Uma Vez Mais escrita por AnaMM


Capítulo 41
À Porta dos Sonhos


Notas iniciais do capítulo

Ok, capítulo difícil de fazer. Levemente inspirado em uma cena de Cazuza - O Tempo Não Para. Tava querendo fazer há um tempo esse capítulo, espero que vocês gostem.

Trilha:
https://www.youtube.com/watch?v=JtrZL0-Pgv0
http://www.vagalume.com.br/the-band-perry/if-i-die-young-traducao.html início

https://www.youtube.com/watch?v=99j0zLuNhi8
http://www.vagalume.com.br/creed/with-arms-wide-open-traducao.html praia

https://www.youtube.com/watch?v=BGh0CcbVoPQ
http://www.vagalume.com.br/avril-lavigne/fall-to-pieces-traducao.html e não é que uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos caiu como uma luva pra parte final do capítulo?



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Passara o resto da madrugada sem rumo, pelas ruas do Rio de Janeiro. Bares, carros, risadas despreocupadas... Queria tanto não precisar se importar! Casais que brigavam, que se reconciliavam, que comemoravam uma gravidez, um casamento. Amigos que se reencontravam, que se formavam, que completavam juntos uma etapa de sua vida. E se jamais visse seus amigos se formando? E se jamais recebesse seu diploma? Jamais seria o que ainda sequer havia decidido que se tornaria. A ironia da mãe o repreendendo por não saber o que faria de sua vida... Era como se naquela época já soubesse que não teria muito tempo. Ouvia taças de champagne baterem umas nas outras, barris sendo rompidos, a música alta. Comemorações de todos os tipos, lhes bastava estarem vivos. Ah, tudo que ainda poderia e queria fazer... Tudo que ainda tinha por consertar... O pegador desapegado se flagrava chorando com as cenas de casais felizes, de pais com seus filhos... E se jamais tivesse um filho? Um menino correndo... Cachos do pai, loiro como a mãe. Instável, marrento, livre. Lorenzo se chamaria, em homenagem ao homem que teria salvo sua vida. Um casamento ao som de solos de guitarra, Lia se recusaria a usar branco e trocaria o véu por mechas novas. Seria a noiva mais bonita que o padre já vira. Choraria no altar, apesar da fama de insensível. Era a mulher de sua vida, tinha certeza. Teria consertado seus erros e jamais os repetiria. Seriam felizes para sempre. Sempre... Se pelo menos pudesse ter um pedaço um pouco maior do tal sempre...

Já amanhecia quando ouviu o som que o acolhera em seus piores dias e melhores sonhos. O mar... Uma imensidão que podia levá-lo a qualquer canto, que dispunha o mundo a seus pés. Tinha tantos lugares ainda por conhecer, tanto para viver, por que a vida lhe era tão injusta? A visão do que Rômulo chamava de a porta do mundo o feria tanto quanto o fazia sonhar. Seus sonhos estavam contados, mal sabia se poderia realizar mais algum, e tinha tantos... Sonhar tornou-se seu maior medo. Medo de expectativas que jamais se cumpririam, medo de esperar por mais que o dia seguinte, medo de deixar para trás tudo que amava e ainda não havia recuperado: o tempo perdido com seus amigos e com sua família, Lia. Estava tão perto... E quanto mais se aproximava da roqueira, mais sofria. Sofria por não querer deixá-la, por querer viver cada segundo que ainda lhe restava e infinitos mais. Ouviu uma onda quebrar, aproximou-se da areia. Cada onda lhe trazia as lembranças de suas viagens, de seu acidente, de seu maior erro. Dos dias na praia com os amigos, dos sermões de sua mãe ao vê-lo entrar com os pés sujos de areia dentro de casa. As bobagens de Fera, Orelha filmando as meninas de biquíni, Lia de biquíni... Era tão perfeita! Sentia falta de cada centímetro de seu corpo. As risadas, as brincadeiras, a união entre os alunos do colégio Quadrante, uma família acima de qualquer diferença. A costa oeste da África, sua cultura, suas paisagens, as pessoas que conhecera, as vidas que ajudara, a doença. A doença... Por que? Tinha tantos sonhos, tanto por viver, tanto por consertar!

Precisava fugir, livrar-se da dor que o consumia, das lembranças que o atormentavam. Corria e corria em direção à liberdade de si, de seus problemas, de sua frágil condição humana. Levou as mãos aos cachos para puxá-los, precisava sentir ainda mais dor, precisava se sentir vivo. Nada. Sua mão tocou o vazio. Passou os dedos pela superfície áspera de sua cabeça, suas lágrimas correndo soltas pela face. Sequer se reconhecia. Não via mais por onde andava, sequer pensava direito. Seus pés tropeçaram em qualquer coisa, derrubando-o de joelhos sobre a areia. O sol recém havia nascido, e o céu avermelhado se confundia com o vermelho da dor que sentia, da angústia. Gritou, gritou como nunca havia gritado. Gritou de raiva, de desespero, de liberdade, de medo. Não havia ninguém, a praia era sua. Gritou, chorou, arranhou sua cabeça, sua pele. Precisava se sentir vivo.

–x-

– A gente precisa mesmo ir à aula? – Lia resmungou do sofá ao ouvir os passos do pai na sala.

Lorenzo observou a filha. Estava cansada, com os olhos inchados, talvez não fosse uma boa ideia que a filha fosse ao colégio naquele estado, não depois da noite anterior. Ainda assim...

– Vocês três vão ao colégio. Ficar em casa chorando só vai piorar a situação, vocês precisam se distrair, viver, mesmo.

– Como, pai? Como você quer que a gente preste atenção na aula, ou em qualquer outra coisa? Você não viu como ele tava ontem...

– Na verdade, mocinha, eu vi de perto como ele tava mal, tanto que o trouxe pra cá. Você não viu nada ainda, e acredite, esquecer um pouco a doença vai fazer bem pra ele. Portanto, colégio!

– Era só o que faltava! Se não bastasse ganhar cama e roupa lavada, o doentinho ainda ser liberado de ter aula! – Gil protestou, anunciando sua presença na sala.

– Você não tem jeito, mesmo, né, filho? Pode dar adeus à ideia de pedir ao Gil que ceda a cama dele, Lorenzo. – Marcela concluiu da cozinha.

– Enquanto vocês discutem, eu vou chamar o Dinho pro café. – Lia anunciou.

– Olha lá como você vai acordar o Dinho, que seu pai fica uma fera! – Marcela brincou.

Pela primeira vez na manhã, a roqueira riu.

– Eu ia jogar água fria, mesmo, Marcela, mas valeu pela dica. Só uma pena que ele provavelmente já acorde ao me ouvir procurando a lingerie no armário...

– Eu vou acordar ele! – Lorenzo interrompeu vermelho, fazendo com que Lia e Marcela gargalhassem.

Entediado, Gil se dirigiu ao quarto da roqueira enquanto ainda discutiam.

– O Dinho dormiu no quarto da Lia?

– Sim, filho, por que?

– Dormiu, mas sem ela, que fique bem claro! – Lorenzo acrescentou.

– Ali ele não tá. A cama tá até feita.

– Como assim não tá? – O médico questionou confuso, checando o quarto.

– Ele pode ter acordado mais cedo e ido visitar a Fatinha. – Marcela sugeriu.

– Bom, vão vocês pro colégio, eu vou pro hospital, e o primeiro que encontrar o Dinho por lá me manda uma mensagem.

–x-

O primeiro tempo começou, e nem sinal de Adriano. Talvez tivesse se atrasado, entrando, assim, somente no segundo. Lia percebeu que Fatinha estava presente, porém do outro lado da sala. Os minutos pareciam não passar. Quando o sinal finalmente tocou, a funkeira foi mais rápida.

– Cadê o Dinho? – Perguntou preocupada.

– Não sei... – Lia respondeu com a voz falha. – Eu pensei que ele estivesse com você.

– Eu não vejo ele desde ontem. – A periguete respondeu confusa.

– Nem eu.

– Que? Como assim? Ele não dormiu lá?

– Dormiu, mas hoje quando a gente acordou ele não tava mais lá.

– E se ele morreu? – Fatinha perguntou em choque.

– Ele não vai ser abduzido pelos espíritos quando morrer, Fatinha. – Respondeu cética.

Detestava tocar no assunto. Se pelo menos o encontrasse de uma vez...

As aulas terminavam uma a uma e nada de Adriano. Podia escutar os alunos especulando sobre a ausência do garoto, perguntando-se se já estaria tão mal. Tinha vontade de expulsá-los a gritos. Dinho não ia morrer e estava bem, como sempre estivera. Se pelo menos a roqueira pudesse acreditar em suas próprias mentiras...

– Lia, é verdade? Cadê o Dinho? Como ele tá? – Orelha a chamou.

– Ele... – Não podia mentir para o melhor amigo de Adriano, não seria justo. – A gente não sabe. O Dinho teve uma crise ontem, o meu pai levou ele pra dormir lá em casa, e hoje quando a gente acordou... Nada do Dinho.

– Espera, volta. O Dinho dormiu na sua casa? – O nerd sorriu desconfiado.

– A gente não dormiu junto, Orelha. – Respondeu impaciente.

– Não? Que desperdício! Não reconheço mais o meu amigo!

– Cala a boca, Orelha, é sério! Ele tava muito mal ontem, você tem ideia de pra onde ele pode ter ido?

Álvaro Gabriel se calou. Tentou pensar em todos os lugares dos quais Dinho gostava.

– Você já tentou o telhado? Tem também o porto, bordéis...

– Muito engraçado! Vem, você vai me ajudar a procurar ele.

– Calma, marrentinha! Eu, hein...

Lia parou onde estava. “Até parece que eu nunca vi...” as palavras debochadas de Dinho ecoaram em sua mente. Parecia fazer tanto tempo... Tinha Dinho por perto mesmo que gritasse, mesmo que o enxotasse. Saber que Dinho estaria à sua volta mesmo não podendo era um incômodo que a fazia sorrir, por mais errado que fosse. Era feliz quando sua relação com Dinho se resumia a implicâncias divertidas e não sabia. A tensão de que Juliana desconfiasse de seus sentimentos por Dinho não chegava nem perto da tensão de poder perdê-lo para sempre a qualquer hora. Não saber onde Dinho estava apenas piorava a situação, não sabendo como o garoto estaria, se ainda respirava. Precisava encontrá-lo urgentemente.

Procuraram no telhado, no Misturama,no hostel. Nada. Encarou a dor que as lembranças lhe causavam, era o único jeito. Buscou cada momento que pudesse indicar um local onde Dinho estaria. Pensou em seus piores momentos, no que Dinho dizia, se falara para onde fugiria... Não, para a cachoeira não seria. O local lembrava perigo, vidas por um fio, seria sua última opção. “Pensa, pensa...”

–x-

– Eu imaginei que fosse te encontrar aqui.

Nada.

– Dinho?

Nenhuma reação.

– Dinho! – Lia chamou mais alto, dessa vez pousando a mão contra as costas do garoto. Sentiu-o tremer. – Nós estávamos preocupados.

Sentou-se ao lado de Adriano, envolvendo-o com o braço. Para sua surpresa, Dinho enfim reagiu, abraçando-a forte contra si, sem dizer uma palavra.

– Ei. – Tocou-lhe a face, olhando fundo em seus olhos inchados. – Vai ficar tudo bem. Você quer alugar um pedalinho? A gente pode gritar até perder a voz. – Riu.

– Lia, agora não. – Respondeu frio. Sua voz estava estranhamente rouca. – Você já sabe onde eu tô, me viu respirando, pode voltar.

– Dinho, eu... Tudo bem, você tá passando por um momento bem mais difícil que os meus dramas, pode bancar a Lia se quiser. Eu aguento.

Dinho riu, deixando uma lágrima cair com o movimento dos músculos. Secou-a rapidamente.

– Quer uma guitarra? – Ofereceu com a voz fraca.

– Você sabe que eu não sei tocar. – Riu novamente, a voz falhando e entregando o choro.

– Eu posso sempre te ensinar. O Gil me achou uma excelente professora.

Lia foi surpreendida por um beijo rápido e trêmulo.

– Só você pra me fazer rir numa hora dessas.

– E só você pra tentar algo comigo até nessas horas. – Lia respondeu divertida.

– Funcionou? – Perguntou esperançoso. – Esquece. De que adianta? A gente ficaria junto por dois dias e seria só mais difícil me despedir.

Lia sentiu seu coração parar.

– Não, Dinho, não... – As lágrimas corriam livres por seu rosto. – Por favor, não... Você vai ter todo o tempo do mundo pra tentar me enrolar, não fala essas coisas.

Segurou o rosto de Dinho próximo ao seu, suas testas coladas. O silêncio tomou conta à sua volta, conforme mil pensamentos passavam pela cabeça angustiada de Dinho. Passara o dia tentando fugir de seus problemas, e sua dor continuava a mesma. Seu corpo não ganhava força conforme se afastava de casa, muito menos seus cachos cresciam. Quanto mais tentava fugir, mais era assombrado por lembranças de sua família, de seus amigos... Dela. Principalmente dela. Por que Lia tinha que encontrá-lo? Vê-la aumentava sua dor. Estava bem com a roqueira, talvez até conseguisse reconquistá-la, por que seus dias tinham que estar contados? Por que piorara justo quando tudo parecia ir bem? Sentiu a respiração da loira ao seu lado. Sentiu-se quebrar em mil pedaços. Gritava por socorro, mas a voz não saía. Estava trancada em sua garganta, embargada pelo choro de um jovem desesperado que sequer havia conseguido dormir. Fugira durante a madrugada, tentando escapar das lembranças, da doença. Se ao menos fosse possível...

– Eu não quero morrer!

A voz de Adriano saiu trêmula, recém liberta de sua garganta, embargada por choro e angústia. Voltou a chorar com a intensidade de antes, agora amparado pelo abraço de Lia, que escondia o rosto úmido do ex. Não podia demonstrar fraqueza, ainda que cada palavra a tivesse destruído. Precisava ser forte, precisava... Não sabia o que fazer.

– Você não vai morrer, eu não vou deixar! – Argumentou pifiamente tentando acalmá-lo, mas como acalmá-lo quando estava tão apavorada quanto ele?

Passou a mão por onde não haviam mais cachos, enterrando a cabeça de Dinho em seu ombro. Tremia tanto quanto ele. Não podia deixá-lo ir, não podia perdê-lo. Dessa vez não o deixaria abandoná-la.

– Escuta! Você tem a cirurgia, o meu pai vai fazer de tudo pra facilitar até lá, e vai dar tudo certo. Tem que dar!

– Eu não... Eu não consigo, Lia! – Gritou desesperado. – Você não sabe... – Começou mais calmo. – Você não faz ideia de como é. Eu vejo os meus sonhos se despedaçando, fugindo do meu alcance. Eu ouço o tom de despedida em cada frase dos meus amigos. Eu tive que ver a Fatinha sofrer por mim durante todas aquelas noites sem poder fazer nada. Eu olho pra você, e sei que ainda preciso consertar todas as minhas mancadas, recuperar cada momento que eu desperdicei, e, ao mesmo tempo, cada momento pode ser o último, e eu não quero que seja o último.

– Não vai ser! Não vai! – Segurou as mãos de Dinho nas suas. – Eu te prometo, não vai.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários aqui embaixo, e vamoquevamo! Tá chegando o que vocês querem ;) (Dinho curado? er... não, tava falando de lidinho, mesmo. O final do Dinho segue 50%/50%, bjs)