– Ah, qual é Haymich? – digo cruzando os braços.

– Docinho, eu não posso liberar vocês do nada – fala sentando em sua cadeira completamente relaxado, como se nada estivesse acontecendo.

Eu, Annie, Clove e Madge estávamos na sala da coordenação e eu pedi para que Haymich nos liberasse da escola por hoje. Eu havia deixado todos confusos, inclusive Peeta e as meninas, que não entenderam o porquê de eu querer que todas nós saíssemos da escola por hora.

– Haymich, você sabe que eu não posso me estressar e continua complicando a situação toda – digo já irritada.

– Katniss, você pode sair, mas elas não – diz apontando para as meninas – Não tem cabimento, todas saírem sem motivo.

– Eu não posso sair sozinha, não conheço nada aqui no Rio e eu tenho certeza que uma aluna perdida não seria algo muito bom pra escola não é? – digo e ergo uma sobrancelha como forma de desafio, vendo que ele fica desconfortável logo depois.

Ele para e suspira, passando seus dedos da mão direita pela testa logo depois.

– Haymich – me inclino em sua direção – eu preciso fazer isso por mim, pela minha mãe e pelo meu pai e eu não posso fazer algo assim sozinha. Por favor.

Ali eu já não era mais a garota rebelde que estava desafiando a vida e o mundo, eu era apenas eu. Katniss Everdeen, a menina que se fechou para o mundo e que agora encontrava forças para se abrir de novo pra ele.

– Ahh – suspira – vocês tem até o jantar pra voltar.

– Obrigada – sussurro em agradecimento.

Saí da sala logo depois, esperando que as meninas saíssem em seguida. Quando Clove fechou a porta da coordenação, elas se viraram pra mim e perguntaram ainda confusas:

– O que a gente vai fazer Katniss? – fala Madge

– Girls, peguem seus cartões porque nós vamos às compras – digo vitoriosa e elas se entreolham, soltando gritinhos alegres logo depois.

~*~*~*~*

Mais ou menos uma hora depois, nós estávamos em frente a um salão super famoso perto do shopping que iremos frequentar assim que sairmos daqui. Annie me encheu a paciência porque queria que eu fizesse o cabelo com o cabeleireiro dela, mesmo não sabendo o que eu queria fazer.

Sei que assim que eu voltasse para São Paulo e Cadu visse o que fiz, iria pirar por sempre dizer que ele e apenas ele podia tocar no meu cabelo... mas é por uma boa causa e sei que depois ele acalmaria seus ânimos e viria que o que eu fiz foi por algo bom.

– E aí Katniss o que você vai querer fazer? – pergunta Clove.

– Isso vocês só vão saber quando eu terminar, mas diz aí Clô, o que você vai fazer pra arrebatar de vez o coração do nosso querido Cato?

Vejo que ela fica vermelha e eu e as meninas rimos enquanto atravessamos a rua.

– Bom, não importa o que a Clove vai fazer, porque quem vai arrebatar o coração de alguém hoje serei eu. Não aguento mais o Gale ficar nessa de não sabe se tenta ou não me chamar pra sair – diz Madge e nós batemos palmas já que, finalmente, ela percebeu que Gale quer algo com ela, mas tem medo de que ela diga que não.

– A Annie também vai fazer algo não é? – pergunto.

– Não sei... acho que vou apenas cortar as pontas do meu cabelo. Finnick diz que gosta deles longos assim.

Nós rimos e entramos no salão que não estava muito cheio já que era dia de semana. Um dos cabeleireiros chamado Marcus, que era o da Annie, me guiou para uma cadeira enquanto as meninas iriam para outras e me perguntou o que eu queria fazer. Sussurrei em seu ouvido e ele abriu um sorriso gigante dizendo que iria ficar maravilhoso.

Ele começou a mexer no cabelo e eu, apenas agora, percebi que minha raiz já estava bem amostra. Sorri ao ver aquela cor brilhante novamente e ao lembrar do quanto meu pai gostava da minha cor natural.

Uma hora depois...

– Pronta gatinha, agora é só jogar o cabelo pra frente.

Marcus pediu e eu fiz. Vendo logo em seguida, meu cabelo louro brilhante e reluzente de volta. Passei o dedo nas pontas vendo ainda meus cachos tão marcantes que desciam pelas minhas costas...

– Uau! – sorri ao ver as meninas atrás de mim, tão impressionadas quanto eu. Pra mim não era uma grande novidade como pra elas, mas me ver assim depois de tanto tempo sem ter que fingir ser algo que não sou é extremamente bom e perceber o quão cansativo foi ter que carregar isso por tanto tempo é como se tudo pudesse se resolver agora.

– O que acham? – perguntei.

– Totalmente Katniss - por incrível que pareça responderam juntas.

Olhei pra baixo e deixei que uma lágrima escorresse e logo senti os abraços calorosos das meninas me dando apoio. Sorri e as abracei de volta como pude.

– Tá bom, chega de choro. Todas estão lindas, deixem-me ver – falei e levantei-me da cadeira, virando de costas e apreciando as mais lindas de Panem High School.

Madge repicou o cabelo e fez umas mechas mais claras e outras mais escuras e deixou a franja de lado. Clove não mudou muito, cortou as pontas e as deixou onduladas, cortou a franja deixando amostra suas sardas na bochecha que dão um toque fofo a ela. Annie também não, cortou dois ou três dedos do cabelo, a franja e ondulou as pontas, já eu... Voltei a minha cor natural, um louro puxado para o caramelo mais claro nas pontas do que na raiz. Todas lindas.

– O que a gente faz agora? – pergunta Clove.

Olho para Madge e ela abre um sorriso.

– Compras!

~*~*~*~*~

Chegando à escola, nos enrolamos com as sacolas de compras. Não gastamos muito, apenas compramos o necessário, já que a maior parte do tempo ficamos de uniforme. Quando iríamos passar pelo portão principal, travei.

Eu estava muito diferente, será que iriam gostar? O que Peeta iria pensar? Que eu sou uma menina fútil que pediu pra ele guardar seu pedido de namoro, apenas pra fazer o cabelo?

– O que foi Kat? – pergunta Mad vindo até mim com as meninas atrás e um olhar preocupado.

– Eu não consigo – exclamei sentando nos degraus da escada.

– Não consegue o que? – fala Annie

– Aparecer assim – apontei pra mim.

– Assim como? Maravilhosamente linda?! – diz Clove passando a mão pela minha franja e pondo atrás da orelha.

– É o Peeta não é? – fala Mad e eu abaixo a cabeça, escondendo os pulsos ainda vermelhos em baixo da blusa.

– O que foi? – fala Clô passando a mão por meus braços ao notar meu gesto anterior.

– Ele me pediu em namoro hoje mais cedo.

Falo e elas soltam gritinhos animados e eu me lembro da história de Peeta, de que ele nunca mais quis chegar perto de uma garota devido o tratamento que ele tinha com Delly, o quanto ela o magoou. Eu não posso fazer isso com ele.

– Não é pra ficarem animadas! – sussurro alto o suficiente para que elas ouçam.

– Porque? – Clove franze a testa.

– Minha mãe acha que eu sou uma doente, um médico que eu nunca vi na vida acha que eu matei meu pai, Peeta pede uma garota problemática que corta os pulsos em namoro e que nunca conheceu a verdadeira Katniss antes... eu não consigo.

Afundei o rosto entre minhas pernas e chorei. Chorei pelo medo, pela dor, chorei pela vontade que eu tinha de ter meu pai comigo.

– Ei – chamou Annie e eu a olhei enquanto ela passava seus leves dedos pelo meu rosto, limpando qualquer vestígio de lágrimas que tinha ali.

– Isso aqui – apontou para os meus pulsos ainda escondidos – não importa pra gente. Nós ti enchemos de histórias sobre o passado e mesmo assim você não se afastou de nós. Não sabemos o que aconteceu com o seu pai, não sabemos o porquê dele ter morrido, mas sabemos que isso não foi culpa sua e que se ele morreu, foi porque estava na hora. Ele fez o que tinha que fazer aqui, ele te trouxe pra gente, uma menina linda, meiga que nos ama e que nos trouxe vida. Pra nós, para os meninos e principalmente ao Peeta. Seu pai é uma estrela agora e ele vai estar sempre aqui, no seu coração. Ele é a sua estrela e você é a nossa. Não importa o que aconteça.

Madge disse enquanto Clove passava a mão pelas minhas costas. Todas estavam emocionadas e nos abraçamos. Em momentos bons e ruins, elas estariam ali e eu sabia disso agora.

– Agora chega de choro. Porque como vocês sabem, toda escola tem umas piranhas e sabem como é né? Aqui em Panem não é diferente. Elas podem estar dando em cima dos nossos homens agora, inclusive a Delly e a Glimmer que apesar de serem umas vacas escrotas, vingativas e nojentas não perdem a chance de atacar quatro garotos sexys e lindos como os nossos. Podemos ir agora não é? – fala Annie e nós rimos.

– Podemos passar no quarto antes? Quero trocar de roupa e exalar minha beleza com meu novo visual – disse Madge enquanto jogava o cabelo de um lado para o outro com as mãos.

Entramos na escola e saímos correndo para o D12, rindo que nem crianças que acabam de aprontar.

Ao entrar no quarto, nos certificamos de que os meninos estavam no jantar quando Clove mandou uma mensagem no Watsapp e eles responderam com letras maiúsculas ao perguntarem onde nós estávamos. Eles devem ter ficado bravos e Peeta chateado, mas foi por algo bom pra mim e acho que ele vai gostar. Eu espero...

Deixamos as sacolas em cima de nossas respectivas camas e trocamos de roupa. Cada uma pôs o seu estilo, Annie uma blusa Vans com uma jaqueta xadrez por cima, uma calça jeans e um tênis all star branco. Madge colocou uma blusa rosa claro, um short jeans e uma sapatilha dourada. Clove pôs uma blusa de frio que ia até o cotovelo da cor cinza transparente com um sutiã preto por baixo, com uma calça jeans clara e um tênis. Eu coloquei uma blusa parecida com a da Clô, só que verde e que ia até minhas mãos, para esconder... Bem, as marcas. Um short jeans desfiado e um tênis.

Paramos em frente ao espelho do banheiro que estava inteiro de novo e arrumamos o cabelo da forma que achamos que iria ficar melhor e rimos ao perceber que continuou a mesma coisa.

– Katniss, onde está aquele seu óculos de grau? – pergunta Clove.

– No armário por quê?

– Coloca ele. Vai ficar lindo com a sua roupa, já que a blusa verde combina com o cabelo – completa Annie e Mad sorri concordando.

Busquei a caixinha preta dentro do armário e o coloquei no rosto, constatando que ficou realmente bom como as meninas disseram e eu sorri enquanto Mad ajeitava a minha franja de forma que ela não caísse em meus olhos.

Encarei-me no espelho novamente e sorri mais uma vez naquele dia ao ver que aquela era eu, não a eu do dia que entrei na escola e vi Peeta pela primeira vez no avião... Aquela era a eu de cinco meses atrás. Aquela que sorria, que morria de vergonha com os elogios, que acordava feliz e de bom humor ponta para brincar e zoar os amigos.

– Vamos? – perguntei.

– Vamos – responderam em uníssono.

Elas passaram pela porta primeiro que eu, me dando tempo de pegar uma embalagem preta em uma das sacolas e pegar o conteúdo, pondo dentro do bolso do short e saindo logo depois para alcançar as meninas que já desciam as escadas.

Todos que ainda não estavam no refeitório paravam para nos olhar, abriam a boca e comentavam com quem estava do lado. Claro que eu estava morrendo de vergonha, por isso me coloquei entre Clove e Annie e abaixei a cabeça. Entramos no refeitório logo depois e seguimos para a fila para pegar comida, nos escondendo dos olhares dos meninos que ainda nos procuravam entre a multidão de alunos.

Peguei um prato com macarrão a bolonhesa e um copo com refrigerante, vendo que as meninas já estavam sentadas na mesa e recebendo seus devidos elogios. De canto de olho consegui ver Peeta me procurando, mas devido ao cabelo loiro não me achar e suspirar derrotado. Ri internamente e me dirigi à cadeira ao lado dele, criando coragem pra sentar e todos perceberem que era eu ali, escondida. Respirei fundo e encontrei o olhar de Madge rapidamente e percebi o incentivo mudo através dos olhos verdes dela. Passei por trás de Peeta e puxei a cadeira, sentando ao seu lado logo depois e percebendo o silêncio que se instalou ali.

– Boa noite Kat – diz Mad.

– Katniss?! – perguntou Finnick assustado, fazendo com que eu olhasse pra ele – Meu Deusinho do céu. Não é pos.sí.vel.

Ele disse e ficou batendo as mãos de leve no meu rosto, apertando minhas bochechas e verificando se era eu mesma. Rimos juntos e virei meu olhar para Gale e Cato.

– Tá gata em Katniss – disse Gale, recebendo uma cotovelada de Madge em seguida – O que foi? Ela está mesmo!

Mad lhe lançou um olhar furioso, mas Gale sussurrou algo em seu ouvido, deixando-a corada e lhe dando um beijo perto da boca depois.

– Cato? – perguntei.

– É isso aí Katita! – ergueu a mão e eu levantei levemente da cadeira para bater com a minha na dele. Clove ergueu a sobrancelha e ele passou o braço esquerdo pelo ombro dela, dando um beijo em sua bochecha.

Era agora, eu tinha que virar-me de frente para Peeta que continuou em silencio desde que Madge pronunciou meu nome.

– Peeta? – perguntei abaixando levemente a cabeça.

– Ma...mama... mas o que? – falou confuso.

– Uma vez uma pessoa me disse que eu me escondia no cabelo colorido... Então, eu voltei a minha cor. O que você achou? – perguntei pondo as mãos entrelaçadas no meu colo.

– Essa é a Katniss?- falou receoso.

– Essa é a Katniss – confirmei e sorri de lado.

O silêncio continuou e eu fiquei com mais medo ainda, comecei a me arrepender do que fiz e já iria me levantar para sair correndo direto pro quarto quando...

– Perfeita.

Sorri e lhe puxei para um beijo apaixonado ali mesmo, no refeitório, ouvindo as palmas dos meus amigos que eram abafadas pelo falatório dos outros alunos que cuidavam de suas vidas agitadas e não tinham tempo para cuidarem das nossas. Bem melhor assim.

Sorri quando nosso beijo acabou e eu percebi que era real. Não era um sonho, nem uma alucinação, eu estava ali, com os meus amigos e meu namorado. Eu estava bem. Por baixo da mesa, grudei nossas mãos e entrelacei minha perna com a sua, vendo-o sorrir e voltar sua atenção à comida até então intocada. Comemos assim, ligados um ao outro por meio de gestos simples, mas significativos.

O tempo se passou e restávamos apenas eu e Peeta no refeitório, saímos de mãos dadas e sorrindo um para o outro, quando minutos antes, vimos Glimmer e Delly saindo batendo o pé e com os rostos vermelhos de raiva do refeitório. Subimos as escadas com calma, sorrindo um para o outro e trocando rápidos selinhos, nos escondendo dos monitores que podiam nos ver e aplicar um dos castigos em nós.

Parando em frente à porta do meu quarto, envolvi meus braços no pescoço de Peeta e ele passou as mãos pela minha cintura, nos aproximando ainda mais.

– Você está linda assim – disse e nós sorrimos um para o outro.

– Gostou mesmo?

– Gostei – sorriu e me deu outro selinho.

– Mas nós acabamos de quebrar um ciclo – falei e ele ergueu uma sobrancelha – uma morena e um loiro.

– Eu nem sempre fui loiro sabia? Quando bebê, eu tinha o cabelo bem pretinho. Só que ele clareou com o tempo, então ciclo ainda está de pé – disse e eu gargalhei, pela nossa brincadeira boba.

– Tenho algo pra você.

Falei e me afastei, pegando dois anéis que se completavam dentro do bolso do meu short. Abri a mão e lhe mostrei.

– Sei que é meio bobo, mas sei lá. Eu acho que combina com a gente...

– No que você pensou quando viu isso? – perguntou com um sorriso.

– Quebrados separados...

– e perfeitos juntos.

Peeta completou e eu sorri. Ele pegou o prata e pôs em meu dedo anelar direito, peguei o dourado que sobrou e coloquei no anelar da sua mão direita. Sorrimos um para o outro, dando um outro beijo apaixonado ali. Eu estava bem, nós estávamos bem.

– Boa noite namorada – disse sorrindo.

– Boa noite namorado – respondi e nos demos outro selinho.

Vi ele abrir a porta do quarto e me lançar um dos sorrisos mais lindos que já vi e eu sorri de volta. Entramos em nossos respectivos quartos juntos e me virei paras as meninas que estavam sentadas em minha cama, com travesseiros em seus colos e quando sorri pra elas... todas nós soltamos gritinhos histéricos. A noite iria render muita conversa.