Antes Que Seja Tarde escrita por Mi Freire


Capítulo 16
Grande amizade.


Notas iniciais do capítulo

Como a vida de Daniel mudou muito desde que ele e Malu se separaram, eis aqui que surge uma nova personagem: Júlia. Espero que gostem dela. Ela é diferente de tudo que Daniel poderiam conhecer.



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Ainda pensando nas cenas daquela tarde em meu quarto, senti meus olhos se encherem de água mais uma vez. Levantei-me e sai dali para não me emocionar na frente de todos. Só queria um lugar seguro e longe de todos, onde eu pudesse colocar para fora o que sentia.

Chorei. Outra vez chorei e quase me desmoronei em prantos. Como eu podia chamar aquilo de amor? 

— Opa! – ouvi uma voz feminina. — Acho que esse é o banheiro errado. Desculpe. Pode voltar a chorar em paz.

Ela saiu tão depressa que não tive como me explicar ou me desculpar por ter invadido uma área que pertencia não só a ela, como ao resto das garotas do colégio. Sim. Eu estava no banheiro feminino da faculdade, no último andar. Foi o único lugar que me imaginei livre de todos e tudo.

— Ei – ela voltou. — Esse não é o banheiro errado. Quem está errado aqui é você - ela olhava para mim intrigada. — Bom, deixei-me adivinhar: Daniel Ferraz, um dos melhores alunos fugindo da sala para chorar no banheiro, só pode ser por causa de uma ex-namorada, estou certa?

— Certíssima – falei sorrindo enquanto secava os olhos. — Mas quem é você mesmo? – virei para ela, curioso.

— Bom, eu não sei se você lembra, mas sou Júlia Miranda, da sua turma de engenharia desde o segundo semestre. Tudo bem que eu não seja a garota mais atraente da faculdade, mas você não saber nem quem sou é sacanagem – novamente ela riu.

— Me desculpe, sou distraído. Pelo menos ultimamente. Eu estou aqui para chorar por uma garota que insiste em ferir meu coração, mas e você? O que faz rodando pelo prédio? Não te vejo desde a primeira aula.

— Ah, bom – ela ainda sorria graciosa. — Ninguém merece as três primeiras aulas de Cálculos, né? Então eu tive que dar uma saidinha para refletir sobre a vida.

— Boa justificativa – eu ri também. — Bom, vou deixar você usar o banheiro. Imagine se me pegam aqui dentro. 

Ela assentiu com a cabeça e eu dei de ombros deixando o banheiro feminino para usar o masculino. Mas não para chorar. Depois desse momento constrangedor não havia mais lágrima alguma, mas pura necessidade.

— Ei, Daniel – ela chamou, entrando logo atrás de mim no banheiro masculino. — Eu sei que eu não tenho nada a ver com o seus sentimentos e tão pouco sou boa de conversa, mas poderíamos sair daqui para conversar em outro lugar. Você deve estar mesmo precisando desabafar. Afinal, o melhor da turma não sairia da aula por pouca coisa. Que tal?

Seu sorriso era sincero e cativante, não demorou muito para eu concordar com ela.

— Mas não se acostume, eu não sou simpática com qualquer um. E não costumo desperdiçar meu tempo ouvindo queixas pessoais de amor. Deve ser por isso que não tenho muitos amigos — ela voltou a me olhar seriamente, de repente me surpreendendo com um sorriso meigo logo em seguida. — Mas então, o que foi que ela fez com você que lhe deixou aos prantos?

— É uma longa história – revirei os olhos e rimos juntos. — Há algum tempo, cerca de anos, eu conheci uma garota sensacional. Fomos felizes por um ano e pouco e fatalmente ela terminou comigo porque acreditava que sozinha poderia conhecer melhor o mundo e ter novas experiências. Queria crescer sem ter por perto alguém que a perturbasse.

— Compreendo – ela parecia pensativa e eu gostava daquilo. Significava que ela estava mesmo afim de me ouvir. — Me deixe adivinhar: Ela certamente é uma patricinha fútil que vive em um mundo rosa cercada do dinheiro dos pais que só pensam em trabalho e deixam a filha em segundo plano. Mas não importa, ela é mimada, rica e tem tudo ao seu alcance. Orgulhosa, ela só tem amor próprio e não se importa com os sentimentos dos outro. É, eu conheci muitas como essa.

— Bom, é basicamente isso. Mas ela não é fútil tanto quanto parece e também não é tão egoísta, fria e sem coração. Eu a amo. Consegui sobreviver sem ela durante anos, mas quando ela reapareceu tudo pareceu tão difícil outra vez.

— Sacanagem dessas pessoas, não é? – ela voltou a ser séria. — Primeiro, elas vem com os olhinhos brilhando que dá inveja, dizem que nos amam incondicionalmente e prometem nunca nos deixar. Depois, simplesmente do nada, elas vem com essa ladainha que sente muito, mas espera muito mais da vida e nos joga no meio da rua como se fossemos cachorrinhos abandonados.

— É, tipo isso – eu concordei muito sério. — Mas pelo visto, você entende disso tanto quanto eu.

— Basicamente, sim – ela assentiu desviando o olhar como quem não quer continuar a falar sobre aquilo. — Mas o assunto hoje aqui é você, não eu.

Continuamos a caminhar. Eu perdi uma noite inteira de aula na faculdade, mas nada melhor do que conversar com alguém quando precisamos.  

Contei a ela, resumidamente, toda a minha história. Preocupei-me em saber mais sobre ela, para não parecer chato como quem só pensa na própria vida. Mas ela disse que não havia muito que dizer a seu respeito e eu compreendi.

Júlia era descontraída, diferente e completamente divertida. Não acreditei que ela ia me levar tão a sério com todo aquele meu resumo sentimental, mas com o tempo fui percebendo que ela era muito compreensível.

Certamente naquela noite havíamos começado uma grande amizade e eu, sinceramente, esperava que durasse bastante, diferente de tudo que já acabou na minha vida.

— Preciso ir para casa, ainda vou trabalhar amanhã cedo – sorri pronto para ir. — Bom, foi bom te conhecer.

— Eu sei – ela riu satisfeita. — As pessoas tem certo receio de mim, mas quando me conhecem se apaixonam pela minha pessoa.

— Metida – brinquei. — Mas sinceramente, você é incrível. Não sei por que insiste em me dizer que tem poucos amigos. Eu duvido.

— Vou te provar, então. Você vai ver só – ela soltou um riso e se despediu com um beijo em minha face. — Até mais.

Trabalhei no dia seguinte tentando manter a mente cheia para que eu não pudesse pensar em Malu e tudo que ela havia me dito. Mas, de alguma forma, eu já me sentia aliviado por ter descarregado tudo em Júlia. Ela realmente tinha sido uma amiga e tanto aquela noite.

— Cara, aquela garota dá sua sala é muito estranha – falou Guilherme apontando justamente para Júlia. — Tão estranha como você, olha só para o estilo dela.

Olhei diretamente para Júlia que parecia pedir um refrigerante na lanchonete da faculdade. E para falar a verdade, ela era mesmo estranha. Mas não estranha no sentido ruim e sim no sentindo de ser diferente da maioria das garotas.

Ela usava um jeans preto completamente surrado e rasgado, uma camiseta de alguma banda de rock desconhecida e uma jaqueta de couro também preta. Ah, e o All Star sujo e velho como um dos meus.

O cabelo descia pelas costas. Os olhos tão negros quanto os cabelos, a maquiagem pesada destacando a pele branca sem qualquer imperfeição. Sem contar os alargadores nas duas orelhas, provavelmente de dez milímetros.

Realmente, ela tinha estilo. Até a mochila nas costas era completamente customizada. Júlia era uma garota de atitude e personalidade própria. Coisa que certamente eu admiro muito.

Enquanto eu ainda a olhava, ela pegou um skate velho encostado na parede pulou sobre ele, voando em meio à multidão.

— Eu não sabia que você curtia skate – admiti sentando na carteira atrás dela dentro da sala de aula.

— Você certamente sabe pouco sobre mim – ela brincou, jogando o cabelo de lado com de uma forma sedutora. Depois de me fazer rir, ela riu também. — Você curte?

— Lógico! Mas faz tempo que não ando – confessei.

— Poderíamos dar uma volta um dia desses quando você resolver tirar um tempo de folgada, o que acha? – ela sorria.

— Você está certa – concordei após refletir. — Amanhã é sexta, vamos sair certo? Eu te ligo.

— Te espero – ela finalizou, virando para frente para prestar atenção na aula.

A tarde fazia sol, o céu não tinha nuvens e os pássaros ainda cantavam. O parque estava bem movimentado, como de costume. Havia deixado o carro em casa, tirei meu skate de baixo da velha cama e dei uma limpada nele.

— Me mostre o que sabe fazer – desafiei-a, ainda não acreditando que ela andava de skate como eu. Finalmente uma parceira, conclui.

Elegantemente, começou a fazer as melhores manobras que alguém poderia fazer, mesmo que fosse uma garota. Muito melhor que muitos marmanjões por ai. Com muita leveza e personalidade.

— Sou tão boa quanto você, admita! – ela ria. Concordei com um sorriso. — Está melhor?

— Muito melhor – respondi, entendendo o porquê daquela sua pergunta tão direta.

— Ainda bem, não sei se suportaria te ver chorar de novo – ela disse quase me fazendo acreditar em sua encenação. — Estou brincando. Mas então, que tão um barzinho de rock hoje à noite?

— Mas temos aula, lembra-se?

— Como eu poderia esquecer? Quando resolvo fazer amizade logo com um nerd. - ela debochava de mim.  Não importa! Vamos perder as aulas de hoje. Quer você queria ou não. É só um dia. Vamos sair, nos divertir. A noite é uma criança!

— Não sou nerd. Para te provar que estou sendo sincero, vamos sair hoje à noite.

— Certo. Encontre-me na frente da faculdade às nove e meia. Sem atraso. Se não te deixo pra trás – disse firme.

Passamos o resto da tarde conversando no gramado do parque municipal. Júlia me fez rir horrores. Era bom estar com ela. Melhor ainda ter a conhecido quando eu mais precisava.

Às seis horas deixei a na frente de casa. Estranho, já que se alguém nos visse juntos, pensaria que éramos um casal. Mas a verdade é que eu não conseguia olhar para ela e imaginar nós dois como namorados ou algo do tipo. Via apenas uma linda amizade que surgiu de repente.

Arrumei-me e fui buscá-la na faculdade no horário combinado. Ela se surpreendeu. Não esperava a carona. Mesmo assim, aceitou.

A noite foi melhor ainda. O lugar que ela me levou foi um daqueles que nunca ouvi falar, mas era realmente muito bom. As luzes baixas, um show ao vivo, pouca movimentação e bebidas. O clima ideal para uma noite tranquila de sexta-feira.

Continuamos a conversar. Conheci alguns de seus colegas e gostei muito deles que aparentemente eram como ela. Alternativos e diferentes. E talvez até como eu.

— Quantas tatuagens você tem? – perguntou ela, curiosamente quando nos afastamos do pessoal para o balcão de bebidas.

— Não muitas. Só uma frase na costela e os braços completamente tatuados – pausei. — E você?

— Tenho várias, mas todas bem pequenas. A primeira que fiz foi essa na nuca – ela mostrou-me uma cruz preta. — Pode não parecer, mas eu acredito muito na força divina. Bom, as outras são espalhadas por diversas partes do corpo. Na costela, no pé, nos antebraços, perto dos seios, atrás da orelha. Enfim. Diversas.

— Alguma significativa? – perguntei curioso.

— Só essa – ela mostrou patinhas de cachorros atrás da orelha. — Amo meus cachorros. — Moro com a minha avó, Dona Lurdes. Meus pais meio que me jogaram nas costas dela e simplesmente foram viver sem que tivessem o peso de um filho. Meu avô morreu há cinco anos, eu o amava muito. Minha avó é basicamente uma mãe para mim, nunca me faltou absolutamente nada. Ah, tenho também meus dois cachorros. Lupi e Mila.

— Eu também tenho um cachorro. Pedro, meu irmão mais novo, cuida dele como se fossem irmãos – expliquei sorrindo ao me lembrar deles e todos os momentos que passamos. — Morei só com a minha mãe durante toda a vida, nunca soube ao certo quem é o sujeito que se diz meu pai. Atualmente, ela casou com um amigo da empresa onde trabalho. Creio que são bem felizes. Basicamente é isso. Hoje, por conta da faculdade, moro em uma república com alguns amigos. Até eu conseguir comprar minha casa.

Continuamos a conversar durante toda a noite.

— Sabe aquele cara ali – ela apontou com os olhos, sorridente. Bebeu um pouco mais de sua dose e eu acompanhei seus olhos com os meus. — Um dia eu fui completamente apaixonada por ele, louca da vida por ele. Éramos aparentemente felizes, apesar de todas as diferenças. Mas houve um dia que ele disse a mim que não dávamos mais certo porque eu não fazia o tipo de garota ideal, nem para ele e nem para ninguém. E rapidamente ele me trocou por aquela vaca loura ali ao lado dele, está vendo?

— Sim – eu observei. O cara a quem ela se referia parecia um playboy todo engomadinho com roupas de marca. Ao lado dele, agarrada a sua cintura, uma loura alta que se vestia de um jeito vulgar. — Ela não é tão bonita assim. Você é muito mais atraente.

— É. Eu sei – ela suspirou chateada. — Eu não sei que tipo de merda ele tinha na cabeça quando me disse uma coisa dessas. Eu fiquei muito revoltada. Cheguei até furar os pneus de sua moto e tacar pedra na janela de seu quarto. Mas depois conclui que não valia a pena.

Júlia, pelo que conclui por suas atitudes e falas, é uma garota livre, autentica, cheia de atitude, estilo e é determinada. E isso me admirou muito nela. Era a primeira vez na vida que encontrei uma garota tão auto-estima como ela, auto-astral e cheia de energia.

— Está certa. Ele não merece o seu respeito – dei uma última olhada no sujeito mau caráter. — Acho que ele acabou de ver você e está querendo chamar a atenção, olhe.

— Viadinho – ela resmungou dando as costas. — Quer saber? Vou provar a ele que me dei tão bem quanto ele. Venha! Vamos dançar.

Eu nunca soube dançar ou nada do tipo. Sempre fui muito desajeitado, mas juro que tentei mesmo a música não sendo tão favorável.

Júlia dançava agarrada a mim para provocar alguma reação do ex. Confesso que gostei de sua atitude. Nada mais justo que mostrar aquele idiota o quanto ela podia ser ideal sendo simplesmente ela mesma.


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Notas finais do capítulo

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