As paredes e o copo de água em cima da minha mesa tremiam. Faltava uma semana para o concerto dos rapazes e a casa não tinha sossego. Nem a casa nem eu.

Ouvir uma banda num concerto é do melhor que há, mas ouvir uma banda durante ensaios pode ser uma verdadeira tortura porque a música nunca sai perfeita e quando sai, param na melhor parte.  Desde as 9 da manhã que tinha estado a ouvir o ensaio deles, mas já estava tão farta que o meu cérebro já conseguia ouvir a bateria do Jay mesmo quando ele não estava a tocar. 

Enviei um sms a Lola a perguntar se nos podíamos encontrar no Central park e fazer o trabalho de pintura juntas.

O Central Park é considerado, por muitos nova-iorquinos, um oásis dentro da grande floresta de arranha-céus.  É um lugar onde as pessoas podem diminuir o ritmo frenético da cidade, e era mesmo isso que eu precisava de fazer.

***

Sentei-me num banco com o bloco de desenho nos meus joelhos. Não demorou muito até que Lola chegasse e se sentasse ao meu lado.

“Bom diaaaa!” Lola cumprimentou-me com um beijo  “Saudades minhas??”

Eu levantei-me e abracei-a bruscamente .

Lola estava surpreendida. Eu e ela não nos tínhamos falado praticamente desde que eu e o travis nos tínhamos zangado e eu morria de saudades dela.

“Desculpa, mas não era fácil conciliar o tempo entre ti e o Travis...”

Baixei a cabeça e comecei a desenhar.

“Eu e o Travis fizemos as pazes...”

“A sério? Quando foi?”

“Ontem”

“Ele parecia estar mesmo zangado... o que aconteceu?...”

Fiquei calada, não podia falar deste assunto com ninguém e se contasse à Lola ela iria ficar magoada.

“Não faz mal... não precisas de contar” Lola deu-me um encontrão no ombro. “Então... alguma razão especial para teres marcado um encontro comigo?...”

Olhei para ela, Lola estava ligeiramente corada e os seus olhos moviam-se em várias direcções como se tivesse vergonha de me olhar nos olhos.

“Não... eu só queria sair de casa porque com o barulho dos ensaios eu não me conseguia concentrar... Devia haver alguma razão especial?”

“Nada de especial... é só O MEU ANIVERSÁRIO!” Lola tinha um grande sorriso estampado na cara e dava saltinhos de alegria, ás vezes questionava-me em como é que uma pessoa séria como o Travis podia namorar com uma rapariga tão extrovertida como a Lola, mas acho que os opostos de atraem...

“Mas isso é muito especial! Eu não sabia de nada e também ninguém  me contou!!”

“É normal, só ontem é que fizeste as pazes com o Travis, não me admira que não te tenham dito nada... Mas agora sabes!”

“Bem parabéns!!...” Eu sentia-me desconfortável, para além de não saber que era o aniversário da Lola, também continuava falida e não podia oferecer-lhe nada...

“O que se passa? Não estas feliz por eu fazer 19 anos?”

“Não, claro que estou, não leves a mal, mas é que eu não tenho nada para te oferecer...”

“Não precisas de dar! Só quero que faças uma coisa.” Lola olhava-me com os seus grandes olhos verdes. Ela era realmente bonita, a sua pele era de um bege muito bonito que contrastava com o cabelo ruivo que lhe dava um pouco abaixo dos ombros. “Hoje à noite vamos festejar ,o concerto que o Travis e os rapazes vão dar e o meu aniversário, num bar onde muitos músicos de Nova york costumam encontrar-se. Pensei que também quisesses vir porque afinal de contas também és guitarrista certo??”

“Sim... sou... “A ideia parecia-me perfeita. Era a minha oportunidade para estar noutro tipo de ambiente além da escola e de casa, para não falar de que isto podia servir para criar laços com os rapazes outra vez.”

“Então onde esta a animação???” Lola levantou-se “ Esquece o trabalho, vamos para minha casa vamos imitar as meninas do liceu, prepara-mo-nos para a festa enquanto falamos de rapazes haha”

“Eu não tenho não tenho nenhum rapaz sobre quem falar”

“Jen, minha querida Jen...” Lola olhava para mim com um olhar de compaixão” Isso é o que TU pensas!”

***

As palavras de Lola não saiam da minha cabeça. Será que eu tinha um admirador secreto e não me tinha apercebido? Estive presa nos meus pensamentos e quando dei por ela, já estava sentada na cama de Lola enquanto ela abria o seu armário, que era do tamanho de duas paredes do meu quarto juntas, enquanto escolhia vestidos para nós.

Lola estendeu-me um vestido preto com uma cintura de diamantes. Era realmente bonito.

“Então de que estas à espera para experimentar?”

Comecei a tirar a roupa. “Lola... quanto à nossa conversa sobre rapazes...”

“Ah, sim! Queres tu adivinhar quem tem um fraquinho por ti ou vou ter de ser eu a dar a boa notícia?”

Eu olhava para mim no espelho e tentava com todas as minhas forças lembrar-me de algo que me pudesse dizer quem era o tal rapaz.

“Vá lá Jen, não deve ser difícil, pensa um bocadinho”

Eu já tinha pensado, aliás eu tinha pensado e repensado, mas a única pessoa que me vinha à cabeça era Travis talvez porque quisesse que fosse ele a ter um fraquinho por mim, mas ele era a última pessoa em que queria pensar naquele momento. Estava em casa da namorada dele a usar um vestido dela, sentia-me uma falsa e oportunista.

“Ben”

A minha mente parou.

Ben, foi a única coisa que Lola tinha dito, tão fácil de dizer, tão fácil de entender, mas para mim, aquela palavra não passava de um som que tinha ouvido sem qualquer significado.

“O Ben... ele gosta de mim?...” Murmurei

“Acho que já tinha dado para perceber...” Lola falava como se fosse a coisa mais óbvia do mundo”

“Nós nunca falámos muito... como é que ele pode gostar de mim?”

“Diz-me tu Jen. Tu vives na mesma casa que ele, tenho a certeza que já devem ter havido sinais”

Comecei a pensar,  se calhar até havia sinais, se calhar eu é que os tinha ignorado... Na noite em que eu e Travis discutimos, Ben não hesitou em tentar consolar-me embora eu tivesse recusado a sua companhia. Quando eu queria ficar a sós com o Travis, Ben insistiu que eu fosse buscar comida com ele para poder resolver as coisas... Tinham havido pequenos sinais, mas eu não lhes tinha dado a devida importância.

“Pela tua cara já vi que sabes do que estou a falar” Lola ajeitava o seu vestido turquesa e prendia o seu cabelo num carrapito.

Sempre achei que os baixistas são pessoas calmas e misteriosas, Ben era um baixista, terá sido por isso que conseguiu esconder tão bem os sentimentos e fazer com que eu não percebesse, ou terei estado tão focada no Travis que não conseguia ver mais nada?...

***

A noite estava agradável e o calor permitia que pudéssemos andar sem casaco e de sandálias. Mal se viram, Lola e Travis uniram-se num beijo apaixonante.

 Sempre que alguém se beijava à minha frente eu ficava constrangida e sem saber o que fazer, quer fosse na vida real ou em filmes, então procurei rapidamente um lugar para pousar o meu olhar e esse lugar acabou por ser o Ben. Ben estava  no banco de trás a mandar sms com o telemóvel.

 Como o carro era só de 5 lugares tivemos de nos juntar como sardinhas em lata e eu fiquei literalmente colada ao Ben que olhava para fora do vidro. Olhei para ele, tentei ser discreta e não mover muito a cabeça, mas logo me apercebi de que Ben me podia ver  no reflexo do vidro e quando ele se apercebeu de que eu estava a olhá-lo deu uma gargalhada.

“Hahah, não és nada discreta Jen!”

Eu corei imediatamente. Tapei a cara com o cabelo e esperei que aquele momento de vergonha terminasse como fazia quando alguém gozava comigo na escola.

A viagem durou pouco tempo mas estava calor, estava sentada junto com o Ben o James e o Jay  e a mistura dos seus perfumes fazia-me sentir maldisposta porque eu enjoava facilmente. Para além disso, de vez em quando, Travis parava nos semáforos e aproveitava para passar a mão de leve na perna de Lola  que puxava a mão dele com a sua o que me fazia sentir nervosa. Foi a mais curta e ,ao mesmo tempo, a mais longa viagem da minha vida.

Quando chegámos, dei graças a Deus pela viagem não ter sido mais longa,  respirei fundo.

Era um bar não muito chique, mas também não muito reles, ficava num terraço de um arranha-céus tal como metade dos bares em Nova York e a música vinda de lá de dentro convidava a entrar, e foi isso que fizemos.

Sentámos-nos numa mesa redonda e tomámos dois shots, um para celebrar o facto de dali a uma semana os rapazes irem actuar, e outro para festejar o aniversário da Lola. Entretanto, muita gente vinda de todos os lados vinha cumprimentar os rapazes e a Lola ,que pelos vistos era muito conhecida devido à sua mãe ser manager de bandas.  Eu, simplesmente, ia olhando para o tipo de pessoas que frequentavam o bar e reflectia sobre o quanto eu também queria poder actuar num lugar como aquele... O ambiente era um pouco escuro e cansava um pouco os olhos por isso decidi ir dar uma volta para observar melhor

. Antes de poder chegar à varanda fui interpelada por um homem  vestido de fato com a barba bem arranjada e mais ou menos da minha altura que falava comigo de um jeito sedutor.

“Boa noite, por acaso não é guitarrista?”

Fiquei espantada.

“Boa noite, sim sou como sabia?”

“Tenho olho para essas coisas, e para meninas bonitas como tu também. Por acaso não estarias interessada numa carreira a solo? As condições são muito poucas e insignificantes, faças o que fizeres ficas sempre a ganhar linda, confia em mim!”

De repente uma voz interrompeu o senhor.

“Você não vai querer fazer uma carreira com ela senhor, acredite! Ela não toca nada, aliás ela nem devia estar aqui.” Travis pôs as mãos nos meus ombros enquanto me levava para a varanda contra a minha vontade.

“Travis! Eu estava a meio de uma conversa aquele homem podia ajudar-me a ter fama!” Eu estava completamente enervada e só me apetecia bater-lhe, tinha-me tirado a oportunidade de ser famosa!

“Depende da fama que queres ter! Má fama ias ter de certeza!”

“O que é que queres dizer?!”

“És mesmo ingénua! Tu não podes confiar em toda a gente que te aparece à frente! Quais é que achas que eram as intenções daquele homem? Tornar-te famosa? Achas mesmo?! Aquele tipo de pessoas anda à procura de raparigas inocentes como tu para se aproveitarem delas, devia agradecer-me por te ter tirado dali!

A vergonha apoderou-se de mim outra vez.

“Uma cidade tão grande e nada de oportunidades para mim...” Sentia-me desanimada, não era justo que toda a gente naquele local tivesse a oportunidade de mostrar o que valem ás outras pessoas e eu não.

“Tem calma... há de aparecer a tua vez... Mas até lá, promete-me que tens cuidado com quem falas...”

Acenei com a cabeça. Olhámos ambos para a vista da varanda. Era noite e as luzes de Nova York faziam me pensar sobre a quantidade de pessoas existentes naquela região com os mesmos sonhos, mesma vontade e mesmos problemas que eu.

“Como é que é possível haver espaço para tanta gente nesta cidade...” Suspirei

“Conheço aquelas ruas como a palma da minha mão... esta cidade faz parte de mim.” Travis olhava para a vista com um ligeiro sorriso na cara e lembrei-me do que Lola me tinha contado sobre o passado dele. 

Eu não conseguia acreditar que há dois anos atrás, Travis vivia naquelas ruas com apenas uma guitarra para se sustentar. Ele transmitia força, confiança e independência... Imaginá-lo à mercê da caridade das pessoas não era fácil...

“Eu sei que isto pode parecer muito lamechas, mas... não temos todos um lugar que faz parte de nós?..” Travis falava lentamente  e brincava com os dedos.

“Toda a gente não sei, mas eu tenho.  Fica cerca de 1 km de minha casa... No meio do campo há uma pensão abandonada, já desde a altura em que os meus pais eram da minha idade. Mas não é tipo casa assombrada nem dada disso, os voluntários da cidade ajudam a mantê-la de pé para não afugentar os turistas.  Quando me sentia em baixo era para lá que ia, as portas estão sempre abertas e há electricidade e água, é como uma espécie de museu aberto...  Ás vezes a única coisa de que precisamos é estar um pouco sozinhos...”

“Quero que me leves lá um dia...” Travis olhava de frente para mim. Os seus olhos transmitiam calma e as suas mãos tocavam levemente nas minhas.

Travis P.O.V

Com ela eu não tinha vergonha... com ela era fácil falar, mesmo que fosse do assunto mais estúpido à face da terra... Sentia que ela me compreendia e que embora não soubesse do meu passado ,tínhamos coisas em comum... Ela definitivamente não pertencia ao mesmo mundo que eu. É ingénua, inocente e não faz a mínima ideia do que é viver numa cidade como esta. Faz-me sentir como se tivesse encontrado alguém para proteger, alguém que eu pudesse salvar dos perigos da vida por que eu tinha passado. Tinha partilhado com ela a minha cidade e agora queria que ela partilhasse a cidade dela comigo... Ultimamente, tinha sentido necessidade de partilhar muita coisa com ela e sentir que ela as partilhava comigo...

 Jen estava a usar um vestido da Lola. Acentuava-lhe as curvas , fazia com que as minhas mãos quisessem tocar-lhe senti-la... O perfume dela era intenso e puxava por mim, cada vez que me aproximava para lhe sentir o cheiro, ficava mais intenso  e funcionava como um íman.

 Inconscientemente o meu corpo chegava-se ao dela num acho involuntário. Inconscientemente, queria torna-la minha. Inconscientemente, já não me controlava a mim próprio...

Travis P.O.V END

Ele aproximava-se perigosamente de mim. Eu sabia que isto era um mau sinal... Comecei a sentir-me nervosa, não queria que ninguém visse o que estava prestes a acontecer, muito menos a poucos metros de distância de Lola... Recuei um pouco, mas ele acompanhou-me e, lentamente, a nossa respiração misturou-se.

Os nossos lábios tocavam-se de vez em quando, muito ligeiramente, não era um beijo, mas também não estavam separados, era como se ambos tivéssemos medo de avançar e eu só desejava que ele parasse com o suspense e avançasse... O meu coração acelerou e eu morria de desejo...  As nossas mão entrelaçaram-se com força.

De repente voltei a mim. O mundo real voltou a instalar-se à minha volta e o ar fresco voltou a entrar nos meus pulmões fazendo com que a magia do momento acabasse. O telemóvel do Travis tocou. Ele atendeu.

 Vi Travis a correr para dentro do bar ao encontro de James que estava envolvido numa luta com vários outros rapazes. Avistei Lola, estava lavada em lágrimas enquanto observava os rapazes a espancarem-se uns aos outros. O mundo parou. Eu não sabia o que fazer, era demasiada pressão, Travis quase tinha traído Lola comigo, os rapazes batiam uns nos outros com raiva e Lola chorava no meio da confusão, eu não aguentei, explodi por dentro, e as minhas lágrimas explodiram por fora.