabelos escuros compridos até os ombros e grandes olhos escuros. Eu não era bonita, não me achava, todos falavam sempre do meu rosto que era lindo, mas nunca achei isso. Eu era gordinha, ou seja, garotos não gostam disso, sempre preferem as meninas do corpão, as gostosonas e isso era diferente em mim, quem vai querer uma gordinha de olhos pretos, cabelos pretos e ainda pálida? Nenhum deles. Eu me distraí quando ouvi uma voz feminina interrompendo meus pensamentos enquanto eu terminava de dar os toques finais ao meu “quarto”.

- Uau Sophie, está realmente lindo aqui... fez um bom trabalho

- Obrigada Tia Penny, eu também gostei.

- Espero que esteja se sentindo confortável, qualquer coisa me chama tá certo?

Ela sorriu e veio me abraçar. Ela era carinhosa, era o tipo dela, ela parecia um pouco a minha mãe, talvez por isso alguns momentos olhá-la doía um pouco. Ela era loira dos olhos azuis, tinha por volta dos seus 40, tinha um corpão também, imagino que os amigos de Bruce babavam por ela. O Ian também era um coroa simpático e bonito, era um pouco grisalho, mas ainda possuía uma cara de meninão, as amigas da Jessi suspiravam por ele. Meus tios eram um casal bonito e foram muitos receptivos comigo, sei que também não era fácil para a Penny, afinal ela perdeu a sua irmã, só que ela também compreendia que era mais difícil ainda para mim: eu não tinha ninguém além deles, eu perdi os meus pais. A foto deles comigo em uma das nossas viagens ainda doía em mim, peguei a foto deles e fiquei por um momento ali perdida no meu mundo.

- Posso entrar? – Disse uma voz mais fina e calma.

- Claro que sim Jessi – Eu esbocei um sorriso

- Nossa, ficou lindo aqui

Eu sorri em forma de agradecimento, sim ela era linda para seus 13 anos, parecia uma boneca, ainda era perceptível seu corpo em formação, mas ela lembrava os traços da sua mãe. Havia muito tempo em que eu tinha visto eles, acho que uns 3 anos, nossa família não era muito unida e piorou por conta da distância. O que eu gostei da Jessi é que ela ainda era simpática e passava um ar verdadeiro nisso

- Obrigada – Eu sorri sem jeito

- Então, vai estudar no mesmo colégio em que a gente?

- Provavelmente

- Uau, você será ensino médio. Lá tem uns meninos lindinhos. Você já namorou?

-Sim.

-Jura? Com quem? – Ela parecia surpresa.

- Com um garoto na minha antiga escola, se chamava Ryan.

Era tudo mentira, nunca tive um namorado. Como eu disse, quem queria alguém como eu? O único menino que eu gostei na minha vida era ele, o Ryan. Só que como a vida continua fechando as portas para mim, lógico que ele iria se apaixonar por uma única menina que andava comigo, ela se chamava Giulia, eventualmente ela foi deixando de andar comigo e ele também.

Eu estava em cima daquele palco em um barzinho, era um karaokê, mas coloquei toda a minha voz para fora e nem eu mesma havia acreditado nisso, era um dueto eu e o Ryan, tinha tomado algumas cervejas e estava mais desinibida. Para você que achava que ele me ignorava era o oposto disso, ele era meu amigo. Eu o olhei e ele era lindo demais para se interessar em alguém como eu de verdade, seus cabelos jogados sobre a sua testa eram aquele loiro escuro e seus olhos esverdeados, seu sorriso era perfeito e o cheiro da sua pele ainda me traziam lembranças aquela música ecoava em minha mente:

And I will give to you summer wine

Oh-oh summer wine

Ainda naquela noite na volta para casa o Ryan estava caminhando ao meu lado me acompanhando, nós estávamos rindo e comentando sobre as estrelas, seu braço estava envolta do meu pescoço, parecíamos um casal de verdade aos olhos de alguém de fora, eu desejava ser dessa forma com ele. Nós paramos em um jardim no qual rimos bastante, eu estava tonta e caí sobre a grama e fiquei olhando para o céu estrelado, ele fez o mesmo ainda rindo de mim enquanto nós ficamos calados.

- Eu tenho que lhe dizer uma coisa Sophie.

OMG, ele iria se confessar será? Eu senti borboletas e cala frios percorrendo pelo meu corpo, meus dedos se fecharam em sinal de nervosismo e ele me olhou em meio aquela pouca claridade.

- Pode... dizer...

- Nós somos amigos e eu gosto tanto de você sabe?

- Eu também – Eu falei com toda sinceridade naquele momento.

- Eu  queria que você falasse com a Giulia, eu estou apaixonado por ela, o que acha?

O que eu acho? Meu mundo caiu naquele momento, eu olhei para o céu e senti meus olhos se embaçarem. Era ali o fim da nossa amizade, minha, dele e da Giulia, não por minha culpa. A Giulia sempre foi ciumenta e ela tinha ciúmes da minha amizade com ele, aos poucos fomos nos afastamos e com o acidente dos meus pais a última vez em que o vi foi enquanto eu estava prestes a entrar no ônibus para casa da minha vó.

- SOPHIE – Eu ouvi a sua voz, era ele atrás de mim e eu apenas o cumprimentei com um gesto.

- Eu sinto muito, sinto muito por tudo e não queria que você fosse... – Ele falou um pouco ofegante.

- Eu não quero mais ficar aqui Ryan, não tem nada pra mim e agora que meus pais se foram aqui só vai me fazer pior ainda. Espero que seja feliz, você não é uma má pessoa.

- Mas eu queria....

- Tudo bem, eu tenho que ir agora. Adeus

Foi a nossa última conversa, eu acenei para ele e entrei no ônibus. Me pergunta se eu gostaria de saber o que ele queria falar? Sim, eu morro de curiosidade de saber, mas uma parte de mim ainda tinha a decência de não querer mais se machucar, ainda mais por ter aquilo tudo acontecido com meus pais, era um turbilhão de sentimentos e o Ryan era pequeno perto daquilo tudo.

- Então porque terminaram Sophie? – Era a Jessie me perguntando interrompendo meus pensamentos.

- Ele ficou com outra garota e depois.... foi isso. – Eu suspirei.

- Ah, lamento. Em breve eu sei que vai achar alguém – Ela falou com tanta esperança que até eu sorri por isso, achei até bonitinho.

- Jessi, obrigada por tentar, não acharei ninguém. – Eu sorri e fomos interrompidos por umas gritarias vindo debaixo, eu pude reconhecer a voz do meu tio  e do meu primo aos berros.

- Você a levará com você para o colégio sim Bruce ou não terá carro. – Tio Ian falou firme

- Putz que merda, agora vou ter que ser humilhado com uma garota gorda do meu lado do banco da carona.

- QUE MERDA BRUCE, ELA É SUA PRIMA, TENHA RESPEITO. – Seu pai se exaltou

- DE CASTIGO, SUBA PRA SEU QUARTO. – Tia Penny falou.

- Droga, tudo por causa dessa gorda órfã. 

Eu ouvi ele subindo as escadas e entrando no quarto e batendo a porta com força.

- Desculpa meu irmão Sophie, ele é assim , mas é muito legal

A Jessi veio me abraçar, sim ela era muito fofa para a sua idade.Sim, ele não tinha mentido eu era uma gorda e órfã, era isso o significado da minha vida, o gorda era o mínimo, mas órfã me doía demais, aquela palavra era forte e tinha tocado nas minhas feridas ainda não cicatrizadas. Em seguida a Jessi saiu do quarto, agradeci por ela ter entendido que eu precisava de ter um momento a sós comigo mesma.

- O que acha? Olha só como anda minha vida... Nada melhora, eu já lhe disse que meu primo me detesta definitivamente? Tudo por merda de uma porra de uma popularidade de bosta de um colégio, que porra vale isso??Nada né? Não vale nada, eu não tenho mais nada e estou cansada de lutar contra tudo e todos, uma hora isso cansa dentro de mim e acho que estou sem forças sabe Luby?

Meus olhos rolaram tantas lágrimas que nunca vi tantas que estavam presas, eu estava cansada de sempre chorar, mas de vez enquanto estavam elas ali. Luby era o nome que eu dava ao meu espelho, minha mania de falar com ele foi desde sempre, eu me olhava e conversava horas com ele esperando alguma resposta, mas sempre era um silêncio. Aquilo era minha terapia talvez, sempre me deixava aliviada quando falava certas coisas em voz alta, graças ao Luby. Eu era uma louca? Deveria ser, uma porra de louca e naquelas situações eu deveria ser a mais fodida de todo o universo sinceramente.

                               ***

- Então Sophie, animada pra o colégio amahã?

Meu tio Ian me perguntou um pouco mais calmo e amigável.

- Acho que sim – Eu esbocei um breve sorriso.

- Você deve pegar algumas matérias com o Bruce – Penny tentou quebrar um clima.

Bruce permanecia quieto no seu lugar apenas comendo, sim o clima estava tenso. Ele não era feio, seus traços eram os mais diferentes, ele não parecia nem a minha tia e muito menos o meu tio, mas parecia uma mistura dos dois percebendo melhor, seus cabelos eram lisos caídos sobre a testa, seus traços eram de um menino homem, sua boca era um traço fino e seus olhos eram um mel. Sabe aquele garoto popular do time de futebol dos filmes? Sim, aquele era o Bruce e certamente ser visto com alguém com a aparência como a minha não era muito viável.

-Amanhã Sophie e eu vamos no shopping – Falou a Jessi animada e meus tios adoraram a ideia, apesar de não ter curtido muito eu apenas sorri, era isso que eu fazia para disfarçar meus sentimentos interiores, sorria.

- Ótima ideia filha, mostra a cidade para a Sophie – Meu tio concordou com a ideia.

 Assim que o jantar terminou ajudei a Penny a lavar as louças apesar de ter insistido muito, eu queria retribuí-la de alguma forma e também distrair um pouco a minha mente. Já deviam ser umas 9 horas da noite, estava na sala assistindo televisão com a Jessi e tia Penny, alguns programas distraiam a mente, mas o fato era que eu estava cansada e exausta.

- Eu vou subir, amanhã será um grande dia. Boa noite 

Eu falei enquanto me despedia da minha tia e da minha prima, elas retribuíram o meu boa noite e subi para o meu provisório quarto. Coloquei um pijama, era uma calça folgada e uma blusa de manga, me deitei de baixo dos edredons e apaguei a luz do meu abajur.