O Sol Negro E A Lua Branca escrita por Gabby


Capítulo 28
Opaco


Notas iniciais do capítulo

Não precisa dizer que eu demorei; acreditem, eu sei. Mas acontece que faltou-me criatividade esses dias, a escola começou e a vida não ficou fácil ( tenho prova de Química amanhã. Desgraça!) Não faz uma semana que a mente realmente destrancou! Mas muito obrigada aos leitores que comentaram no último capítulo: Néphélibate, Scatha, Byakuya, Riven, Iachiro.
Aproveitem o capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/360133/chapter/28

Opaco: Sombrio; escuro; que não deixa passar luz; impenetrável.

Yoruichi acordou em um susto, assustada com um sonho de que ela não se lembrava mais. Dificilmente a feiticeira lembrava-se de seus sonhos assim que acordava, normalmente as lembranças dele vinham ao decorrer do dia.

— Quando tempo eu dormi? — perguntou ela para Grimmjow, que estava um pouco alarmado, encarando Hiyori.

Ele demorou a responder, e quando o fez não tirou os olhos da garota ainda desacordada.

— Uma hora, talvez. — estimou Grimmjow. Dirigiu o olhar para Yoruichi, a olhando nos olhos. Grimmjow tinha olhos azuis claros, gélidos, poderosos, porém belos. Olhos de alfa. Ela se sentiu ainda mais consciente de seus olhos dourados, sua eterna marca de feiticeiro, que indicava que seu pai era um demônio. — Houve algo estranho na floresta. No céu, mais precisamente. Havia um ponto muito escuro, negro. Pensei que iria chover. Mas passamos e não caiu nenhuma gota.

Yoruichi deu de ombros: acontece.

Haviam tomado um caminho alternativo para o Reino Kuchiki. A estrada era pior, esburacada, cheia de curvas, mas pelo menos não havia nenhum demônio. Estava cansada demais, exausta, dolorida, para matar outro. E Grimmjow não parecia estar em estado emocional propício para isso também.

Ela dirigiu o olhar para Hiyori, que respirava muito melhor agora, as feridas já começavam a se cicatrizar, o rosto estava no colo de Grimmjow. Pensou em dizê-lo que Hiyori não era seu pai, porém achou isto algo muito grosseiro a se dizer a alguém que perdera o pai tão recentemente.

— Ela parece estável. — comentou Yoruichi.

— Está, está, sim. — comentou Grimmjow, empolgado. — Creio que acordará amanhã mesmo.

— Eu não seria tão otimista. — retrucou Yoruichi.

Grimmjow a olhou sério, os olhos doloridos, depois desviou o olhar. A feiticeira rapidamente se arrependeu por ter dito aquilo.

Subitamente, lembrou-se do Príncipe Hitsugaya. Toushiro fora o primeiro a sair da carruagem, o primeiro a entrar no castelo. E, pelo o que ela sabia, ainda estava lá. Yoruichi esperava que vivo. Estava tão ocupada com a sua própria pele que esquecera-se do garoto, que mal tinha dezessete anos, que era inocente quanto ao mundo mágico, que estava praticamente sob seus cuidados. Sentiu-se muito culpada, um remorso tão grande que preenchia todo o vazio que o pobre Hisagi havia deixado. Parecia-lhe que estava apodrecendo de dentro para fora.

Pensou, então, em Urahara. Não pensara nele desde que chegara no Hueco Mundo, o que era horrível quando ele estava em verdadeiro perigo. Yoruichi era uma esposa horrível ou uma pessoa egoísta? Provavelmente os dois. Por isso que tantos parceiros já haviam deixado-a.

Concentrou-se. Desligou-se de todo o barulho. Estava procurando a energia de Hitsugaya. Em sua cabeça, várias fitas surgiram, penduradas no teto. Tudo estava escuro, de forma que ela pudesse concentrar-se apenas nas fitas. Passou as mãos por elas, sentindo as pessoas por ela representadas. Cada ser tinha uma cor natural: a dos humanos, quando não procurados, era branca; fadas tinham uma fita de coloração verde, lobisomens continham uma fita marrom, as fitas dos vampiros eram negras, as de magos eram prateadas, as dos feiticeiros azuis. Enxergou uma fita vermelha, de cor vibrante: era a fita que ela procurava. A de Hitsugaya Toushiro. E ela sabia onde ele estava.

Abriu os olhos e respirou fundo. Às vezes, ela ficava tão concentrada que esquecia-se de respirar. Embora este feitiço seja um dos mais básicos, a pessoa precisa ser centrada para utilizá-lo e conseguir manipular vários elementos ao mesmo tempo. E ela estava muito cansada.

Sabia que, do jeito em que se encontrava, do jeito que Grimmjow e Hiyori se encontravam, ela não teria condição em procurar Toushiro, ajudar Toushiro.

Por isso, concentrou-se novamente. Grimmjow a observava, franzindo a testa, Yoruichi fechou os olhos. Imaginou uma folha de papel, as palavras ditas em sua mente, entalhadas no papel.

Kisuke, sei que você está vivo, mas espero que esteja bem. Não vá ao Hueco Mundo; ele foi invadido pelos demônios. E são Demônios Maiores, por isso não banque o herói e impeça qualquer um que queira bancá-lo, a não ser que este alguém tenha um plano e um exército BEM grande.

O príncipe do Hueco Mundo está aqui na carruagem, comigo. Perdemos pessoa; Barragan e Hisagi faleceram... No entanto, Toushiro ainda está vivo. Vagueia pela Floresta das Fadas; acho que uma vampira o acompanha — não sei com que intenção. Como sabe, hoje é Samhain, noite em que as fadas ficam mais ativas. Não sei o que elas podem fazer com Toushiro, o que podem armar para vingar-se de Rukia através de seu irmão. Mas Halibel não está com ele para protegê-lo; tenho impressão de que ela faleceu.

Sinto-me imensamente culpada por isso, mas não posso procurá-lo. Grimmjow está muito abalado com a morte do pai, incapaz de lutar. Hiyori persiste, recém mordida por um lobisomem. Eu estou exausta; minha magia está esgotada.

Urahara, eu não sei o que irei fazer se aquele garoto não sobreviver. No entanto, não sei o que irei fazer também se você morrer. Então, por favor, não assuma riscos enormes. Nada que você não ache que consiga.

Ela pensou em Kisuke, seu elo fortíssimo com ele por causa do casamento. Sabia que ele estava vivo, sabia que ele continuava no mesmo lugar que a carruagem havia estacionado. Respirou fundo e enviou a mensagem, imaginando ela correndo pelo ar, rápida como o som.

///

Urahara estava encostado na carruagem, arfando, suspirando. Como queria um cigarro! Ou um charuto... talvez um pouco de ópio. Rukia e Ichigo jaziam deitados na grama. Byakuya administrava os primeiros socorros, Ulquiorra pendurava-se ali também, mas não tinha conhecimento de como fazer o bem. Parecia um urubu, rodeando a carniça, esperando a presa morrer...

Kisuke recebeu a mensagem de Yoruichi quase como um clique. Tomou consciência dela, a absorveu muito rapidamente. Ficou chocado com o que dizia a carta. Abaixou o chapéu, chamou Byakuya.

— O que há? Estou ocupadíssimo no momento. — reclamou Byakuya, em voz autoritária. Levantou-se e olhou para ele.

— Apenas pare de resmungar e venha aqui.

Byakuya bufou, sem educação, sussurrou algo para Rukia e veio até a carruagem, que estava distante o suficiente de Ichigo e Rukia para que eles não ouvirem, se assim falarem baixo. Byakuya não estava mal; tinha, sim, várias lesões no corpo, cortes superficiais, arranhões, mas nada que o incapacitasse no momento. Os cabelos, sempre alinhados, estavam bagunçados; ele havia perdido suas presilhas em algum lugar da batalha. Estava sujo de sangue, de terra, não parecia o rei que se portava sempre de maneira educadíssima.

— Byakuya, — Urahara começou, suspirando logo em seguida. Yoruichi é que sempre dava as más notícias; Kisuke não estava acostumado. Decidiu ser direto: — O Hueco Mundo foi invadido...

— O quê? Mas isso não é possível... !

— Por Ciel. — continuou Urahara. Se parasse para ouvir as exclamações de Byakuya, acabaria desistindo de contar-lhe tudo. O moreno praguejou um “merda” baixo, mas raivoso. — A situação não é nada boa. Foi invadido por um exercito de demônios, comandado por Demônios Maiores.

Byakuya, dessa vez, praguejou “merda” três vezes. Geralmente era controlado, porém seus nervos estavam à flor da pele: uma guerra que ele tinha poucas chances de vencer, Rukia machucada, Hitsugaya em perigo, seu plano por água á baixo. Fechou os olhos, tencionou o maxilar, apertando bem os dentes uns no outrso. Abriu os olhos novamente, em seguida abriu a boca:

— O Hueco Mundo... resiste? — perguntou, já sabendo a resposta, mas torcendo para que pelo menos sua esperança adiantasse.

— A situação está muito crítica. — Kisuke mordeu o lábio inferior. — Os Membros do Submundo estão fugindo... O príncipe está com Yoruichi na carruagem.

— E Hitsugaya? Está ferido?

Urahara espremeu os lábios, pensando em como falar-lhe isso. Balançou a cabeça e o encarou, em um tom mais sombrio de que pretendia. O coração de Byakuya saltou-lhe pela boca.

— Ele também fugiu. Para a Floresta Proibida.

///

Toushiro estava chocado demais até para chorar. Hinamori o guiava por entre a floresta densa e escura, segurando a mão dele e o puxando. Sua visão noturna lhe era muito útil, mas Toushiro enxergava pouquíssimo. Sentia saudade do seu reino, do seu castelo, onde ele conhecia tudo tão bem, onde havia luz para o guiar.

Ele ainda não sabia se estava muito ferido, mas seu corpo estava doloridíssimo. Tentava se concentrar nas costas de Hinamori, na sensação de sua mão na dela, porque se não era capaz de ele pensar muito em Halibel e acabar chorando.

Toushiro tropeçou, sonolento. Não fazia ideia de quanto tempo andava, mas parecia ser muito. Suas pálpebras fechavam-se sem comando, a exaustão as puxando para baixo. Hinamori percebeu isso, mesmo que desacostumada com a fragilidade mundana.

— É melhor pararmos para descansar. — sugeriu ela.

— Tudo bem. — Toushiro concordou, no automático, sem energia para pensar, sem energia para discordar.

Ele praticamente desabou, encostando-se em um tronco. Respirou bem fundo, dobrou os joelhos, fechou as mãos, amassando folhas secas. Hinamori sentou-se ao seu lado com leveza, seu vestido se dobrando, formando um novo padrão de manchas de sangue. Hitsugaya suspirou novamente e encostou a testa nos joelhos. Onde eu fui parar? Perguntava-se. Não se referia à Floresta Proibida, mas sim à guinada que sua vida havia levado.

Momo tocou levemente em seu braço, hesitante em como lhe trazer algum conforto. Toushiro levantou a cabeça e a encarou.

— Você quer... Você quer que eu te explique esta situação? — Momo gaguejou, inconfortável com os enormes olhos de Hitsugaya a fitando, as pupilas dilatadas para poder ver no escuro.

Toushiro balançou a cabeça em negação. Parecia que quanto menos soubesse, menos estaria envolvido no Mundo Sobrenatural.

— Só quero descansar um pouco.

Hinamori engoliu em seco enquanto Toushiro se acomodava, tentando achar uma posição confortável para deitar. A tal posição não existia, mas ele estava exausto demais para notar. Deitou-se nas folhas secas, usando os braços como travesseiro, não se importando com os animais rastejantes. Não tardou nem um pouco para dormir.

Momo observou Toushiro, absorveu sua essência inteira, sua personalidade, seus traços, suas cores, seus pequeníssimos movimentos. Ela aproximou sua mão, tremendo porque tinha medo de ele acordar. Acariciou os seus cabelos, sendo agraciada com uma espantosa sensação de tranquilidade.

///

Vampiros não dormem, mas podem se distrair como qualquer um — até mesmo mais. Acontece que são mais anos, portanto mais eventos, para pensar. Por sorte, Momo voltou a prestar atenção no mundo a tempo. Ouviu alguns poucos passos velozes e uma garota surgiu da mata, um furacão veloz e gracioso, com asas e um punhal bem afiado na mão.

Ela atacaria Toushiro, que ainda dormia, porém Momo se meteu na frente, a adaga cortando os braços que ela posicionara como defesa. Momo aproveitou que a guarda da fada estava aberta e agarrou uma mecha rosa do cabelo dela, puxando sua cabeça. Com o outro braço, que pingava sangue, Momo acertou uma cotovelada em sua cabeça. A fada gemeu e caiu no chão.

Hitsugaya acordara e já estava levantado, bastante alarmado. Não parava de perguntar o que estava acontecendo.

— Temos que ir! Temos que ir! — exclamava Hinamori.

— Momo...

Hinamori gritou de dor. Toushiro estava tentando avisa-la de que a fada havia levantado a cabeça e que estava com o punhal na mão. Ela havia acertado o pé de Hinamori. E, em seguida, se levantado com tudo, esticando as asas, derrubando Momo no chão.

Riruka — sim, a fada era Riruka— partiu para cima de Hinamori com o punhal na mão. Hitsugaya se lançou contra ela, derrubando sua faca, fechando os olhos, usando o peso do seu corpo para derrubá-la. Eles rolaram no chão por poucos segundos, uma dança, uma confusão, de braços, asas, pernas, rostos, cabelos coloridos. Até que houve aquele som de algo sendo estraçalhado, quebrado, cortado por uma coisa pesada, aquele sangue que escorreu pelas folhas secas, alimentando o solo, as árvores.

Toushiro levantou-se, coberto de icor dourado. Observou aquela cena bizarra, assustadora. O corpo de Riruka, as pernas cruzadas, quase intocado. E, separada do corpo, estava a cabeça, os olhos vítreos, fixos e mortos.

— Meu deus!

Um homem estava em pé, com um machado sujo de sangue. Era forte, tinha cabelos pretos como penas, um furinho no queixo e olhos pretos e um pouco puxados. Parecia um urubu, pairando sobre sua presa.

— Meu deus! O que você fez? — exasperou-se Hitsugaya, se levantando, agarrando o homem pela camisa, o sacudindo.

— Do que você está falando? Eu estava te ajudando...

Momo puxou Toushiro com força, dirigindo um olhar incompreensível para o homem-fada — feroz, protetor, agradecido? — e sussurrou rapidinho para Toushiro:

— Precisamos ir.

Hitsugaya lançou mais um olhar para a cabeça de Riruka, congelada em uma expressão, pálida, com icor dourado manchando sua bela boca rósea. Embora tenha atacado Momo, ele não desejava nada de tão ruim para ela — principalmente se isto fosse feito tão perto de Toushiro. Tão perto.

Momo o puxou pelo ombro e juntos os dois correram.

///

Eles já corriam há algum tempo, porém foram gradativamente diminuindo o passo, de forma a estarem apenas caminhando depois de alguns minutos.

— O que foi aquilo? — Toushiro perguntou, com os seus pensamentos suficientemente organizados para finalmente questionar. Naquela noite, parecia que ele havia amadurecido anos.

— Alguma rixa... Entre as fadas. — Momo respondeu, um pouco receosa por não entender muito sobre o povo faérico. As fadas eram um povo isolado do Submundo, tinham sua própria dimensão e por isso se achavam superiores.

— Fadas? — ecoou Hitsugaya. — Fadas realmente existem?

— Hoje é o Ano Novo delas. —comentou Hinamori. — Samhaim.

— Hmm.

Hinamori avistou um lago, já de longe. Sabia da existência dele, mas não de sua localização exata. A Floresta era um território desconhecido, que nem mesmo os habitantes do Submundo ousavam explorar.

— Vê o lago, Toushiro? — Ele assentiu. — Precisamos tirar todo esse sangue do corpo. As fadas sentem o cheiro; pode atrai-las.

— Como vampiros? — Hitsugaya indagou, lembrando-se da vampira possuída pelo demônio.

— Vampiros precisam do sangue. — Momo esclareceu, um pouco ofendida. — Fadas apenas divertem-se; podem sobreviver sem machucar nenhuma alma. Vampiros são amaldiçoados. Se não tomarmos sangue humano, morremos.

Hitsugaya, quando disse isso, havia se esquecido por um momento a espécie de Momo. Agora, notava a gravidade daquilo em que se envolvia. Tinha um medo, mesmo sem querer, da amiga. Medo de que ela ficasse esfomeada e simplesmente o mordesse, sugasse seu sangue, estraçalhasse seu corpo com os dentes. Estremeceu.

— Estou com sede. — Toushiro comentou, para dissipar a tensão. Não, Momo era uma pessoa gentil, confiável. Nunca o machucaria; na verdade, havia quase dado a vida para que ninguém o machucasse.

Chegaram ao lago. Não tinha uma extensão muito grande, de forma que eles conseguiam ver o final. Tinha formato geóide, a água escura refletia a lua; eles não conseguiam definir a profundidade. Poderia abrigar sereias ou monstros marinhos. Hinamori e Toushiro não os veriam antes que os seres os pegassem e os arrastassem para as profundezas do lago.

— Não acho bom que você tome desta água. — opinou Momo.

— Não me parece potável. — ele observou.

— Melhor nos banharmos pelas beiradas. — orientou Hinamori, omitindo de Toushiro o fato de que poderia haver seres espreitando nas águas.

Como obedecer era muito mais simples do que questionar, Hitsugaya concordou com a cabeça. Estava sedento, quase um dia sem beber água, porém não queria contrair nenhuma doença daquela água parada.

Acocorou-se na margem do rio, onde havia uma pequena praia de areia, arregaçou as mangas e lavou as mãos, os braços, o rosto. Momo o observou com cuidado, examinando cada mancha de sangue que ia se dissipando com a água. Percebeu que a camisa do príncipe possuía borrifos de sangue, as calças estavam rasgadas nos joelhos, de quando ele caíra pelo morro, os joelhos bastante arranhados.

Momo abaixou-se também, sussurrou baixinho aquilo para ele, orientou-o a tirar a camisa, pois se lavasse-se com ela poderia ocorrer hipotermia — não com esta exata palavra, porém Hinamori sabia que os humanos eram frágeis e sentiam frio. Hitsugaya acatou todas as ordens, em quase monotonia. Seus olhos estavam cabisbaixos, seu rosto estava parcialmente arranhado da luta com Riruka. Pareceu triste.

Hinamori contentou-se em banhar-se em silêncio, indo para dentro do lago, deixando a água lamber sua cintura. Vampiros não sentiam frio — não sentiam nada, para ser franca —, por isso ela nem preocupou-se com o seu vestido estar molhado. Ficou observando o sangue dissipar-se pelas águas escuras, desaparecendo aos poucos. Sabia dos perigos, porém estava confiante de que conseguiria se defender. Poderia imaginar sua perna apertando a cabeça de uma sereia na areia, o ser debatendo a calda. A mataria rápido.

Voltou para a praia, onde Toushiro a aguardava, cansado. Ela arrancou um pedaço do vestido enquanto andava, do tamanho da palma de sua mão, e ajoelhou-se ao lado de Hitsugaya. Pegou o pano molhando e passou nos arranhões dos joelhos do menino, manchando o tecido de sangue e fazendo-o gemer baixinho.

Logo depois, ela parou e sentou-se ao lado dele, para observar a lua no céu.

— Quando amanhecer, eu morro.

— Como é?

Momo soluçou, as primeiras lágrimas que caíram de seus olhos desde muito tempo. As sobrancelhas de Hitsugaya se ergueram, tristonhas e misericordiosas, e ele pegou a mão de Momo. Ela sentiu a mão morna do príncipe em choque com a mão fria dela, morta — ela quase podia ver os vasos sanguíneos de Toushiro, suas veias, o coração bombeando sangue para sua mão. Lembrava-se de forma vaga de quando o seu coração ainda funcionava, sentindo-se vazia como nunca.

— Momo? — Toushiro chamou. Tinha quase certeza do que ela falava, porém seria doloroso admitir.

Momo decidiu desabafar.

— Você conhece a lenda dos vampiros. — ela começou. — Quando o sol nascer, eu irei queimar.

Hitsugaya apertou a mão de Momo. Gostaria de acalentá-la de alguma forma, pois sabia que não poderia salva-la. Mesmo que fossem para a mata fechada, alguns feixes de luz ainda iriam passar por entres as árvores e cedo ou tarde Hinamori iria morrer queimada. Por isso, resolveu apenas distraí-la.

Toushiro a beijou. Veja bem, foi um beijo muito sincero — ele realmente gostava muito dela — porém não em circunstâncias sinceras. Momo inicialmente se surpreendeu, quase se separou dele, porém Toushiro enlaçou sua cintura, foi o mais adorável possível, para que os últimos momentos de Momo realmente fossem bons.

///

Ulquiorra segurava uma lamparina mágica em uma das mãos e um facão na outra. Não precisava de luz para enxergar o caminho, porém seu mestre precisava. Byakuya estava atrás dele, concentrado em um mapa enfeitiçado, tinha uma pistola na mão e uma espada no cinto. O mapa fora enfeitiçado por Urahara, e rastreava os passos de Toushiro para que Byakuya nem Ulquiorra perdessem tempo. Kisuke, nesse momento, levava Ichigo e Rukia para casa de carruagem. Fora omitido o fato de que Toushiro estava refugiado para que nenhum dos dois bancasse os heróis debilitados.

Ulquiorra cortava algumas folhas com o facão, construindo uma trilha e uma brecha para ver o que havia do outro lado de tantas folhagens. E, finalmente, havia algo. Ouviram o idioma arcadiano antes mesmo de chegarem perto. Byakuya e Ulquiorra apagaram a lamparina, se esconderam atrás das árvores e captaram todos os detalhes antes de decidir se iriam atacar ou se esgueirar pelas árvores sem serem vistos.

Eram dois homens altos, de cabelos escuros. Tinham rostos bonitos, angulosos, e asas transparentes. Eram homens-fadas. Para você, que já acompanha a saga desde o começo, que passou-se por Rukia e Ichigo, sabe que uma das fadas é o Príncipe Lucius; o outro é o que decapitou Riruka com o machado. No entanto, tanto Byakuya quanto Ulquiorra desconheciam a identidade daqueles homens.

Ela era minha amiga, Jem! — gritou Lucius, em faérico, e apontou para Riruka para enfatizar.

Você pediu para que eu protegesse o garoto, Lucius! — argumentou Jem. — Era uma ideia maluca, poderiam me prender ou até me matar por traição; mas mesmo assim, eu te apoiei...

— Eu confiei em você! — Lucius apontou o dedo indicador para o peito de Jem. — E você matou a minha amiga!

Eu sou seu amigo! Tenho te apoiado até nessa ideia maluca de ajudar humanos; sempre estou ao teu lado. E não vou receber bronca porque eu fiz o que prometi a você.

Lucius abaixou a cabeça e observou Riruka, o cabelo azul escuro tampou os olhos.

— Talvez mamãe tivesse razão quando disse que o amor é destrutivo, decepcionante. — sussurrou Lucius, baixinho.

Jem aproximou-se de Lucius, em um gesto solidário, um pouco triste. Tocou o ombro do colega, depois levantou o rosto dele com a outra mão, segurando-o delicadamente pelo queixo. Lucius tinha impressionantes orbes azuis escuros.

Nós não somos sua mãe e seu pai.

Jem inclinou a cabeça para beijá-lo, porém Lucius se esquivou. Colocou o queixo na curva de seu pescoço e o abraçou. Havia algo de reconfortante em abraçar Jem, quem ele amava, algo em sua estrutura, seu cheiro. Ainda estava chateado com o namorado, porém percebia que a morte de Riruka não era culpa de Jem — era culpa de Lucius, que o mandara matar qualquer um, que tratara Riruka tão mal por tantos anos. Se a deusa castigasse alguém pela morte da fada, teria que ser Lucius.

Temos que dar a Riruka um funeral decente. — Lucius disse, desfazendo o abraço.

Cansado de presenciar mais um momento estranhíssimo das fadas, muito embora Byakuya tivesse a mínima noção do que aquilo se tratava, ele decidiu se esgueirar pelas plantas, seguindo os movimentos do soturno Ulquiorra.

Quando estavam longe o suficiente do casal de fadas, ascenderam a lamparina mágica novamente. Byakuya deu uma conferida no mapa e percebeu que eles já estavam perto de onde Toushiro aguardava, parado perto de um lago.

A noite já estava quase acabando, o que trouxe alívio para Byakuya. Logo, as presenças sobrenaturais seriam menores e menos ameaçadoras naquela floresta. O Sol iluminaria o local e ele não precisaria mais usar aquela luz precária para enxergar seu caminho.

Encontraram Hitsugaya, finalmente. Estava sentado na praia, observando aquele lago escuro, abraçando os joelhos, com a camisa amarrotada. Não estava tão ruim quanto Byakuya esperava, porém ainda parecia abatido. Quando os dois se aproximaram, Byakuya reconheceu a figura que estava com Toushiro: uma vampira, empregada de Barragan. Ele quase agradeceu a Deus por Toushiro ter uma guardiã, porém desistiu quando lembrou-se que Halibel já era guardiã do menino e ela não estava com ele.

Os olhos de Hitsugaya assumiram um tom menos distante — um tom mais vivo e mais alegre. Ele se levantou e quase correu até Byakuya, segurando as lágrimas; no entanto, o rei foi mais rápido e abraçou-o primeiro, com o seu coração finalmente assumindo o ritmo normal, sabendo que tanto Toushiro quanto Rukia estavam seguros. A sensação de abraçá-lo foi indescritível; porque, afinal, ele criara o príncipe desde pequeno. Hitsugaya nascera filho de um amigo de Byakuya, mas agora ele era praticamente o filho do Rei.

Momo sorriu para cena, enquanto Ulquiorra os observava desconfortável. Hitsugaya soltou-se do abraço do pai, olhou para Hinamori e exclamou com inocência:

— Momo, Momo! Estamos salvos, Momo!

Hinamori sorriu para ele tristemente, feliz por Hitsugaya, porém triste por ela. Independente da chegada de Byakuya e Ulquiorra, ela ainda iria queimar no Sol.

Pelo menos, Toushiro estava salvo, ela afirmou para se confortar.

— É, estamos sim, Toushiro.

Hitsugaya tomou consciência da situação e seu sorriso curvou-se para baixo. Ele virou-se para Byakuya, sem saber o que dizer ou fazer.

— Byakuya, a Momo vai morrer. — ele quase choramingou, porém sua voz saiu mais firme do que imaginava que sairia.

Ulquiorra crispou os lábios e observou com agonia Hinamori, que agora levantava-se, tirando a areia do vestido. Faltava poucos minutos para o Sol nascer.

— Podemos fazer algo, Byakuya? — Toushiro replicou, puxando a camisa do homem delicadamente.

Byakuya odiou ter que falar aquilo, mas precisava. Encostou as mãos nos ombros do pequeno e abaixou-se, o observando nos olhos tristemente.

— Apenas um feiticeiro muito poderoso pode fornecer um feitiço que permita que vampiros vivam à luz do Sol. — ele afirmou, e olhou de soslaio para Hinamori, tentando demonstrar piedade. Ela sussurrou um “tudo bem”.

Hitsugaya baixou os olhos e franziu as sobrancelhas. Depois de todo esse sacrifício, Hinamori iria deixá-lo. Perder Halibel não era suficiente para um garoto de dezessete anos?

— Uma feiticeira muito poderosa me fez esse anel. — Ulquiorra pronunciou-se, girando o anel de rubi no dedo e pensando em Yoruichi. — Ele permite que eu ande no sol.

Byakuya sussurrou um “não” mudo, mas ele resolveu continuar.

— Já estou confinado a este corpo há cinquenta anos e, sinceramente, não vejo mais utilidade para mim neste mundo. — Ulquiorra retirou o anel e o estendeu para Momo. — Faça melhor uso.

Momo negou com a cabeça.

— Eu não posso aceitar.

Ulquiorra insistiu, colocando o anel nas mãos de Hinamori.

— Não há um jeito... de os dois sobreviverem? — Toushiro perguntou, chocado. Não queria mais mortes.

Byakuya negou com a cabeça.

— É o único jeito.

Momo crispou os lábios e colocou o anel. Ele reluziu, vermelho sangue, em seu dedo.

— Obrigada. — ela disse sinceramente para Ulquiorra.

Ele assentiu e olhou para o céu. O Sol nasceria a qualquer momento. Olhou para Byakuya.

— É melhor vocês irem. Não quero que me vejam daquele jeito.

Hitsugaya iria protestar — não deixaria ninguém morrer sozinho —, porém Byakuya o impediu, colocando a mão em seu peito.

— Nós vamos. Mas saiba que esta ação é muito nobre de sua parte.

Hinamori olhou para ele, agradecida.

Tic tac, tic tac. Este é o som da sua vida acabando.

— Meu Rei, a melhor época da minha vida foi estes últimos anos, quando eu o servi.

Byakuya sorriu para ele.

— Você prestou um serviço exemplar, Ulquiorra. Obrigado.

///

Só quando já estavam dezenas de metros longe, o Sol nasceu. Os raios iluminaram a pele de Hinamori, a machucaram confortavelmente. Em cinco anos, foi a primeira vez que ela recebeu a luz solar com tanta alegria.

No entanto, esta também foi a primeira vez que Hitsugaya escutou um berro tão assustador e tão doloroso — era Ulquiorra Shiffer queimando.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Desculpem quaisquer erros, mas eu estou com pressa. Talvez eu venha corrigir isso amanhã, sei lá. Mas quanto as palavras, vocês não tem como dizer que são poucas.
É, gente, ele morreu. Pode me xingar, mas não usem palavras muito feias. Lembrem-se: vocês são leitores, portanto são a nata da sociedade #sóqn
Gente, lembrem-se de serem respeitosos com relação a sexualidade ( acredito que seja essa a palavra. Podem me corrigir) do Lucius e do Jem. Quero, antes de mais nada, mostrar a diversidade e estimular a tolerância a homossexuais, bissexuais, negros, índios, árabes ou seja o que for. #SomosTodosHumanos (ou fadas. Vai saber)