Antes Que Seja Tarde escrita por Mi Freire


Capítulo 9
Um garoto em evolução.


Notas iniciais do capítulo

Desde que Daniel conheceu Malu, definitivamente já não é mais o mesmo. Veremos nesse capítulo o quanto ele está disposto a ser alguém melhor, não só por si mesmo, mas também pela família e por seu grande amor.

Boa leitura.



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Antes de conhecê-la, eu era o tipo de garoto que detestava a ideia de que um dia iria me formar, prestar vestibular e ir para uma das melhores faculdades do país.

Eu odiava a ideia que de eu tinha que crescer e tomar um jeito na vida, arrumar um emprego e dividir o tempo da minha vida em estudo e o trabalho para pagar as despesas. Eu ia passar o resto da vida dependendo do dinheiro de minha mãe? Não. Esse pensamento melhorou assim que conheci Malu.

Um dia, entre um dos diálogos que tive com seu pai, ele perguntou o que eu queria ser futuramente. Eu não soube o que dizer e me senti extremamente envergonhado por aquilo. Afinal, eu tinha que ser algo. Não só por mim, como para minha namorada, para o orgulho da minha mãe e admiração do meu irmãozinho.

— O que você pensa em fazer depois de se formar esse ano? – ele perguntou diante de toda a sua família. Olhei para Malu ao meu lado, engasgado.

— Bom – engoli em seco. — Eu ainda não tive muito tempo para pensar nisso. Mas um dia, quando ainda criança, pensei em ser muitas coisas. Essas coisas são muito complexas. Mudam muito conforme o tempo passa. Hoje, estou muito indeciso.

— Você é um bom garoto, Daniel – ele falou sem me olhar. — Quando um dia precisar de uma mão para se decidir, pode me procurar lá na construtora. Tenho uma ótima equipe de profissionais que podiam lhe orientar melhor.

Assenti com a cabeça e pensei naquilo durante semanas. Todas as vezes que eu ia até a casa de Malu e encontrava seu pai, era como outro choque e pensava ainda mais naquilo. Estava cheio de muitas ideias, novas vontades e pensamentos no futuro.

Talvez pela falta de um pai, eu nunca tenha realmente pensado naquilo. Mamãe não era do tipo que gostava de cobranças. Por mais que eu soubesse o quanto ela precisava de uma mão. A verdade é que acabei me acomodando, sabendo que muitos garotos da minha idade, ou até mais novos, já tinha um emprego ou coisa do tipo.

— Mãe, e se eu arrumasse um emprego – disse-lhe durante um dos nossos almoços depois do colégio.

— Por que isso agora, Daniel? – ela surpreendeu-se. — Você nunca foi de se preocupar com isso.

— Mãe, andei pensando muito nisso no último mês. Eu vejo Malu me contando sobre seu objetivo em seguir a carreira de pediatra em uma das melhores universidades do país. E sei que ela é capaz de conseguir, dinheiro é o que não lhe falta. O pai dela é capaz de comprar-lhe a lua. Mas e eu? O que eu vou ser? Já tenho dezoito anos, estou prestes a me formar no ensino médio e sou um garoto simples vivendo uma vida normal. Não tenho tudo o que quero na hora que quero. Sou grato a você por tudo que tenho – sorri para ela agradecido. — Mas preciso de um emprego que seja capaz de pagar a mensalidade da faculdade que estou pensando em me inscrever.

— Você está mesmo pensando em seguir na faculdade? – perguntou ainda mais surpresa com nosso diálogo. — Eu não sabia dessa sua vontade, filho. O que você pensa em fazer?

— Eu fui até a construtora do senhor Mateus, pai de Malu, a convite dele, lembra? Lá eu conheci uma equipe enorme que ele tem. São bons profissionais, capacitados, considerados um dos melhores do país. Conversamos durante horas. E eles acabaram me convencendo de uma coisa: eu sou capaz de ser um grande engenheiro. O que acha? – perguntei entusiasmado.

— Maravilhoso! Meu filho? Engenheiro? Perfeito! – ela levou a mão até o coração, encantada. — Mas Daniel, você sabe que engenharia é uma das profissões mais concorridas, não sabe?

— Sei mãe, claro que sei. Mas eles disseram que eu tenho o total apoio de todos eles, não é maravilhoso? E, por isso, resolvi aceitar a proposta de emprego que me ofereceram.

Foi o que aconteceu. Em poucos dias, eu já era um garoto empregado em uma das mais conhecidas construtoras do país e ao lado de grandes profissionais que me ensinariam o verdadeiro valor de ser um grande engenheiro. Com o conhecimento adquirido no trabalho para essa profissão, me matriculei em um dos mais concorridos vestibulares de fim de ano, onde certamente eu seria capaz de concorrer uma bolsa gratuita para estudar na universidade mais cara do país.

O esforço era grande: estudava de noite e trabalhava a tarde. Até o ritmo do namoro teve de diminuir. Foi muito sacrificante, mas via o orgulho estampado no sorriso de mamãe e Malu, o que me incentiva em ir atrás dos meus objetivos.

Já era fim de ano quando nos formamos. Fui com os amigos em um passeio até o sul do país, o que só aconteceu devido o aumento que tive na construtora e uma folga que me deram pelo desempenho.

Três dias quase que torturantes longe da minha namorada. Sim, eu curti muito com os amigos e colegas. Levaria alguns pelo resto da vida. Minha vontade era ligar para Malu o dia inteiro, mas sabia que ela também festejava ao lado de suas amigas na viagem de formatura da sua escola.

Foi bom encontrá-la na segunda-feira. Estávamos de férias. Férias de fim de ano. E eu lhe garanti que iríamos aproveitar cada segundo juntos. E aproveitamos mesmo.

Eu já era capaz de lhe dar coisas bacanas com a grana que ganhava. Além disso, ajudava minha mãe em casa. Ben e Pedro se queixavam da falta de tempo que tinha, por isso, compensei dando lhes presentes.

As festas de fim de ano foram pura alegria. Passei o Natal e o Ano Novo com minhas duas maravilhosas famílias pela primeira vez. Finalmente, eu me sentia realizado. Agora tinha um bom emprego, um futuro promissor, duas famílias, uma namorada perfeita e a vida ganha.

Em janeiro, mês do meu aniversario, fui prestigiado com duas grandes festas surpresas. Uma delas na empresa onde trabalhava há meses e outra no salão de festa no condomínio dos Andrades, junto a minha família e os bons e velhos amigos que me prestigiaram com carinho.

Logo chegaria o grande dia de fazer a prova do vestibular. Fiquei nervoso, mas por fim ocorreu tudo muito bem. Não só para mim, quanto para Maria Luíza que prestou para sua área de interesse.

Em 21 de janeiro, era a vez de Pedrinho completar seus oito aninhos. Eu queria fazer algo grandioso e diferente de todos os anos anteriores, já que agora tinha condições. Resolvi levar meu irmão ao parque temático da cidade, um dos maiores da América Latina. No final da tarde, mamãe lhe agradou com doces, salgados e um bolinho surpresa. Seus amiguinhos da escola fizeram a alegria completa de meu irmão.

Ah, como a vida estava passando. Em poucos dias o resultado da prova iria chegar pelo correio. Estava tão ansioso que não podia deixar de esconder a ansiedade. Mas estava completamente confiante e preparado para o melhor.

— Passei! Passei! – ela berrou pelo telefone assim que a carta do resultado de sua prova chegou.

— Parabéns, minha futura pediatra! – disse a ela desejando que estivéssemos pertos o suficiente para abraçá-la forte.

No outro dia, foi a minha vez.

— Passei! Passei! Meu Deus!

Agora era só fazer a matrícula, preparar as coisas e esperar pelo mês de fevereiro, em que iríamos para faculdade. Para nossa sorte e azar, já que teríamos que nos separar para cada um seguir com a sua carreira. Eu iria para o outro lado da cidade.

— Prometa para mim que nada vai mudar, prometa. – ela pedia choramingando quando acordamos para a realidade.

— Eu prometo! Nada nunca vai mudar! Você vai ver. O tempo vai passar tão depressa que num piscar de olhos estaremos com nossos dois filhinhos em nossa casa.

— Eu espero – ela disse entre beijos. — Mal posso esperar por isso.

Um novo fevereiro surgiu diferente de todos os outros, um verão chuvoso e não muito quente. Arrumei minhas coisas em uma nova mochila. Olhava para o meu quarto, cada detalhe, cada coisa que ali vivi e já sentia saudade de uma infância perdida em lembranças.

Lá fora o céu estava nublado. Vestia meu jeans preto, o All Star velho, uma camiseta escura e uma jaqueta também preta para impedir o friozinho naquela manhã. Desci para tomar um café quente com mamãe e Pedro que também já estava acordado e bem agasalhado, prestes a começar uma nova série na escola.

— Deixa que eu o leve hoje, mãe – peguei a mochila de Pedro e joguei nas costas. Segurei firme sua mão e saímos rumo ao seu colégio.

— Daniel – ele me olhou, sem sorriso algum. — Você vai estudar longe agora?

— Mais ou menos, Pedro – tentei forçar um sorriso. — Mas lhe prometo que estarei em casa todas as tardes para brincarmos como antes. Nada vai mudar.

Ele piscou e tentou sorrir, mas eu sentia uma tristeza carregada em seus olhinhos. Era o primeiro dia na faculdade. Eu estudaria de manhã e mudaria de horário na construtora. Teria pouco tempo para o restante da minha vida. Sabia que ele sentia a minha falta, tanto quanto eu sentiria a dele. Mas era inevitável. A vida estava passando. Eu estava evoluindo e crescendo ao mesmo tempo. Uma hora isso tudo ia acontecer, sabíamos. E as coisas só ficariam mais difíceis conforme o tempo fosse passando.

Chegando à escolinha, abaixei a sua altura, ajeitei a toquinha na sua cabeça e lhe entreguei a mochila que eu carregava. Beijei sua testa carinhosamente e o vi indo até os coleguinhas. Aquilo me doeu por dentro, já imaginando que coisas mais difíceis viriam pela frente em forma de despedida.

Segui em direção à casa de Malu, ali perto. Essa seria a nossa última tarde juntos. Toquei a campainha algumas vezes e Teresa me saldou. Entrei e segui até o quarto dela, onde a encontrei arrumando suas coisas.

— Já sinto sua falta, Daniel – ela encolheu-se em meus braços, beijei seus cabelos tentando ser firme e passar-lhe segurança.

— Eu também meu amor, eu também – disse baixinho, a meio tanta tristeza em nossos olhos.

Passamos o resto do tempo agarrados, assistindo a novos filmes, comendo besteiras. Tentando, de alguma forma, afastar a tristeza que nos corroía.

Malu iria morar com as amigas em um prédio perto da faculdade, o que significava que voltaria para casa somente nos finais de semana ou na sexta-feira à noite.

Para sua sorte, ela não era como eu. Iria dividir seu tempo somente com os estudos, diversões com as amigas pela cidade em lojas de luxo e comigo ao telefone. Ela não precisaria trabalhar, seus pais arcariam com todas as despesas.

— Vai ser legal morar com as meninas, mas nada comparado em viver aqui em casa, pertinho de você, de mamãe e papai – ela disse depois que o filme terminou. — Você vai mesmo me ligar todos os dias depois do trabalho e da aula?

— Com certeza. Só não vamos nos falar se você não me atender.

— Bobo! – ela riu dando-me uma tapa no ombro. — No dia em que isso acontecer, acredite, eu surtei.

Carinhosamente, ela beijou meus lábios, entrelaçou seus braços em meu pescoço e sentou-se em meu colo. Continuei a beijá-la enquanto acariciava seu rosto e segurava forte a sua nuca.

Em questão de segundos, aproveitando o momento, estávamos nos amando sobre sua cama como na primeira vez. Satisfazendo todos os nossos instintos e prazeres.

— Como vou conseguir aguentar semanas sem sentir o seu corpo quente no meu? – ela ria enquanto se vestia.

— Você pode gritar quando estiver com vontade, eu irei correndo. – brinquei.

— Não comece – ela dizia entre risos enquanto eu beijava seu corpo. — Não vou conseguir parar.

— Ótimo! – brinquei ainda a beijando. Ainda a provocando. Ainda a desejando.

E mais uma vez começamos nos atacar, para nossa sorte seus pais não estavam em casa.

— Eu tenho que ir. Ainda tenho que arrumar o resto das coisas.

— Ah, mas já?  

— Vamos lá, não faça as coisas parecerem ainda mais difíceis.

— Ora! É você quem está complicando. Fica me provocando todo o tempo.

Sem mais eu abracei-a forte, tão forte que pude sentir seus ossos das costas estalarem. Beijamo-nos pela última vez como despedida.

Já era noite, havia nuvens carregadas e escuras no céu. Nada de estrelas ou lua. Um vento gelado, que fazia meu queixo se bater. Apertei meus braços de encontro ao meu peito, tentando me proteger da friagem.

Uma imagem nítida de Maria Luíza passou por minha mente. Tão bela, tão encantadora, tão sedutora, tão tudo. Como eu seria capaz de viver sem ela? A que ponto a distância iria abalar o nosso relacionamento?

Eu era capaz de me acostumar com a nova rotina, mas, sinceramente, eu não seria capaz de controlar os maus pensamentos que tomaria conta de mim em dias solitários e vazios.

Pensamentos maldosos que viriam me perguntar o que ela faria enquanto eu choramingava ou com quem ela estava em tarde ensolaradas enquanto eu trabalhava feito um condenado para um futuro digno ao seu lado.

Esse tipo de pensamento que te tortura até conseguir te tirar do sério. Será que ela me ama mesmo? Será que ela sente a minha falta tanto quanto eu sinto a dela?

Coisa de doido.

A tal desconfiança que não deveria existir, o tipo de pergunta que você não deveria perguntar quando sabe que ela estará ao seu lado. O tipo de dúvidas que não deviam tirar o juízo e atormentar os pensamentos. Mas que deviam ser facilmente ignoradas.


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Notas finais do capítulo

Comentem! Sejam bonzinhos.



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