Uma Vez Mais escrita por AnaMM


Capítulo 39
Reflexo E Realidade


Notas iniciais do capítulo

Mals aê pela demora, mas eu tive um pequeno acidente com 3 imensos parágrafos que estavam perfeitos(snif) e eu tive que reescrever :´(

Trilha sonora:
http://www.vagalume.com.br/semisonic/secret-smile-traducao.html
http://www.youtube.com/watch?v=CuDqHtAR6L8#aid=P8X-TpEyWIw
http://www.vagalume.com.br/u2/sometimes-you-cant-make-it-on-your-own.html inspirou toda a parte do espelho e, bom, tem tudo a ver com eles



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A roqueira correu até o sofá onde o pai e Nando já haviam acomodado o garoto.

– Nenhum beijinho de boas vindas, não? - O enfermo pediu inocentemente.

Agoniada, Lia deu o segundo selinho do dia em Adriano e rapidamente moveu a mão para a testa do garoto.

– Como ele tá, pai?

– Ei, eu tô aqui. - Dinho apontou.

– Vocês voltaram? - Lorenzo perguntou confuso.

– Não, a gente é só amigo agora. - Lia explicou distraída.

– Quando eu acho que entendi vocês dois... - O médico comentou derrotado.

– Você não tem que entender, Lorenzo, deixa os dois se entenderem do jeito deles. - Marcela se pronunciou. - Afinal, como tá o Dinho?

– A notícia boa é que os cachos podem voltar, a ruim é que talvez não dê tempo de crescerem. - Fatinha explicou conformada.

– Como assim? - Lia perguntou confusa, passando a mão pela cabeça raspada do aventureiro.

– O tratamento não deu certo, e o Dinho vai ter que passar por uma operação complicada e decisiva. Ou ele se cura de vez, ou está condenado. - Raquel explicou.

Lia ouviu vagamente o pai repreender Raquel pela frieza. Os sons ao seu redor se abafavam lentamente. Encontrou os olhos distraídos de Dinho. Pareciam vazios e ignorantes de resposta a uma pergunta já conhecida, a umidade das lágrimas a se formar ressaltando o verde normalmente discreto em meio ao castanho. Adriano venceu o nó em sua garganta e fungou uma vez. O suficiente para voltar a despistar a realidade. Levantou-se, andou alguns passos e voltou ao sofá, onde percebeu que a roqueira o observava fixamente. “Você está bem?” seus olhos perguntavam a uma Lia angustiada. “O que você acha?” a pose da loira lhe respondia.

Desde a volta de Adriano, esperara pela despedida. Primeiro, imaginava que Dinho voltaria para suas viagens tão logo se cansasse de brincar de romântico arrependido. Então veio a descoberta da doença, e sabia que chegaria o momento em que os dias seriam oficialmente contados, em que cada segundo com Dinho deveria ser aproveitado como se fosse o último. E, de fato, poderia sê-lo. Ainda assim, não estava preparada para um ultimato. Doía-lhe a garganta pensar que, com uma escolha um pouco menos corajosa, veria-o se afastar minuto a minuto sem saber que o perdia. A afirmação de Raquel, enfim, fê-la perceber que estava certa em ficar ao lado de Dinho, mesmo depois do término turbulento. Não dormiria em paz sabendo que o havia deixado ir.

Angustiada, Lia observou o ex segurar as lágrimas e deixar a sala discretamente. Seguiu-o, deixando para trás os pais e Marcela, que discutiam os cuidados que deveriam ter com o garoto. Fatinha viu Lia segui-lo. Ficaria bem, podia voltar para o hostel. Não havia mais o que fazer pelo amigo aquela noite. Nando a acompanhou.

A roqueira o encontrou à frente de um espelho afastado. O último banheiro do apartamento, o mais escondido. A porta estava entreaberta. Aproximou-se a passos surdos, fechando a porta com cuidado. Adriano estava de costas para ela, com as mãos agarradas firmemente ao balcão, como se tentasse quebrá-lo. O reflexo no espelho expunha suas lágrimas e o rosto contraído em dor e medo que tentava esconder. Notou os músculos de Adriano enrijecidos por seu toque. Não estava preparado para ser flagrado daquela maneira pela ex. Dinho podia não se importar com muitas coisas, mas detestava mostrar fraqueza real. Claro, brincava sobre a doença, conseguia quebrar a guarda de Lia e fazê-la ouvir (às vezes). Ainda assim, temia aparentar sua doença, parecer indefeso. Principalmente em frente a Lia. Treinara por semanas, talvez meses, como retornaria com a mesma pose de pegador do colégio Quadrante que não se deixava abater, como evitaria ser motivo de pena ou de angústia. Não suportava que Lia o visse daquele jeito, tremendo de medo, física e mentalmente abalado. Não era um mártir, não era uma vítima, era Adriano Costa.

Contorceu o rosto úmido novamente ao perceber que aquele Adriano era apenas uma lembrança. O craque do time de futebol, pegador do colégio Quadrante, desbravador de continentes aos 18 anos, herói de seu irmão caçula, namorado orgulhoso e apaixonado da garota mais incrível que conhecera, ídolo dos meninos mais novos do colégio e até mesmo de seus amigos, o filho indomável que apavorava os pais com seu desapego total de compromissos, o Dinho livre, aventureiro, despreocupado e com o mundo aos seus pés não existia mais. Era um vulto do que fora um dia, sem identidade, quase sem vida. Engasgou-se em seu próprio choro. Estava chegando a hora. O fim lhe parecia ainda distante até ouvir as palavras de Raquel ao encontrá-lo no hostel. Subitamente não tinha mais tempo, não tinha mais fuga. Parecia finalmente perceber a gravidade de sua condição e a efemeridade de seus dias, de seus sorrisos, de tudo a sua volta. Sentiu o abraço de Lia. Não estava preparado para perdê-la novamente, para sempre. A cada novo segundo que se passava, amaldiçoava o segundo perdido de seu tempo contado. Segurou os braços da roqueira com força, conforme mais lágrimas caíam. Não escondia mais seu choro. Sabia, pelo olhar de Lia refletido no espelho, que era inútil esconder o que a ex já havia flagrado.

– Ei. – Lia sussurrou. – Você não vai enfrentar isso sozinho.

Os dois se fitavam através do espelho, Lia ainda com as mãos trêmulas enlaçando o tronco de Dinho.

– Eu mal me reconheço no espelho. – Confessou com um nó na garganta.

– Podia ser pior. Você até que tá mais bonito de cabelo raspado. Já pensou se o tratamento tivesse dado certo? Você ia estar completamente careca e sem sobrancelhas.

– Você tem certeza? Existe uma grande, imensa chance de você não ter tempo para ver os cachos que você ama voltarem. – Dinho apontou entre lágrimas que tentava secar.

– Não fala isso. – Lia pediu com a voz falha. Era sempre mais difícil manter a pose quando Dinho admitia seus riscos. – E quer saber? Eu estou adorando passar a mão pelo seu cabelo.

A roqueira passou a mão em um sentido, depois em outro pela cabeça de Adriano, fazendo-o rir.

– Com esse sorriso, quem precisa de cachos? – Sorriu.

Dinho deu meia volta e encarou a ex-namorada. Olharam-se por um instante interminável em seu próprio mundo, castanho-esverdeado encontrando castanho-esverdeado em um diálogo sem palavras que, após anos de convivência, continuava sendo particular de ambos. Fossem rivais ou namorados, certos olhares e sorrisos apenas existiam de Lia para Dinho e de Dinho para Lia. O aventureiro afastou uma mecha do rosto da loira e beijou seu rosto. Em resposta, a roqueira tornou a abraçá-lo, dessa vez tendo seu gesto retribuído.

– Eu te amo. – Murmurou contra o ombro da ex-namorada.

– Eu também te amo. Infelizmente, eu ainda te amo.

Uma nova lágrima deixou os olhos de Dinho, que olhou para o teto tentando disfarçar o choro que voltava.

– Ei. – Lia puxou o rosto de Adriano para encará-la. – Eu sei que você ouviu o meu discurso pra Alice, não é como se você não soubesse. – Riu.

– Eu sempre soube, Lia Martins. – Adriano devolveu em mesmo tom. – É só que... Deixa pra lá.

Lia apertou o abraço, preocupada. Ensaiou em sua cabeça uma maneira de pedir a Dinho que não escondesse o que não teria tempo de confessar depois, mas não sabia como não mencionar o elefante branco que era a condição de seu ex. Ironicamente, o tempo lhe consumiu a oportunidade, e Lorenzo chamou-os da porta.

– Então era aí que vocês estavam se escondendo? – O pai de Lia cobrou. – Mal se mudou e já está de intimidades com a minha filha, Adriano? Eu te levo direto pra casa da Raquel!

Dinho levantou as mãos em sinal de inocência e riu.

– Vem, eu quero te mostrar onde você vai dormir. Pode ter certeza que não será na cama da Lia! – Completou ao ver o sorriso irônico de Dinho.

A roqueira sorriu. Era bom estar tão perto do garoto agora que podia perdê-lo a qualquer momento. Cada momento que passara longe do hostel nas últimas semanas, imaginando como estaria o ex, havia sido uma tortura. Pelo menos agora poderia correr para onde Dinho estivesse dormindo e ver que estava respirando, apesar do que seus pesadelos constantes lhe mostravam. Viveria cada segundo restante ao lado de Adriano, não o deixaria ir sozinho, não o deixaria escapar. A amizade lhe bastava, contanto que pudesse vê-lo todos os dias, a toda hora, e vê-lo bem. Precisava do sorriso de Dinho para lidar com a realidade, para saber que o garoto não sofria tanto. Vê-lo daquele jeito em frente ao espelho a quebrara em mil pedaços que apenas Adriano sabia juntar. Não sabia como aguentaria perdê-lo e não tê-lo ao seu lado para consolá-la com um olhar, com o entrelaçar de suas mãos. Dinho era seu porto seguro, por mais instável que fosse, por mais que ainda não conseguisse confiar no ex. Apenas resistiu à primeira perda por mascarar sua dor com o ódio de ser traída por quem mais amava. Estavam bem, não havia mais ódio para consolá-la ao perdê-lo novamente. Odiava apenas amá-lo tanto e ter que perdê-lo sempre.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Muito obrigada pelo apoio de sempre e me desculpem pela demora :/ viagem de feriado, um pequeno acidente com uma falta de luz que sumiu com o capítulo e uns dois dias em que a inspiração sumiu, e eu não me permito entregar nada "nas coxas" pra vocês. Sabia que uma história dessas não merecia um capítulo simples e vazio, e, uma vez decidido o rumo, não pude entregá-lo até achar que estava suficiente para passar o momento com a sensibilidade e a importância necessária. Espero que o resultado final tenha deixado vocês satisfeitos. Comentários aqui embaixo /