A Ilha De Circe: Fênix escrita por Daughter of Apollo


Capítulo 18
Herói


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à AAJ e Queen of Nárnia. Vamos lá.
10



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/356048/chapter/18

Aiden

Não sabia dizer aonde estava indo. Simplesmente agarrei-me à necessidade de chegar mais longe.

Meus pés cansados continuavam apenas porque não podia conviver com o fracasso. Não pude ajudar Bia. Nem Caeliora. Que espécie de guerreiro eu sou?

Todavia, mantinha-me focado no caminho, pois qualquer coisa representava uma armadilha. Meus sentidos nunca antes se mostraram tão necessários, nem nunca estiveram em batalha tão constante.

Isso é até poético.

Perigos espreitavam ao meu redor. Feras, bestas, monstros enormes, árvores com seus galhos que enredavam e capturavam a presa, plantas com venenos tão fortes que o vapor queimava os olhos, sombras que tentavam capturar à noite, o fogo o único elemento que os espantava.

Aquele vilarejo no meio do nada não era tão inóspito quando a floresta, e agora eu compreendia o estado daquele povo e seu ódio por nós. Deviam estar sendo tão atormentados pelas bestas que pensavam que éramos monstros também.

A paisagem escura manteve-se igual durante três dias. No quarto dia aconteceu a mudança.

Eu estava andando logo após parar para descansar, o clima frio instigava meus músculos a se movimentarem com mais avidez. Mesmo assim, várias distrações roubavam minha atenção, além do frio, o que me irritava. Perder o foco ali seria suicídio, e também um desrespeito com Caeliora e Bia.

Peguei-me pensando nas duas, na verdade, em tudo o que aconteceu, desde o ataque em Atenas. Que maldição, tudo dando errado, logo quando eu pensava que finalmente poderia fazer algo de útil ao mundo. Que poderia provar que era um herói.

Mas heróis ajudam seus companheiros, e eu não consegui mover um dedo quando precisaram de mim. Nem aquela pequena vitória no Partenon consolava-me. Erguer os mortos, sim, eu o fiz, no entanto tudo desabou após aquilo. Agora que o verdadeiro desafio acontecia, eu me mostrava inútil.

Um peso morto.

Em meio às minhas lamúrias, não percebi quando o som inundou meus ouvidos. Era bonito, melódico e agradável como uma brisa. Escorreu sobre meus ouvidos sem dificuldade.

Vi-me enredado por aquele som, tão maravilhoso que não pensei em mais nada, toda e qualquer vontade desapareceu. Eu já era inútil, então por que lutar?

Apenas ouvia, apenas ouvir.

Segui a melodia, cantada por uma voz feminina, quase tão bonita quanto a voz de Ari. Segui-a até onde me levava, mas sem saber ao certo. Quando se ouve algo assim, não se quer descobrir aonde vai. Simplesmente o caminho se abre. E não dispus-me a resistir ao controle da melodia.

Andei e andei e andei, não sentia meus pés, meu corpo dormente não reclamava.

Meus olhos se fecharam. Se hoje retorno a esse momento, de nada eu me recordo.

Abri os olhos. Encontrava-me numa caverna pouco iluminada e úmida, um som gotejante inundava minha mente. Não havia música nenhuma. Arfei um momento.

A voz saudou-me:

– Bem vindo, herói. Você sobreviveu.

Um arrepio gelado cortou-me as costas.

– Você que tem me testado todos esses dias.

A voz mudou de local. Estava atrás de mim.

– Ah, certamente. – A Voz riu. Suor escorreu no meu pescoço. Aquilo era muito... Perigoso.

– Quem é você?

Ela riu novamente. Uma lufada de ar passou pela minha cabeça.

– Como? Aquela velha no vilarejo não lhes contou quem sou? Blasfêmia! – Ela bradou a última sentença. – Pois bem. Meu nome, para ti, é um segredo. Não podeis conhecê-lo.

Girei em meu próprio eixo rapidamente, tentando acompanhar a movimentação. Todavia, ela ia de um lugar a outro antes que eu visse quem havia falado. Como um fantasma.

– Entretanto, é melhor que nossa atenção esteja voltada ao que realmente importa. Aiden, não desistiu em nenhum momento. Admito que, mesmo eu, pensei que voltaria atrás em alguns. Que criaturinha persistente. E agora, a pergunta que martela em minha mente desde que o vi: Por que veio aqui, filho de Hades? Por que está aqui?

Não hesitei em responder-lhe.

– Porque é o meu dever. O que devo fazer.

Minha resposta, de alguma forma a irritou. A Voz emitiu um som parecido com o piar de um pássaro misturado com o estalido de um chicote. É difícil descrever.

– Esperava mais que isso – ela cantou – É como se não visse. Responda à pergunta.

– Quem é você, afinal?

Uma rajada de vento atirou-me para frente, como sinal de desgosto pelo meu comportamento.

– Como ousa?! É uma ordem, filho de Hades. Por que. Está. Aqui? – Ela não esperou que eu respondesse. Rajadas de vento começaram a cortar o espaço da caverna, tão fortes quando uma tempestade. Prostrei-me de joelhos por causa do poder que ela emitia, o rugido do pequeno vendaval cravado forte em minha cabeça.

– É o meu dever! – Gritei a mesma resposta de antes, na esperança de que ela parasse com a fútil demonstração. Deusa, espírito ou mortal, fosse um teste ou não, talvez a minha demanda, eu queria apenas continuar para encontrar Bia e Caeliora.

O vento parou de repente. A voz voltou tão passiva como o mar que cessa a tempestade e vem a calmaria.

– Então está bem. Aqui é o meu território. – Ela mudou seu tom para algo mais formal – E aqui será testado, Aiden, filho de Hades. Não desperdices o que tantos deuses apostaram em ti, porque a vingança divina é muito pior que a bênção. Aproveite bem.

Um estalo chamou minha atenção. Eu sabia que minha pouca sorte acabara ali.

Toda a caverna começou a desabar.

Pulei de pé. Nada de saída para qualquer um dos lados.

Um sulco no teto abria-se rapidamente, rasgando a rocha sólida. E, na falta de um caminho, qualquer um oferece serventia. Reativei meus sentidos e corri desesperadamente.

Rochas enormes caíam sobre o chão, jogando-me de um lado a outro como um boneco. Meus ossos chacoalhavam a todo instante, dificultando a corrida. O barulho luxuriante de areia escorrendo dos sulcos que abriam-se causava arrepios. Estrondos ecoavam por todo o lugar. Arranhões e hematomas surgiam na pele exposta.

Uma queda à esquerda, desviei-me de súbito na direção contrária, numa corrida frenética. Parei de repente, uma grande pedra chocou-se com o chão no exato ponto em que eu estaria se não houvesse parado. Mudei de direção.

De onde vinha a luz, afinal de contas? O que importava? No momento, eu mal enxergava um palmo à frente do rosto. Movia-me pura e simplesmente por instinto.

Até ser puxado por alguém para um canto mais estável.

Meu choque foi tamanho que quase chorei de alívio. Ali na minha frente, estava Bia. Que acabara de salvar minha vida.

– Aiden! Graças à Hécate. – Ela gritou.

– Sim, sou eu. Bia, deuses, como eu estava preocupado! O que aconteceu com você? – Elevei a voz por cima do barulho.

– Eu não sei... Eu acordei aqui, não sei dizer há quanto tempo, e estou tentando sair desde então.

Olhei para seu rosto. Ela aparentava cansaço, porém um genuíno alívio e uma espécie de brilho em seus olhos. Uma mancha de sujeira marcava sua bochecha e seu lábio estava cortado, e também seus ombros curvados um pouco. Ela arfava. Seus cabelos trançados arrepiaram-se um pouco. Naquela circunstância, o teto desabando e quase morrendo, nunca vi pessoa mais linda.

– E você conseguiu encontrar Caeliora? – Gritei acima do estrondo das pedras.

Ela baixou ainda mais os ombros. Seus olhos desviaram-se dos meus e o brilho que eu notara antes escorreu deles. Lágrimas.

– O que houve, Bia? – Alarmei-me, temendo o pior.

– E-e-u não a encontrei. Não sei onde está. Nenhum sinal.

Deixei escapar um suspiro. Ela parecia tão terrivelmente frágil, como se houvesse enfrentado o tártaro inteiro naqueles dias. Não era apenas uma aura... Ela estava, totalmente e inegavelmente, fraca.

Em todos os sentidos.

De repente, um choque sísmico à nossa direita nos jogou para fora da reentrância segura em que nos refugiamos. Depois de checar os ferimentos, uma luz acendeu-se em minha mente.

Não era um terremoto. Nem a caverna estava desabando. Era como se algo estivesse pisoteando o teto da caverna. Bem acima de nossas cabeças. Algo enorme, feroz e muito raivoso.

Bia e eu nos endireitamos. O terremoto cessou, e em minha espinha senti como se toda a estrutura do lugar respirasse e tomasse grandes golfadas de ar.

Parei para analisar o ambiente. A pequena vala em que Bia me puxara fora tampada. Um túnel seguia à nossa direita e outro subia em terreno acidentado, por onde entrava um pouco de luz.

Mergulhamos em completo silêncio. Dentro de poucos instantes, a criatura reiniciou seu ataque de fúria, aproximando-se mais do túnel acidentado que levaria até nós. Uma besta terrível. Enquanto nossos olhos acompanhavam o derramar de pedras, uma sombra gigantesca barrou a fonte de luz.

E nós corremos automaticamente.

Uma espécie de desespero implantou-se dentro de mim ao ser perseguido por um monstro que eu não enxergava. Era desesperador, não sabia o que estava atrás de nós. A luz minguou-se lentamente, e Bia não queria produzir luz mágica para não atrair o monstro. Apesar desses cuidados, eu sentia o chão tremer atrás, mais próximo a cada segundo.

Bia parou-me antes que eu tropeçasse numa vala. Alcançamos a entrada de uma caverna maior, cujo chão estava parcialmente alagado, uma enorme poça. A iluminação era opaca e anuviada, como se viesse de cima da água.

Montes estranhos cobriam o chão, alguns deles se mexiam. Nos aproximamos cautelosamente. Havia alguns animas estirados, vivos, porém dormentes. Ergui a cabeça para contemplar a corrente de um rio no alto da caverna. Uma força qualquer mantinha as águas em seu curso.

O barulho cessou novamente. O monstro provavelmente tomava fôlego.

– Olha – Bia chamou minha atenção com sussurros ansiosos. Ela apontou para algo, alguém, que se remexia no chão.

Corremos para perto em silêncio e nos abaixamos. Era Caeliora. Seu corpo não mostrava um arranhão, envolto no que parecia uma película de água. Graças à Tique, ela respirava.

Estiquei a mão para tocar seu rosto, a fim de acordá-la, todavia mas a refutou e mandou-me um olhar de aviso.

Sua mão pairou sobre o peito de Caeliora e fez dois movimentos circulares, fluidos, então parou e desceu sobre seu tórax, quase a ponto de tocá-lo. A película líquida acariciou-a e Bia a puxou, semelhante a um tecido, e a atirou para longe.

Caeliora tomou uma respiração profunda e abriu seus olhos castanhos. Ela cravou as unhas no meu braço.

– Ai... O q... Eu na... Como?

– Ssh, está tudo bem, Ca.

Ela piscou os olhos, aturdida.

– Aiden? Bia? O que aconteceu?

– Você afundou no rio, lembra? – Bia a incentivou. – Nós a encontramos aqui.

– Lembro – ela respondeu – Mas apenas isso. Quanto tempo fiquei adormecida?

– Três dias e meio – informei-a, auxiliando-a a levantar-se.

– Nossa.

– E é melhor irmos agora. – Eu disse ansiosamente.

– Por quê? Algo errado?

Uma espécie de rugido ou bramido bestial ecoou na caverna e balançou o equilibro da água. Equilibrei Caeliora. Gotas caíram em nossos rostos e o chão tremeu perigosamente. Alguns animais despertaram de seu sono.

– Ah, compreendo.

Porém, nossa tentativa de fuga foi isso: Uma tentativa. O que nos cercava era um salão circular gigantesco, com um rio passando em cima, o chão quase totalmente alagado e nenhuma saída sequer. Do alto, a água zombava de nós pela nossa prisão.

Uma agonia crescente acometeu-me. As rochas tremendo anunciavam sua chegada. Meu coração batia tão rápido que parecia que iria sair do peito. Eu imaginava os passos enormes do monstro, seu corpo sacudindo as paredes enquanto seguia nosso cheiro. Mais alguns segundos e ele estaria ali.

Meu olhar não abandonava a entrada do túnel, única entrada e saída. O tempo transcorria, e eu não a abandonava. Obriguei-me a sair da letargia e tentar algo mas, por mais que eu vasculhasse a área, não via nada que nos ajudasse nesse momento.

O monstro estava mais perto. Fiquei tenso, preparando-me. Suor escorreu de meu pescoço. Lentamente, entreguei a espada de Caeliora a ela. Cotas de malha lâminas. Seria o suficiente? O monstro dava a impressão de ser imbatível.

Um último segundo. Ritmo cardíaco acelerado.

O túnel explodiu.

Talvez dizer “o túnel explodiu” seja um tanto ruim, uma vez que não envolveu fogo. Entretanto, pedras voaram para todos os lados, batendo nas paredes do salão com força estrondosa.

O monstro que era a causa de tudo isso, que fazia o suor escorrer em meu pescoço, era uma espécie de lagarto gigantesco, como que feito inteiramente de rocha sólida e opaca. Suas mandíbulas anormalmente grandes abriam-se e fechavam-se freneticamente, à medida que ele sacudia a cabeçorra. Ele possuía uma grande flexibilidade e alcance nas patas dianteiras, que assemelhavam-se às de um leão, com garras afiadas e poderosas.

O monstro de pedra da floresta, que tentamos não acordar quatro dias antes.

Ele rugiu para o teto e não nos notou nos primeiros instantes, parando sua atenção em nós pouco depois. Suas patas se retesaram e o monstro mostrou seus dentes, rosnado de forma ameaçadora.

Paralisamos no lugar, esperando-o saltar.

Ele saltou. Prontamente, nós nos movemos, livres da letargia. Seus dentes se aproximavam diretamente na nossa direção. No último segundo, quando suas garras podiam agarrar meu corpo, saltei contra ele, por cima de sua cabeça. Seu rosto passou abaixo de mim.

Peguei impulso bem entre seus olhos, acabando em um mortal. Fiz força para enterrar minha espada em seu dorso, inutilmente. A pele dura rechaçou a lâmina e eu fui jogado violentamente para o lado. Alguém ajudou-me a levantar. Caeliora, percebi.

A besta prestava atenção em outra coisa. Um espelho transparente gigantesco erguia-se diante dele, confundindo-o com sua própria imagem. Atrás da ilusão, Bia encolhia-se sobre si mesma. Quieta como um rato.

O monstro começou a pular sobre suas patas, intimidando seu reflexo. Ele silvava para o outro, raivoso. Bia, recuou para trás, cuidando para não sair da proteção do espelho.

Como o derrotaríamos?

Antes que eu pensasse em responder, a agitação intensa e demonstração de força do monstro de pedra geraram resultados. O chão, antes instável, degradou-se ainda mais.

Nacos de pedra não mais desabavam sobre nós, mas sim de debaixo de nós. Devia haver outra caverna num andar inferior. Fossos foram se abrindo enquanto o monstro saltava, com mais estrondos que feriam os ouvidos. A água formou pequenas cachoeiras, que caíam não se sabia aonde.

Bia estava agora em uma zona de perigo. Rachaduras se abriram sob seus pés. Ela olhou para baixo, desorientada e, mesmo distante, eu via sua palidez.

O espelho quebrou-se e transformou-se em pó no ar. Prontamente Ca e eu corremos para ajudar Bia.

A besta cessou seus movimentos durante alguns instantes. Disparei por entre suas pernas, o mais veloz que os tremores me permitiam, e escorreguei por baixo delas.

Com esperança, levantei a espada, e vi meus esforços recompensados quando ela atravessou a carne do estômago do monstro. Um rugido ensurdecedor atravessou o salão. O predador rolou de lado para se livrar do espinho. Felizmente sem esmagar-me completamente.

Bia pulou para a área mais estável, não vi Caeliora em lugar nenhum. O monstro virou-se para mim, centelhas de ódio em seu olhar.

Ele saltava sobre mim e eu desviava, enquanto Caeliora e Bia tentavam criar outras distrações. Mas por mais que lutássemos, nosso adversário não abriu a guarda novamente, e sua pele reduzia qualquer ataque a nada.

Mantivemos assim por um bom tempo. Suas patas esmagavam os corpos caídos no chão que não acordaram a tempo de sair correndo. Sua atenção se voltava unicamente para nós, as presas pulando de um lado a outro.

Ele investiu novamente. Não tive tempo de desviar. Sua pata acertou-me em cheio e lançou-me de encontro à parede. Uma dor terrível sobreveio. Não consegui respirar. Um som oco avisou-me que talvez eu tivesse quebrado algo, porém não tive certeza. Escorreguei para o chão, imóvel.

O bafo quente do monstro estava sobre mim. Ele rosnou.

Talvez esse seja meu fim.

Caeliora gritava.

– Monstro, feioso! Olha aqui, olha para mim! – Ela berrava – Isso, enfrente-me!

Vultos passavam diante de meus olhos. Vários deles. Senti o predador se afastar e sua cauda bater em mim. Meus sentidos se esvaíam, porém os obriguei a ficar. Respiração superficial. Batimentos cardíacos falhando.

Não.

Ouvi o ruído de metal raspando em pedra e um grito. Forcei-me a buscar apoio e a levantar, meus amigos precisavam de mim.

Caeliora e Bia estavam diante dele, gritando insultos e gritos de guerra. Elas moviam-se de um lado a outro, desviando-se de investidas, mas mantendo o monstro no mesmo lugar, onde o chão estava prestes a desabar.

Entendi seu plano, mas algo saiu errado. O monstro saltou para o outro lado, no exato momento em que o chão começava a cair. Rochas imensas desapareceram no vazio, demorando muito tempo para ecoar barulho. Veios se formaram onde as pedras caíram, tão rapidamente que eu não acompanhei. Nosso oponente desorientou-se na tentativa de desviar-se, pois chocou-se com força contra a parede e a fez desabar sobre ele.

Malditos reflexos.

Em pior situação encontrava-se Bia, bem no centro do abalo. Um fosso se abria em volta dela, separando-a do resto de nós. O espaçou fechou-se mais. Bia girou sobre seu eixo. Sem saída.

Afastei-me para não cair nos veios. Caeliora estava a uma boa distância à minha direita, enquanto Bia empalidecia em igual distância à minha frente. O que fazer, o que fazer?

– Bia, pula! – Gritou Caeliora – Você consegue!

Bia negou.

– Não consigo! – Ela gritou de volta – Não dá!

A besta livrava-se das pedras que a cobriam. Ele olhava diretamente para Bia.

– Bia, pula! – Implorei, aproximando-me – Você consegue sim!

Ela abraçou a si mesma, pálida como um fantasma. Não sabia dizer se soluçava. Sua fraqueza tornou-se evidente novamente, e todo o seu medo transpunha-se em seus olhos. O vão abria-se mais e mais, o monstro levantava. E Bia, paralisada, encolhia-se como um gatinho, o rosto abaixado de vergonha.

Então, ela levantou os olhos e fitou Caeliora. Seus lábios formaram um “obrigada”. Ela cerrou os punhos, com tanta determinação como jamais havia visto. Com... Coragem. Valentia. Ela olhou para o monstro que vinha em sua direção. Antes que eu gritasse “Não!” a ela, ela o fez.

– Por favor, contem a minha mãe como morri!

Bia ergueu o espelho novamente, bem entre ela e o monstro. A besta de pedra, transbordando ódio e sem entender, jogou-se impiedosamente sobre seu reflexo, pois não via o abismo que estava atrás dele.

O espelho virou pó diante de nossos olhos, num choque de garras e magia. Do outro lado nosso oponente encontrou o valo, e seu rugido ecoou pela caverna enquanto caía nas profundezas do precipício, levando Bia com ele.

Bia

2 meses atrás

A instrutora de artes estava com os olhos grudados em mim. Achei injusto, porque minha pintura no chão estava ficando bonita. Bela e cheia de violeta. Não sabia por que a expressão severa. Voltei meus olhos para o chão, para fazer os contornos das flores.

Ouvi alguém entrar no salão de arte, e este alguém estava descalço. Não devia ser nada para mim, pensava, porém enganei-me totalmente.

– Bia – uma voz vagamente conhecida chamou-me. Levantei os olhos lentamente, temendo ser uma instrutora que descobriu que eu não compareci ao treinamento de arco e flecha nas últimas duas semanas.

Enganei-me novamente. Uma garota mais velha fitava-me de volta. Ela era alta e tinha uma expressão séria. Tentei lembrar seu nome, porém não consegui.

– Sim? – Respondi perguntando.

– Poderia acompanhar-me? – Ela é dotada daquela fala formal dos mais velhos – Circe deseja vos falar.

Uma expressão de estranhamento estampou-me o rosto. O que Circe quereria comigo? Eu era a última pessoa com quem ela teria que dirigir a palavra.

Mesmo assim, levantei-me e a acompanhei.

– Desculpe, mas o que Senhora Circe deseja falar comigo? – Questionei, já não aguentando a curiosidade. Ela torceu o nariz um pouco ao responder.

– É sobre a missão de guerra no continente. Circe quer convocá-la.

O quê?

Gritei em minha mente. Circe quer convocar à mim? Impossível. Quer dizer, eu sou a menos poderosa daqui. A que tem menos força. Nem sei segurar uma espada direito. E falto ao treino de arco e flecha.

Apesar dos pensamentos, não demonstrei nada à garota a quem seguia. Eu notei por seu rosto azedo. Ela concordava com tudo o que eu pensava. Eu era além de tudo, muito medrosa. Não havia motivos para ir a uma missão de guerra. Quem em sã consciência, me convocaria?

Minha testa vincou-se. Fracota. Medrosa. Inútil. Todas essas coisas estavam estampadas na minha testa. Todos viam.

Porém, lembrei-me de algo que minha mãe me disse uma vez, que talvez justificasse essa convocação insensata. “Você é a melhor ilusionista da ilha. Sua professora tem muito orgulho de ensiná-la. Não há ninguém como você por aqui”.

Adentramos o salão de refeições e nos dirigimos à mesa principal. Pessoas olham-me com nariz torcido e um óbvio julgamento. Eu sempre serei fraca para eles.

Um peso morto.

Mas há aquele garoto.

Queria provar que não sou fraca como pensam. Que consigo ser corajosa, ser uma heroína. Quer não sou dependente ou uma indefesa. Que posso ser útil. Mas me olham com tamanho desprezo.

Talvez eu possa conquistá-los, pensei, talvez eu possa ser corajosa e tornar-me uma verdadeira heroína. Assim ninguém olhara para mim com desprezo novamente.

Aiden

– E o teste finda-se, semideuses – disse A Voz com crueldade.

Caeliora e eu não saíamos da letargia. Observamos o buraco enorme deixado pelo monstro. Ele caiu lá embaixo, morrendo de encontro às estalagmites, porém o corpo de Bia pendia no que restou de uma ponte que conectava um túnel a outro. Seu pescoço pendia de um ângulo antinatural e havia sangue sobre sua armadura. Sua espada jazia perto de seu corpo.

– Obviamente – comentou a voz – Devem seguir o túnel que se abre lá. É o seu caminho.

Um ventou passou por mim em direção à Bia e sacudiu seus cabelos. Minhas mãos tremeram. Lentamente, descemos até onde ela estava. Não tínhamos nada com que limpar o sangue, mas a enrolamos em sua capa e deixamos uma moeda dentro de sua boca. De ouro.

– Então, semideus, está pronto para responder à pergunta? – A Voz caçoou – Está pronto para ser um herói?

Caeliora não falou nada. Nem eu. Lágrimas quentes escorriam por meu rosto enquanto eu velava a garota que nos salvara e por quem eu estava apaixonado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

9



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Ilha De Circe: Fênix" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.