Escritos não fictícios de uma mente fantasiosa escrita por Apolo Blans


Capítulo 1
Efemeridades


Notas iniciais do capítulo

Incrível como, mesmo com tantas mudanças, nunca consegui escrever um título decente



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música você gosta?”. Essa é uma pergunta que geralmente não funciona comigo, já que minha resposta costuma ser “eu não me ligo muito em música. Ouço muitas coisas, desde que a melodia me agrade, o estilo não me importa”. E as pessoas geralmente interpretam minha resposta errado. Acham que quis dizer que não me importo com música, que não ouço nada, que desperta pouco interesse em mim. E essa não poderia ser uma interpretação mais errada.

Eu gosto de música. Gosto muito. Não digo que amo, mas realmente gosto muito. Ainda assim, procuro evitar ouvir música sem um motivo especial. O motivo é simples: sou absorvido pela música. Não é como quando alguém ouve sua música preferida, que se sente transportado por ela (ou qualquer coisa assim). Sou completamente absorvido. Totalmente. Não apenas por música boa ou da qual gosto. Qualquer coisa. Músicas entram em meu cérebro, em minha alma, em minha essência. Músicas e qualquer outro tipo de estímulo. É por isso que sou capaz de escrever romance (apesar de nunca ter tentado), suspense, mistério, ação e terror a qualquer hora. Funciono mais dentro do que fora.

A cada vez que ouço uma música, a cada vez que leio um texto, a cada vez que vejo um filme, eu morro. Eu morro completamente. Sou desconstruído de dentro pra fora. Meus antigos sentimentos, meus antigos pensamentos, minhas antigas ideias, meu antigo ser, minha antiga alma deixa de existir de maneira assustadora. Viram pedaços, um amontoado de restos errados e deslocados, embaralhados, que não fazem sentido algum, tudo jogado sem cuidado algum em um canto qualquer. Eu nunca termino algo que começo. Simplesmente pelo fato de que morro antes da metade.

Eu morro e então renasço. Aqueles pedaços, aquelas coisas momentaneamente sem valor, totalmente inúteis, se transformam. Nunca voltam a ser como antes. Talvez seja apenas um pedaço minúsculo que mudou, talvez sejam todos. Mas eles nunca voltam a se unir da mesma maneira de antes. A mesma música, o mesmo estímulo, que os destruiu se enfia no meio da bagunça, cada nota escolhe o pedaço de que gosta, cada palavra se une a uma parte diferente, cada minúsculo e insignificante momento se mistura de algum modo aquela bagunça. E então, muito rapidamente, correndo, com pressa, eles se unem novamente, recriando a figura anterior, mas sem se parecer em nada com ela. Torno-me outra pessoa. Outro ser. Mudo os pensamentos, mudo os sentimentos, mudo a ideologia, mudo minha alma. Formam algo milhões de vezes mais avançado e evoluído, algo melhor, mais bonito, mais adequado ao universo. Apenas para ser totalmente quebrado quase instantaneamente pela passagem seguinte.

Sou um ser totalmente mutável, extremamente efêmero. Enquanto escrevia esse texto minha opinião mudou dezenas de vezes. Apaguei tudo e comecei de novo. Apaguei apenas um parágrafo inteiro. Apaguei apenas uma palavra. Apaguei e recomecei, porque enquanto escrevia meu ser foi completamente refeito e transformado. Cada palavra que se formou me desformou, cada tecla que meus dedos apertaram apertou minha alma e cada espaço que dei aproximou mais eu de mim mesmo. A cada instante forças completamente opostas se chocam dentro de mim e reconstroem algo completamente diferente. Apaguei o texto dezenas de vezes, até encontrar um modo, uma forma, uma combinação estranha, que agrade todas as minha milhares de almas que se formam o tempo todo, todas as minhas vontades conflitantes e minha mente problemática. O texto “final” que tenho certeza que será cheio de erros amanhã, que estará sem graça, do qual não gostarei nem um pouco, mas o qual adorei neste exato momento. O que agradou o Apolo das 23:20, mas que com certeza não agradará o Apolo das 23:30.

Música me afeta. Textos me afetam. Filmes me afetam. Imagens me afetam. O universo me afeta. Quer dizer, não afeta a mim, porque “eu” não existe. O que existe é uma fórmula sem forma alguma, uma conta que nunca dá o mesmo resultado, uma frase que nunca faz total sentido. Algo insano e confuso, caoticamente claro, uma essência barroca que se ama e que não gosta de si mesma. Não existe um eu. Existem eus momentâneos.

E é por isso que procuro não ouvir música com frequência.


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