Eu andei sem rumo por um bom tempo.
Minha mente girava com as ultimas informações que eu obtivera.
Como assim Christopher morava naquela casa?
Será que a maldita sensação que eu tivera, aquela coisa estranha e perturbadora, e ao mesmo tempo viciosa, teria algo a ver com a atração que me ligava à ele? Porque ainda sabendo que ele me enganara, que ele tinha algo com uma das pessoas que eu menos suportava no mundo, eu conseguira sentir pena enquanto ele me implorava para voltar.
E por quê? Por que era tão difícil esquecê-lo?
A rua vazia não me ajudava a organizar meus pensamentos perdidos.
Andando sozinha sem querer saber a hora, eu deixei minha mente vagar pelas lembranças de toda uma época feliz, enquanto eu pensava que tinha conhecido a melhor pessoa do mundo, e que ela era minha amiga.
Mas Christopher não podia ser meu amigo me enganado daquela forma. Pra que tantas mentiras? Pra que dizer que andava sozinho porque preferia, quando era amigo do maior grupinho de pessoas insuportáveis de toda a cidade?
Eu não entendia.
-AGATHAAA!!!
Parei abruptamente olhando pra trás, em busca da pessoa que certamente tinha pressa em falar comigo.
Assustada, eu ouvi passos se aproximarem, sem definir ninguém na escuridão da rua. De repente, um manto azul ou preto corria em minha direção, e já perto, eu defini os contornos dos cachos de Elisabeth.
-Beth? – surpreendi-me ao ver que não tinha forças pra falar. Minha voz não passava de um sussurro.
-AGATHA, ONDE VOCÊ TAVA??!! TA FICANDO LOU- Beth parou subitamente e olhou minha roupa – Agatha, o que aconteceu????
-Beth, seu queixo caiu. – soltei algo que lembrava um riso irônico, mas eu não tinha forças nem pra isso.
Beth me fuzilou com o olhar.
-VOCÊ ACHA QUE EU TO BRINCANDO?? FICOU IDIOTA OU O QUE, AGATHA??!! ONDE VOCÊ SE METEU??!! – ela jogou as sandálias que tinha na mão no chão, e cruzou os braços, na sua típica pose de alto estresse.
-AGATHA!!! ONDE- Sthephanye surgiu de trás de Beth e deixou que as sandálias caíssem das mãos também. Arregalou os olhos e a boca e ficou me olhando pálida – SANTO CRISTO, O QUE ACONTECEU COM VOCÊ?
-Não aconteceu nada. Eu caí.
-CAIU?? CAIU?? E CAIU POR QUÊ?? AONDE FOI QUE VOCÊ SE METEU QUANDO SAIU DE PERTO DA GENTE, AGATHA?? – berrou Beth, gesticulando, nitidamente com os nervos à flor da pele.
-Ai, meu Deus. Senta aqui, Ag. – me disse Sthephy, me puxando para o meio fio.
Sentei-me na beira da calçada grata por ter um lugar para descansar meu corpo dolorido. Afundei o rosto nas mãos enquanto Sthephanye exclamava: meu Deus!! O que aconteceu com o seu vestido?! Ta todo desfiado aqui na frente!! E os seus braços, meus Deus, Agatha!!
-SERÁ QUE VOCÊ VAI FALAR ALGUMA COISA, AGATHA?? – berrou Beth de novo.
-SERÁ QUE DA PRA PARAR DE GRITAR COM ELA, ELISABETH?? – retrucou Sthephy.
-NÃO, NÃO DA!! SABE POR QUÊ?? PORQUE ELA NÃO SABE O QUE FOI QUE FEZ!! LARGOU AGENTE COM AQUELE ANIMAL DAQUELE PRIMO DELA E SE MANDOU ATRAS DO IMBECIL DO JAPONES, AI SE FERROU PORQUE VIU QUE ELE TAVA COM A ASHLEY, E SE MANDOU DO NADA!! DEIXANDO AGENTE PROCURANDO ELA FEITO LOUCA!! PORQUE ELA ACHA QUE É ASSIM: LARGA TODO MUNDO E SE MANDA ATRAS DE UM CARINHA ESTRANHO QUE VEIO NUM SEI DE QUE CANTO DO JAPAO PRA ATORMENTAR A VIDA DE TODO MUNDO!! AI ACONTECE TODAS ESSAS BOSTAS, E QUEM É QUE VAI SE FERRAR POR CAUSA DESSAS IDIOTICES DELA??!! TODO MUNDO, STHEPHANYE, TODO MUNDO!! AGORA EU ACHO BOM MESMO QUE ELA TENHA SE ESBORRACHADO TODA AÍ, CORRENDO ATRAS DAQUELE PATIFE ORIENTAL!! – Beth parou e respirou ofegante, enquanto continuava a me encarar, e então virou de costas e pôs a mão na testa – mas que inferno. Eu to cansada de tudo isso, cansada. Eu cansei de avisar. To cansada de vocês duas. C-a-n-s-a-d-a.
Eu senti meus olhos transbordarem as lagrimas de novo, enquanto absorvia os comentários e criticas de Beth. Ela estivera certa sempre, mas eu nunca quis ouvi-la. E agora, pra piorar, eu não estava na pior sozinha, pelo jeito. Tinha levado minha amigas junto.
Eu merecia morrer.
-Ag, não chore. – sussurrou Sthephy perto de mim. – não chore.
-Como... Sthephy? Como vocês sabem? De Ashley e...? – eu nem conseguia terminar a frase.
Sthephanye suspirou.
-Ela saiu contando pra todo mundo, sabe como é, ne, Ag. Ela é assim. Ai disse que ele saiu correndo pra num sei onde, e ela ficou revoltada. Só por causa disso saiu falando pra todo mundo que ele nunca tinha sentido nada melhor. Cada uma daquela putinha...
-Eu não duvido nada que ele tenha gostado e aproveitado. São todos iguais. – falou Beth, visivelmente irritada.
-Mas... então... por que vocês estão encrencadas? O que tem haver com Michael?
Sthephanye suspirou de novo e sentou-se do meu lado, no meio-fio.
-Ele tentou abraçar a Beth quando você saiu. O Ted não deixou, e meteu um soco no nariz dele, e depois outro no olho. Claro que a Beth revidou, lógico, e meteu um chute lá, sabe?
Beth mudou o apoio do corpo para a outra perna.
-Sabe de uma coisa? – Sthephy sussurrou em meu ouvido, bem baixinho – eu acho que ela gostou de ser defendida pelo Ted.
Em outra hora eu poderia ter rido, mas nem consegui desviar os olhos do chão.
Sthephanye também não chorou de rir, como faria outra hora.
Aquilo era mesmo horrível. Eu estragara por completo toda a noite. Se tivesse ficado com Michael, ele não teria surtado. Eu teria feito qualquer coisa para desviar a atenção dele para Beth, caso estivesse em sã consciência. Mas eu já tinha minha atenção voltada para outra coisa, que não merecia nem um olhar meu.
Eu fora a maior idiota de todos os tempos, mais imbecil até do que Michael.
-Onde ele foi depois disso? – perguntei ainda perdida nos pensamentos.
-Não sei. Se mandou. – respondeu Sthephy.
-E o Ted?
-Eu o levei pra casa, junto com Adolf. Afinal, agente também caiu fora. Mais um mico numa noite não dá. Já tem muito rolo pra resolver. – respondeu Beth, ainda sem se virar para nós.
Eu queria sumir.
-Eu não sei o que agente vai fazer. O Ted não se machucou feio, mas o Michael raspou uma faca na bochecha dele, ainda. – disse Sthephanye.
Ai, não. Ainda essa? Uma faca? Michael era muito louco e idiota!!
Sthephanye continuou:
-Ele vai ter que inventar alguma coisa pra mãe não brigar. Isso vai ser um problemão...
-Não, não vai. – respondeu Beth – eu já inventei uma coisa, pra variar. Vamos dizer que teve uma confusão na escola. Sem querer o Ted achou que o Michael tinha trombado nele e o socou, o Michael, sem querer, bateu a faca no rosto dele. Só falta dizer algo pra Agatha.
Levantei-me desolada. Tudo culpa minha. Eu não merecia nem respirar.
-Beth, não precisa se esforçar pra inventar mais uma mentira por mim. Eu sei que é sempre você que tira agente dos problemas, mas não dessa vez. A culpa é toda minha. Eu resolvo algo pra dizer, não se preocupe.
Beth se virou e me encarou com fúria nos olhos.
-Eu não to preocupada com você. E é claro que a culpa é toda sua, e daquele imbecil do seu primo e do seu japinha. Só não vá desmentir minha historia e piorar tudo, faz favor.
Sthephy me tomou pelo braço e encarou Beth.
-Eu levo ela pra casa, pode ficar tranquila. Ah, mas é claro, você nem liga, ne?
Beth suspirou e olhou o chão, colocando as mãos nos quadris.
Sthephanye passou o braço pela minha cintura e começou a me guiar pela rua escura. Minha mente girava enquanto eu tentava pensar em uma mentira, sem sucesso. Eu não conseguia tirar a imagem de Christopher e Ashley da cabeça. Era como ser torturada lentamente, sem piedade. Enquanto minha alma queimava de remorso por Beth, eu nem conseguia sentir raiva de Christopher. Sentia como se algo não estivesse certo, não estivesse bem encaixado. Como se houvesse um grande equívoco entre todos nós, e isso só piorava mais meu remorso crescente.
Eu nem reparei quando estávamos na porta da minha casa, e só a campainha conhecida minha me despertou do poço de derrota em que eu tinha me transformado.
Minha mãe abriu a porta e eu me senti perdida. Não tinha nem uma desculpa esfarrapada pra dar. Nem um mero: fui atropelada, daria certo.
Sem saída, de novo.
-O QUE É ISSO??? – berrou minha mãe assim que abriu a porta e nos viu.
Agora, sem defesas. O que eu posso dizer??
-Ela caiu, Sra. Symons. Não teve culpa. Houve uma confusão na escola. Ela foi correr e caiu.
A voz não era de Sthephanye. Era Beth.
Santo Deus, obrigada! Beth não me deixou, eu não mereço isso!!
Meu pai apareceu na porta e arregalou os olhos, também, enquanto Beth continuava com as mentiras.
-Agente tava até agora no portão da escola, ajudando a Agatha, então os machucados dela nem estão tão graves assim.
Minha mãe passou os braços em minha volta e me levou pra dentro. Eu pude ouvir meu pai agradecendo as meninas.
-Oh, muito obrigada mesmo, garotas. Michael também me falou dessa confusão, eu já estava indo lá buscar a Agatha. Obrigado.
Ah, então Michael já tinha chegado, e tinha contado a mesma desculpa. Que sorte.
Minha mãe me levou ao quarto. Me ajudou a tomar um banho, e a trocar de roupa, o tempo todo resmungando e dizendo coisas que não pude ouvir. Minha mente vagueava muito longe, e quando enfim ela me deixou sozinha para dormir, eu senti o vórtex de angustia, medo e remorso me puxando e tomando tudo ao redor, e derramei as primeiras lagrimas de toda uma noite gasta em reviver segundo por segundo tudo o que acontecera nos ultimas quatro horas.