O Último Ato escrita por Liv Marie


Capítulo 12
Parte 12


Notas iniciais do capítulo

E aqui começa o fim.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/354972/chapter/12

Parte 12

Emma já está dentro de sua viatura quando Charming a alcança, impedindo que ela siga em sua busca ao segurar a porta do carro aberta.

“David, o que você tá fazendo? Preciso que você fique aqui com o Henry.”

Da varanda Henry observa os dois apreensivo, seu rosto inchado pelas lágrimas, o que apenas apela para o senso de urgência de Emma. Ela não se atreve a pensar no que pode acontecer se ela não encontrar Regina. Ou se a encontrar tarde demais. Mas então, por um breve instante, as nuvens de preocupação parecem se dissipar e ela enxerga um diferente tipo de apreensão nos olhos de seu pai.

“Eu preciso encontrar Regina, David.” Emma declara com resolução, sem deixar espaço para debate. “Nós não sabemos o que está se passando pela cabeça dela, mas algo me diz que coisa boa não é.”

“Talvez você devesse deixá-la ir, Emma.”

“Do que você tá falando?” Ela o encara, perplexa.

“Você me ouviu. Talvez seja hora de deixá-la ir.” David sugere mais uma vez com seriedade, como se tal possibilidade fosse de fato uma opção, o que apenas incita a exasperação de sua filha.

“Por Deus! Você é capaz de ouvir a si mesmo? É da Regina que estamos falando aqui!” Emma fala abaixando o tom para evitar que Henry escute o que está sendo discutido entre os dois, sua voz escapando em um sussurro furioso.

Para o seu alívio, o garoto permanece onde está, ao contrário do que lhe é de costume. Percebendo sua intenção, David também abaixa a voz.

“Eu sei exatamente de quem estou falando, Emma! Ela é a responsável por tudo de ruim que já nos aconteceu, então eu lhe digo: deixe-a ir embora.”

As palavras de David, ainda que duras, não são ditas com intempestividade, embora Emma não deixe de vislumbrar resquícios de seu rancor presentes. Mas o que realmente inflama a sua fúria é o fato da sugestão ser oferecida como uma simples solução para um problema óbvio.

“Você esquece que também está se referindo a mãe do meu filho.”

“Emma--” David tenta argumentar, mas ela o corta com impaciência, cada minuto valioso demais para ser desperdiçado.

“Quer saber? Eu não tenho tempo para isso. Você pode não gostar, honestamente eu não estou certa de que eu gosto, mas o fato é que Regina faz parte da minha família. O que, a meu ver, deixa duas opções: Vocês podem aceitar isso. Ou sair do meu caminho.”

Antes que ele possa dizer qualquer coisa, Emma arranca o carro, batendo a porta no instante em que, surpreso pelas palavras de sua filha e pelo gesto brusco, David recua e a solta.

Assim, com um olhar pasmo, David observa o carro se afastar até sumir de vista ao passo que Emma não se permite sequer olhar pelo retrovisor.

.::.

Faz algum tempo desde que Emma teve que usar seus talentos como fiadora, mas Storybrooke é uma cidade pequena, de modo que, quão difícil pode ser encontrar alguém?

A resposta é: bastante. Especialmente quando esse alguém pode muito bem ser a pessoa que conhece melhor os menores detalhes da cidade, seja pelos anos em que exerceu o cargo de prefeita (quase três décadas!) ou por se tratar da pessoa responsável pela criação da cidade. Literalmente.

Assim, a única vantagem que Emma tem em seu favor é o fato de conhecer Regina razoavelmente bem a essa altura.

Ok. Talvez ‘razoavelmente bem’ não seja o termo mais adequado, embora seja o suficiente para que Emma elimine os lugares mais óbvios de sua lista. Isto sendo dito, Emma ao menos tem uma lista. Nela se incluem todos os lugares que poderiam possuir um especial significado para a ex-prefeita, o que inclui a prefeitura, o mausoléu no qual estão enterrados seus pais (ambos), os estábulos e, em um último chute, a clareira aonde ela derrotou Cora.

Emma não encontra Regina em nenhum desses lugares.

Sem idéias e com o tempo trabalhando contra seus esforços a medida que uma forte tempestade se aproxima, Emma se encontra quase sem saídas. A única alternativa que ela vê claramente – ainda que a contragosto – sendo recorrer à sua mãe ou Rumplestiltskin. No entanto, ainda que os dois conheçam Regina a mais tempo do que qualquer outra pessoa em Storybrooke, Emma acha difícil acreditar que qualquer um deles aceitaria ajudar Regina. Bem, talvez sua mãe, com toda aquela conversa sobre ser boa e como o lado bom sempre vence, mas ao mesmo tempo Emma não se arriscaria a colocar o futuro de sua família nas mãos de alguém que não hesitaria em arruinar a mesma por “um bem maior”.

Essa simplesmente não é uma opção. Assim, Emma quebra a cabeça pensando em alguém que esteja disposto a ajudar Regina por quem ela é agora, alguém capaz de deixar o passado no passado. A resposta, óbvia o bastante para que ela tenha vontade de chutar a si mesma por ter demorado tanto para pensar nisso, a acerta no mesmo instante em que um poderoso relâmpago atravessa o céu da cidade, anunciando a chegada da tempestade.

.::.

Quando Emma chega ao consultório de Archie, a chuva já está caindo torrencialmente e cada gota parece ter sido absorvida pelas suas roupas.

Archie, naturalmente, parece quase tão surpreso pela sua visita quanto pelo seu estado.

“Xerife, está tudo bem?” Emma entra e corta direto para o assunto, sem cerimônias.

“Regina está desaparecida e eu preciso de sua ajuda para encontrá-la antes que ela faça alguma coisa realmente estúpida.” Sentindo a agitação de Emma, Pongo late, solidário.

“Meu Deus, isso parece terrível. Permita-me perguntar, Emma. O que a faz pensar que Regina tenha tão perversas intenções? Talvez ela tenha saído apenas para um passeio, não? Quem sabe desejando a chance de espairecer?”

“Você está me dizendo que a mulher que não coloca os pés fora de casa há pelo menos 5 meses, de repente resolveu dar apenas um passeio?” O sarcasmo na voz de Emma é quase sólido. “Nossa, espero que ela saiba como conjurar um bote e galochas, por que com esse tempo ela certamente vai precisar.”

Não é o sarcasmo de Emma que preocupa Archie, mas o que ela está dizendo mais precisamente. “Espere um pouco, o que você quer dizer com ‘conjurar’?”

“Você costumava ser um grilo e tá dizendo que não sabe o que conjurar significa?”

Archie opta por ignorar o comentário. “Emma, você está dizendo que Regina recuperou seus poderes? Que ela está usando mágica novamente?”

“Sim! Isso é exatamente o que eu estou dizendo!” A ênfase de Emma, mais uma vez pontuada pelos latidos de Pongo.

“Bem, então isso muda tudo!” Archie começa a andar de um lado para o outro. “O que aconteceu antes de ela desaparecer?”

“Eu não tenho certeza. Henry estava visitando ela apesar de eu tê-lo instruído a fazer justamente o contrário. Pelo que ele disse, ela estava prestes a cortar o cabelo dele e então algo aconteceu e a Regina deve ter surtado, porque a última coisa que eu sei é que ela desapareceu em fino ar.”

“E-espere um instante, eu achei que você e Henry estivessem morando com ela na mansão. Vocês duas não estavam... envolvidas?” Archie pára em pé no meio da sala, seus olhos fixos em Emma por trás das lentes de seus óculos enquanto ele aguarda por uma resposta.

“Nós estávamos. Pelo menos até alguns dias atrás.” Ele não a interrompe, esperando uma elaboração mais informativa, o que parece funcionar. “Nós tivemos uma briga, das grandes. Começou com o Henry, depois magia entrou no meio e terminou com o Henry de novo. No final cheguei à conclusão de que seria melhor para ele ficar longe dela, para sua proteção.”

“E a Regina concordou com isso?” Archie pergunta visivelmente intrigado. “Com o Henry sendo afastado dela, isto é?”

“Bem, ela não fez nenhuma objeção, se é isso o que você está perguntando.” A ansiedade de Emma se elevando a medida que ela junta as peças em sua cabeça. “Pra falar a verdade a Regina pareceu até aliviada.”

“Isso certamente parece pouco característico.” Archie comenta, confirmando as suspeitas da xerife.

“Pois é. Eu imagino que deveria ter visto os sinais antes, mas ela me deixou tão furiosa.”

“Olhe Emma, eu acredito que você esteja certa. Considerando o que você acabou de relatar é bastante possível que Regina esteja prestes a tomar medidas desesperadas. E creio que todos nós sabemos quão impulsiva ela pode ser, dadas as circunstâncias. No entanto, apesar de meus sinceros desejos não sei como eu poderia ser de alguma ajuda na busca pelo seu paradeiro.”

“Archie, mesmo que por um curto espaço de tempo, você foi a única pessoa em Storybrooke em quem Regina se confidenciou. Será que você não é capaz de pensar em um lugar para onde ela possa ter ido? Algum lugar que ela tenha mencionado em suas conversas com você?”

“Emma, mesmo que esse fosse o caso, você sabe que enquanto seu terapeuta eu não estou em posição de discutir o que me foi confidenciado.”

“Fala sério, Archie. Me dá uma mão aqui, por favor?”

“Você procurou no mausoléu? Ou nos estábulos?”

“Sim. Todos esses lugares e todos os outros que fui capaz de pensar.” Emma deixa seu corpo cair sobre o sofá de Archie. “Se eu não tivesse certeza de que Jefferson preferiria cair morto a ajudá-la, eu desconfiaria que ela foi engolida por um portal ou coisa do gênero.”

“Me vejo inclinado a concordar.” Archie senta ao seu lado, seguido por Pongo. “Emma, desculpe não poder ser de grande ajuda. Mas se vale de alguma coisa, eu realmente acredito que se existe alguém capaz de salvar Regina, esse alguém é você.”

Emma franze a testa dada a escolha de palavras do grilo, mas não se dá ao trabalho de contradizê-lo, o que ele entende como um consentimento para continuar falando.

“Você irá encontrá-la. Regina está em algum lugar em Storybrooke com certeza, a não ser que ela estivesse disposta a cruzar a fronteira, o que seria um risco tremendo afinal, em seu caso especificamente, quem poderia saber quais seriam as implicações de tal ato?”

O que quer que Archie diga depois disso é ignorado por Emma, suas palavras sendo repetidas em looping em sua cabeça enquanto seu significado ancora pesadamente sobre seus ombros.

De repente, Emma sabe exatamente aonde encontrar Regina.

Ela só espera ser capaz de chegar lá a tempo.

.::.

Snow chega à mansão pouco tempo depois de Emma ter saído atrás de Regina, quando a grande tempestade que horas mais tarde irá abater a cidade é ainda uma mera sugestão de nuvens carregadas.

Ela encontra o marido e neto no mesmo cômodo, os dois sentados em cantos opostos com expressões semelhantes figurando sobre seus semblantes. Sua presença imediatamente provoca a reação de Charming, que parece satisfeito, mas principalmente, aliviado em vê-la. O mesmo não pode ser dito sobre Henry, que permanece em sua poltrona, taciturno.

“Eu vim o mais rápido que pude.” Seus olhos passeiam entre Charming e Henry, sua próxima pergunta óbvia antes mesmo de ser enunciada. “Cadê a Emma?”

Antes que Charming possa escolher as palavras que procura, Henry oferece uma resposta simples e direta. “Ela foi atrás da minha mãe, para trazê-la de volta.”

Snow absorve as palavras do neto sem deixar de perceber o efeito que as mesmas produzem em seu marido, conhecendo-o suficientemente bem para saber que existe mais coisas por trás do que lhe está sendo dito.

“Bem, nesse caso não há muito que possamos fazer além de esperar, não é mesmo?” Snow oferece aos dois um sorriso otimista.

“Tem sim! Nós devíamos ir atrás dela também e ajudar a procurá-la!” O garoto insiste, e pelo que Snow capta no ar, não se trata da primeira vez.

“Eu já disse que essa não é uma opção, Henry. Emma pediu que ficássemos aqui.” Charming repete, sua paciência se esgotando. “Além disso, uma tempestade está chegando.”

Como resposta a expressão no rosto de Henry se fecha e ele cruza os braços, contrariado.

“Ok.” Snow se volta na direção do neto, procurando amenizar sua indisposição. “Henry, estou certa de que em pouco tempo Regina e Emma estarão de volta. Nesse meio tempo é melhor que a gente fique aqui, para o caso de Regina voltar. Então que tal se eu preparar algo para comermos enquanto isso?”

O menino olha para Charming e sem seguida para Snow, não inteiramente convencido de suas boas intenções e então, ignorando a oferta de sua avó, anuncia. “Vou esperar no meu quarto.”

Ligeiramente surpresa, Snow se recupera rápido. “Está bem, se você prefere assim. Eu prometo te chamar assim que tivermos qualquer novidade.”

A reação de Henry, um consentimento mudo, apenas aumenta a preocupação de Snow. Ainda assim, ela espera o som do bater da porta do quarto de Henry antes de direcionar suas perguntas ao marido. “Charming, o que realmente aconteceu?”

“Tudo o que você precisa saber é que Regina decidiu partir e Emma foi atrás dela.” Snow escuta sua sucinta explicação e tenta ler em suas feições o que David não está dizendo.

“Bem, é claro que ela foi.” É seu comentário e sua reação, aparentemente não é o que seu marido espera, sua insatisfação tornando-se ainda mais evidente.

“Por acaso eu sou o único que não vê isso como uma resposta óbvia?”

“Charming, o que houve?” Snow se aproxima do marido, repousando as mãos sobre seu peito enquanto busca a resposta em seus olhos. Frustrado, Charming se afasta.

“Me parece que eu sou o único nessa família que lembra o que aquela mulher fez conosco.” Snow deixa escapar uma risada seca em resposta.

“Querido, você sabe que isso não é verdade.”

“Mesmo? Então porque eu sinto que sou o único aqui que acredita que se a Regina deseja desaparecer, nós deveríamos ficar gratos ao invés de promover uma equipe de busca?”

“Porque não é assim tão simples.” Snow se vê forçada a admitir.

“Por que não?” Charming repete a pergunta que Snow tem feito a si mesma, mesmo quando ainda não ousava admitir conscientemente seu maior temor. Para sua surpresa, a resposta não lhe custa tanto quanto o esperado.

“Porque Emma acredita que a Regina é sua família. E que cabe a ela salvá-la.”

“Foi o que ela me disse antes de sair, mas isso é ridículo! Quando ela voltar, e toda essa situação estiver resolvida, nós vamos ter que ter uma conversa séria. As coisas não podem continuar dessa maneira.”

“David, ela não vai nos dar ouvidos. Não sobre isso.”

“Mas nós temos que fazer alguma coisa! Você não viu o olhar que ela tinha quando foi atrás de Regina, Snow. Isso não é algo que a gente possa simplesmente ignorar.”

“Mas isso é justamente o que estou tentando lhe dizer. Charming, o que estamos lidando aqui... Temo que seja algo muito maior.” Snow declara com cautela, escolhendo cuidadosamente suas palavras. A apreensão em seu rosto notada prontamente por David.

“Snow, o que você está dizendo?”

“Que eu não queria acreditar a princípio e provavelmente você também não e talvez por isso nenhum de nós tenha sido capaz de perceber o que está acontecendo bem diante de nossos olhos.”

“Você não pode estar falando sério.” Charming antecipa o que Snow hesita em dizer, se recusando a acreditar embora uma sua que ele não ousa admitir jamais, já saiba.

“Acredite em mim, eu também não queria que fosse verdade. Mas como você mesmo disse, não podemos continuar ignorando o fato de que... que em algum momento, quando não estávamos olhando, nossa filha se apaixonou por Regina.”

.::.

Emma encontra Regina junto a linha que divide Storybrooke do restante do mundo, quando a tempestade forte já cedeu, dando lugar a uma garoa fina e gélida.

Encharcada pela chuva, Regina observa atentamente a linha que pode significar seu fim ou um recomeço, a depender de sua sorte. Ela não move um músculo sequer, nem mesmo quando o motor do carro de Emma anuncia sua aproximação e a xerife não precisa de muito para concluir que este é o lugar em que Regina esteve durante todo o tempo em que Emma esteve à sua procura, especialmente quando todas as evidências apontam para essa conclusão.

Usando sua jaqueta para proteger-se da chuva, Emma bate a porta do carro, amaldiçoando a ausência de um guarda-chuva ou capa de chuva em sua posse. Regina não se dá ao trabalho de se voltar em sua direção para saudá-la, embora sua voz assim o faça.

“Você não deveria ter algum tipo de talento especial para encontrar pessoas?” A insinuação provoca um pequeno sorriso e uma ponta de alívio em Emma.

“Me dá um tempo, minhas habilidades estavam um pouco enferrujadas.” Emma se aproxima, seus passos anunciados pelas poças de água formadas sobre o asfalto, enquanto Regina permanece imóvel.

“Não posso dizer que esteja exatamente desapontada. Não só passaria melhor sem a sua presença, como nunca acreditei em sua competência.”

Dessa vez, a provocação de Regina é ignorada por Emma, cuja preocupação é suficientemente grande para aplacar o seu temperamento. Assim, ao invés de revidar as palavras de Regina com uma réplica mordaz, a Xerife busca esclarecimentos.

“O que você está fazendo, Regina?”

“Não banque a ingênua, Xerife, o papel não lhe cai bem.” Regina responde oferecendo a Emma um olhar de soslaio. Seu tom se passando por tédio, embora Emma a conheça bem o bastante para saber que há mais por trás de seu ato.

“Me desculpe, mas acho difícil acreditar que depois de tudo, você esteja simplesmente se dando por vencida.” Emma cutuca seu orgulho, um método que sempre se revelou eficaz no passado compartilhado pelas duas, mas que no momento parece ter perdido sua magia. “Sempre achei que fugir fosse tão abaixo de seus padrões.”

“Eu devo admitir que não foi minha primeira opção.” Regina retorque casualmente, se propondo a explicar em tom corriqueiro. “Veja bem, após muitas reflexões e deliberações eu cheguei a conclusão de que existem apenas duas maneiras de conviver com meus atos, Miss Swan.”

“A primeira seria extraindo meu próprio coração. O que alguns talvez até considerassem apropriado, mas que pessoalmente seria extremamente frustrante e até mesmo desapontador. Após ter me recusado por tantos anos a ser como minha mãe, seria terrivelmente frustrante terminar como ela.”

Desconfortável pela postura adotada por Regina ao abordar tal assunto, Emma se vê incapaz de interromper seu pequeno discurso. “Assim, a opção que me resta é o que eu chamaria de exílio voluntário. Para tanto eu atravessaria a fronteira deixando meu passado e minha família para trás. O único problema é que no passado eu fui capaz de cruzar esta linha sem problemas, mas dadas as atuais circunstâncias, no que se refere a linha que separa e protege Storybrooke, não estou certa de qual seria seu efeito em mim, bem como seu grau de irreversibilidade.”

“Você realmente acha que fugir resolverá todos os seus problemas?” A indagação de Emma é recebida com uma risada debochada por Regina.

“Você, de todas as pessoas, acredita estar em posição de me censurar sobre este assunto, Miss Swan?”

“Em primeiro lugar, Regina, acho que depois de tudo o que já fizemos juntas sem que roupas fizessem parte da equação, já passou da hora de dispensarmos os títulos de tratamento, você não acha?” A loira estende a mão e ao certificar-se de que a chuva diminuiu razoavelmente, veste sua jaqueta e coloca as mãos no bolso, procurando esquentá-las.

“Em segundo lugar, é justamente por ter experiência vasta sobre o assunto, que estou te dizendo isso. E o fato de que você nem ao menos sabe o que vai te acontecer se realmente cruzar essa linha... Isso só piora tudo.”

“Eu estou bastante ciente do risco implicado em minhas ações, Emma.” Regina insiste, obstinadamente, mas Emma não desiste.

“Tem certeza? Então você está dizendo que está disposta a assumir o risco de perder todas as suas memórias, até mesmo as memórias da Floresta Encantada? Olha, eu sei que pode parecer uma boa ideia, mas você não pode esquecer que estaria abrindo mão de todas as suas recordações: sua infância, seus pais... o garoto do estábulo.”

A menção a Daniel é o suficiente para tirar Regina do sério.

“Não se atreva a mencioná-lo! Você não tem o direito!”

Percebendo ter acertado um nervo, Emma não recua. “Que diferença isso faz? No momento em que cruzar a linha você não irá se lembrar mais mesmo.”

“Por Deus, por que é tão difícil para você entender?” Regina explode, frustrada. “Você não vê? É melhor assim! Henry e você ficarão melhor sem mim.”

“Como você pode dizer isso?” Emma fecha os olhos, incapaz de aceitar o que Regina está dizendo, sua paciência, chegando ao seu limite. “Quer saber, Regina? Estou cansada desse discurso de autopiedade que você insiste em fazer a gente engolir. Talvez você esteja certa, talvez a gente fique mesmo melhor sem você. Mas pelo menos uma vez na vida, assuma a responsabilidade pelos seus atos e admita o real motivo para você estar fazendo tudo isso.”

O rompante de Emma pega Regina desprevenida. “Emma--”

“Assume! Assume que você está com medo!” Emma a desafia com ferocidade. “Admite que você não sabe ser feliz. Que já se acostumou a uma vida miserável. Que prefere fugir do que arriscar e amar de novo, ou pior ainda, do que ser amada de novo. Apenas admita!”

“Não se engane, Miss Swan. Você não sabe nada a meu respeito.” Regina cospe as palavras, furiosa.

“Mas é essa a questão, não é Regina? Eu conheço você. E consigo ver perfeitamente através de toda essa fachada que você tenta manter a todo custo. E quer saber o que eu vejo?” Emma não espera uma resposta, seus cabelos loiros caindo em profusão sobre seus ombros, a água da chuva fazendo com que o seu dourado adquira uma tonalidade escura.

“Eu vejo uma pessoa quebrada. Alguém danificada a ponto de não acreditar ser digna de qualquer coisa, muito menos de amor. Mas isso não é uma novidade. O problema é que agora você sabe que apesar de todas as coisas que fez, existem pessoas que querem estar com você, uma criança que é capaz de te amar mesmo assim. E você está aterrorizada.”

Se Regina é capaz de enxergar a verdade nas palavras de Emma, seu silêncio não revela abertamente, embora mostre indícios. Emma, por sua vez, não demonstra qualquer intenção em parar agora.

“Sabe, eu achava que crescer sem uma família era o pior que poderia acontecer a uma criança, mas o trabalho que a Cora fez com você... Bem, ela certamente me provou o contrário.”

Quando o nome de Cora vem a tona qualquer instinto de combate que ainda resida em Regina se dissipa, a ferida recente demais, exposta demais.

E quando Regina enfim se manifesta mesmo o timbre de sua voz revela-se fragmentado. “Eu não espero que você entenda o tipo de relação que existiu entre minha mãe e eu.”

“Que bom, porque eu não entendo mesmo. E para constar, ela estava errada. Quaisquer que tenham sido as lições que ela lhe deu sobre amor e o que ele significa... Ela estava errada.”

“Não, ela não estava. Amor é fraqueza.”

“Não, Regina! Cora pode ter acreditado nisso, mas ela estava enganada, eu lhe garanto.”

“Talvez para pessoas como você, mas não para alguém como eu.” Regina admite com tristeza e resignação, abraçando a si mesma para controlar os tremores provocados pela queda na temperatura ao passo que a noite se aproxima e a chuva fina persiste. “Você é boa, pura. Eu posso sentir na sua mágica, em partes suas que ninguém mais tocou, quando nos deitamos à noite e sinto as batidas do seu coração... Você é tudo o que eu não sou.”

“Regina--” Emma tenta objetar, mas a morena não lhe dá a chance.

“Eu sou amaldiçoada.” Um sorriso amargo mancha seus lábios. “Tudo o que eu toco apodrece, todos a quem eu amo, morrem. E quando acontece é pelas minhas mãos. Se eu ficar, é apenas uma questão de tempo até que...”

Ela não termina a frase, o espaço vazio deixado pelas palavras não ditas fazendo com que o coração de Emma bata descompassado em seu peito, cheio de ansiedade.

“Até que o quê?” Emma insiste sem obter resposta. “Até que o que, Regina?”

Evitando os olhos inquisitivos da xerife, Regina usa o silêncio como escudo, relutante em colocar seu maior temor em palavras e, percebendo sua hesitação, Emma sente sua fúria ceder, dando lugar a outro sentimento.

Instintivamente, ela dá um passo à frente, ousando se aproximar ainda que o faça sem jeito.

“Regina, Henry não vai a lugar nenhum.” Emma lhe oferece um sorriso trêmulo. “Pelo menos não até que ele faça 18 anos.”

A sombra de um sorriso se esboça nos lábios de Regina, a tentativa de humor de Emma sendo recebida sem surpresa, mas também sem exasperação.

“Eu deveria ter sabido que você seria incapaz de levar qualquer assunto a sério.”

“Olha Regina, eu não posso prometer que tudo vai acabar bem. As pessoas nessa cidade falam muito sobre ‘amor verdadeiro’ e ‘finais felizes’, mas essa não é a realidade que eu conheço. Até onde eu sei, ninguém é capaz de saber isso ao certo.”

“Diz a mulher que esteve destinada a quebrar uma maldição antes mesmo de nascer.” Regina ergue uma sobrancelha, seu tom irônico. “E que fez justamente isso.”

“Está bem, é possível que nossos destinos tenham um papel maior em nossas histórias do que eu gostaria de admitir. Mas ainda que esse tenha sido o motivo que me trouxe à Storybrooke, não foi o motivo pelo qual eu fiquei. Isso foi minha escolha. E no final, isso é tudo o que realmente importa: as escolhas que fazemos.”

Em algum momento durante a discussão, sem que Regina percebesse, Emma se aproximou o suficiente para tornar a distância entre seus corpos virtualmente inexistente. Assim, quando ela ousa erguer os olhos da poça de lama que se forma aos seus pés, sujando a barra de sua calça na ausência de seus saltos impossivelmente altos, é para se deparar com os lábios bem desenhados da loira.

Então, com um toque gentil de uma de suas mãos, Emma ergue seu queixo até que os olhos das duas se encontrem. Suas palavras firmes ainda que o volume de sua voz agora seja equivalente a um murmúrio.

“Regina, mesmo sabendo que nem sempre eu fiz as escolhas certas, confie em mim quando eu lhe digo que fugir não é uma delas.”

“E por que eu deveria confiar em você?” Emma vacila por um instante, paralisada não apenas pelo peso da pergunta que Regina está lhe fazendo, mas pelo fato de jamais tê-la visto tão vulnerável.

A resposta lhe escapa sem que ela se dê ao trabalho de pensar realmente.

“Porque eu estou pedindo.” Ela fala com simplicidade. “Nos dê uma chance. Escolha a nós... Escolha a chance de ser feliz.”

“Eu... eu não sei como.” Ela confessa em um fio de voz e o sorriso que Emma lhe oferece em resposta, pelo mais breve instante, afasta toda a escuridão que a assombra.

“Nem eu.” Emma dá um passo para trás, em direção a cidade. “Mas nada impede que a gente tente mesmo assim.”

Não se trata de uma promessa, ou mesmo uma garantia, mas ainda assim, Regina se vê aceitando a mão que Emma lhe estende.

.::.

Ao estacionar o carro em frente à mansão, Emma nota que a chuva já cessou por completo, dando lugar a uma suave neblina e o sereno da noite. Ao seu lado, Regina faz toda a viagem de volta para casa imersa em um silêncio estoico.

Então, ao deixarem o carro, a baixa temperatura e a umidade de suas roupas, fazem com que as duas mulheres estejam tremendo antes mesmo de alcançarem a varanda da frente. Contudo, um mero instante de observação revela à Emma que os tremores de Regina se devem a outros motivos.

Sob a luz da varanda, a morena parece estar a segundos de uma crise de pânico.

“Hey, o que foi?” A mão de Emma vai de encontro ao ombro de Regina, o que parece atenuar momentaneamente sua reação física.

“E--Eu não sei como fazer isso.” Regina admite não pela primeira vez esta noite, seus olhos se voltando na direção de Emma suplicando por respostas. Ainda que Emma não saiba ao certo o que dizer, a resposta que ela oferece em seguida é enunciada com delicadeza, de modo a não alarmar a morena ainda mais.

“Tudo bem... Nós já falamos sobre isso, certo? Não tem certo ou errado aqui.” Regina, entretanto, balança a cabeça negativamente, descartando as palavras de Emma.

“Você não entende. Eu sei que disse que sim e é por isso que eu voltei com você, mas agora... Eu não sei o que fazer em seguida. Não sei nem mesmo por onde começar.” Por fim ela ergue o rosto, enfrentando seu próprio orgulho. “Emma, eu não sei se sou capaz de fazer isso.”

“Você tá de brincadeira, não é?” Emma se posiciona de frente para Regina, suas duas mãos pensando sobre seus ombros, forçando-a a encarar suas palavras de frente. “É claro que você é capaz! Você é Regina Mills, a mulher que passou os últimos 28 anos provando que é capaz de realizar qualquer que seja seu propósito.”

“E se eu não quiser ser mais essa pessoa?”

“Então não seja.” Emma dá de ombros, com naturalidade. “Recomece amanhã. Ou agora mesmo, se você quiser. Apenas... Deixe o Henry ser parte de sua vida enquanto você tenta. Eu sei que ele gostaria disso e... suspeito que você também.”

Uma das mãos de Regina toca a mão de Emma que repousa sobre seu ombro e assim permanece sem que mais nenhuma palavra seja trocada entre as duas.

Pela janela da sala, Snow observa a interação entre sua filha e Regina, a cortina escondendo sua presença apenas parcialmente, e se havia alguma dúvida quanto ao vínculo compartilhado entre as duas mulheres, esta se desfaz sem deixar traços. A expressão no rosto de Emma, confessando tudo aquilo que Snow imagina que nem mesmo ela esteja ciente ainda.

Com o coração palpitante, Snow ainda não teve tempo de se recuperar quando Emma abre a porta, deixando que Regina entre à sua frente e, quando seus olhos verdes se deparam com os de sua mãe, ela sabe que não resta outra opção senão encarar o grande elefante branco.

A ideia que Regina teve de fugir sem olhar para trás, de repente revelando-se mais do que atraente.

.::.

Se Regina se encontra surpresa com a presença dos Charming em sua casa em seu retorno, em nenhum momento isso se torna aparente, sua expressão vazia e todas as suas energias drenadas pelos eventos recentes.

Assim, ignorando por completo a tensão que se manifesta entre os demais presentes, bem como o olhar ansioso que Emma lança em sua direção, ela se retira para seus aposentos. Seus passos arrastados pela exaustão, pesando sobre cada degrau até que ela desapareça de vista no andar de cima.

Então, é Charming quem quebra o silêncio com uma constatação óbvia dita sem real necessidade, apenas com o propósito de eliminar o nítido desconforto da situação que se apresenta.

“Então você a encontrou.”

“Eu disse ao Henry que o faria.” Emma afirma sem emoção, e acrescenta. “A propósito, obrigada por ficarem de olho nele.”

“Você não tem que agradecer.” Mary Margaret é rápida em lhe assegurar e aproveita a deixa apesar de ser evidente que Emma não possui nenhum desejo em discutir o assunto que paira sobre suas cabeças. “Emma, nós temos que conversar.”

Emma passa uma das mãos pelo emaranhado de cabelos louros, uma raiva que ela não sabe ao certo de onde vem, brotando em seu peito e florescendo em seus menores gestos.

“Nós temos, é?” Ela se pega repetindo com uma entonação cínica.

“Bem, sim.” Snow confirma e David se aproxima por trás dela, uma mão sobre seu ombro em sinal de apoio.

O gesto não passa despercebido aos olhos de Emma e acaba servindo apenas para incitar uma reação negativa de sua parte.

“Olha Mary Margaret, acredite em mim quando eu lhe digo que você não quer ouvir o que eu tenho a dizer.”

“Mas eu quero, Emma. Nós dois queremos.”

“Não, vocês não querem! Porque eu não tenho nenhum pedido de desculpas a oferecer a vocês. Tudo o que eu disse ao David mais cedo, o que estou certa de que ele já compartilhou com você a esta altura... Tudo aquilo era a verdade sobre como eu me sinto. E eu não tenho nenhuma intenção em voltar atrás.”

“Eu sei.” Snow declara, não sem tristeza, o que neutraliza Emma momentaneamente.

“Oh.” A fúria de Emma oscila, desarmada de palavras. “Então... Eu não sei o que você espera que eu diga.”

“A verdade.” Snow lhe concede sem se exaltar. “Quanto tempo faz desde que...”

As palavras lhe faltam, ou mais precisamente, lhe falta coragem para enfrentar de vez a confirmação de suas suspeitas.

“Desde que?” Emma a compele, agitada.

“Desde que você se apaixonou por Regina?”

“O que?!” A reação de Emma é violenta, como uma fera acuada e, diante de seu rompante, Snow recua de encontro ao corpo do marido, seus olhos fechados. “Mary Margaret, que diabos?”

“Apenas seja honesta, Emma. É tudo o que eu lhe peço.”

Usando de toda sua força de vontade para manter seu tom de voz sob controle, a resposta de Emma soa quase como uma ameaça.

“Eu não vou discutir esse assunto com você.” Ela fala séria e acrescenta como se a mera sugestão fosse um disparate. “E quem falou qualquer coisa sobre amor?! Por Deus!”

“Então você está dizendo que tudo isso não passou de um engano? Uma interpretação precipitada feita pelo seu pai e eu?”

“Eu estou dizendo que o que quer que esteja se passando entre a Regina e eu não é da conta de vocês. Ponto final.”

A agressividade de Emma é um golpe visível para Snow, incitando David a tomar parte na discussão.

“Emma, nós somos seus pais!”

“Agora vocês são.” Ela rebate sem vacilar, carregada de ironia.

“Por causa dela!” David justifica em uma clara menção a Regina, ainda que seu nome não seja mencionado. Mas Emma não aceita seu argumento.

“Não!” Ela enfatiza com clareza. “Por causa das escolhas que vocês fizeram. A Regina pode ter feito milhões de coisas horríveis em seu passado, mas me colocar naquela árvore não foi uma delas.”

“Emma--” Snow tenta arrazoar, mas a filha não lhe dá oportunidade.

“Olha, isso nem mesmo vem ao caso, ok?” Ela inspira profundamente, procurando se acalmar.

“A questão é: eu não sei o que diabos está acontecendo entre a Regina e eu, então mesmo se eu quisesse, eu não teria as resposta para dar a vocês. Mas o que eu sei com total certeza é que, o que quer que seja, isso só diz respeito à nós duas e vocês dois - ou qualquer outra pessoa – não tem nada a ver com isso. Entendido?”

“Emma, nós só queremos o melhor para você.” Snow lhe assegura secando uma de suas lágrimas com as costas de sua mão, gesto que Emma escolhe ignorar.

“E se isso for a Regina?” Emma pergunta desafiadoramente.

“Nós só queremos que você seja feliz.” David reforça, apertando a mão de Snow, mas não antes de uma longa pausa.

“Ótimo,” Emma responde pondo um fim a discussão. “então nos deixem em paz. Deixem que a gente descubra nosso próprio caminho sem intervenções. Isso é tudo o que eu peço.”

E porque nem Snow ou Charming estão dispostos a abrir mão de sua filha novamente, desta vez, eles a colocam em primeiro lugar, decidindo atender ao seu pedido.

.::.

Desconsiderando o conjunto de vozes exaltadas que se manifesta no andar de baixo – um ímpeto que surpreende até mesmo ela – Regina se dirige ao seu quarto, ansiando por um banho quente e o acolhimento de sua cama.

Ocorre que, tão logo ela coloca os pés no último degrau da escada que a guia até o segundo andar de sua casa, Regina não pode deixar de notar a brecha da porta do quarto de Henry se fechando. De modo que, ainda que seu corpo e mente estejam à segundos de um completo esgotamento, a mãe dentro dela vence qualquer disputa interna sem sequer uma discussão.

Todas as coisas consideradas, Henry sempre veio em primeiro lugar e isso não vai mudar agora.

Regina o encontra coberto pelo volumoso edredom dos pés à cabeça e como tantas outras vezes, ela não precisa olhar para saber que pode debaixo da fachada ele se encontra acordado e atento. Desta vez, no entanto, ao invés de deixá-lo em companhia de seus próprios pensamentos – sejam estes quais forem – ela entra no quarto usando passos leves e senta ao seu lado na cama, seu peso sobre o colchão denunciando sua proximidade.

Não demora a que um emaranhado de cabelos escuros, seguido por curiosos olhos azuis, se revele com o afastar das cobertas.

“Você está de volta.” Henry conclui com uma ponta de surpresa e uma voz pequena que faz o coração de Regina contrair em seu peito.

“Sim, eu estou.” Ela tenta controlar suas emoções, ainda que não seja inteiramente bem sucedida, sua voz escapando trêmula e suas mãos delatando seu nervosismo.

“A sua--” De imediato ela se corrige, não sem um suspiro. “Emma me ajudou a encontrar o caminho de volta.”

“Você ia mesmo embora? Para sempre?” Ele senta na cama, sua expressão mais grave do que o que cabe a um garoto de sua idade.

“Sim, Henry. Essa era a ideia.” Regina se vê obrigada a responder as indagações do filho com a mais absoluta sinceridade, acreditando dever isso a ele. Especialmente depois de tudo.

“Por quê?”

“Porque...” Ela pensa antes de responder, procurando respostas dentro de si à perguntas que ela não ousou fazer até então. “Porque eu achei que isso era o melhor que eu podia fazer. Por você, por mim e para... bem, todos.” O nome de Emma morre em seus lábios. “Mas também porque eu estava com medo do que poderia acontecer se eu ficasse.”

“Mas você não acha mais isso.” Henry tenta fazer sentido de suas palavras.

“Eu...” Regina passa a mão pelos seus cabelos, afastando-os de seus olhos. Ele realmente precisa de um corte. A confissão lhe é dolorosa. “Eu ainda não estou certa disso. E ainda estou com medo.”

“Eu não quero que você vá.” Ele fala se jogando em seus braços, o rosto escondido em seu pescoço e tudo o que Regina consegue pensar é na última vez em que ouviu essas palavras.

O primeiro dia de Henry na escola, os braços dele agarrados em volta de seu pescoço, as lágrimas dele ensopando seu blazer e ela sem conseguir distinguir quem dos dois segurava com mais força.

A simples lembrança faz com que sua garganta se feche, suas emoções prestes a se derramarem em lágrimas.

“Henry,” ela articula com dificuldade, seus braços instintivamente envolvendo o filho em um abraço apertado, mas ele não a deixa continuar.

“Eu falei a verdade. Sinto muito por todas as coisas que disse antes, por ter te chamado de Rainha Má. E sinto muito por ter te machucado.” As palavras de Henry se atropelando em sua ânsia por retificar seus gestos.

“Henry, você não tem nada pelo que se desculpar.” Regina o assegura, afagando seus cabelos, sua voz embargada. “No final, você estava certo. Eu sou o que as minhas ações fizeram de mim, e uma Rainha Má isto é.”

“Não!” Henry refuta energicamente, desesperadamente. “Talvez antes, mas não mais. Não agora.”

“Não querido, eu sempre serei ela.”

“Mas você derrotou a Cora, para nos proteger.” Henry inquire buscando a verdade nos olhos de sua mãe.

“Eu a matei porque sabia que ela não hesitaria em destruir o que eu amo em sua busca pelo poder.” Regina explica, pacientemente.

“Mas é isso... Você fez um grande sacrifício em nome de alguém que você ama. Isso significa que você se redimiu.”

“Aos seus olhos talvez.” Regina acaricia seu rosto, ternamente. “Mas a verdade é que, redenção ou não, um ato de boa fé não apaga um passado ou as memórias e arrependimentos nascidas nele.”

“Então... Você está dizendo que se arrepende.”

“Suponho que sim, embora provavelmente não da maneira que você imagina.” Regina reflete por um instante, pensando na melhor maneira de se fazer compreender aos olhos de se filho de doze anos. “Acho que o que estou tentando dizer é que eu não me orgulho de muitas das minhas ações, mas ao mesmo tempo, não posso dizer que me arrependo delas. Não quando todos os caminhos me levaram a você.”

Henry assimila suas palavras com atenção antes de se manifestar, o que ele faz com uma timidez que Regina jamais esperaria reconhecer no filho.

“Então você ainda me ama?”

“Oh, Henry...” Com as lágrimas escorrendo livremente pelo seu rosto, dessa vez é Regina quem o enlaça em seus braços. “Eu jamais poderia não amar você.”

“Mas eu pensei...” Henry tem dificuldade para controlar suas próprias lágrimas, o alívio proporcionado pela declaração de Regina, fazendo com que ele relaxe sob seu toque. “Eu pensei que você não me amasse mais. Especialmente depois de tudo o que você perdeu por minha causa.”

“Henry, eu quero que você preste atenção ao que estou prestes a lhe dizer.” Regina o instrui, erguendo seu queixo de modo que seus olhos vermelhos encontrem os de seu filho sem qualquer máscara ou barreira entre eles.

“Eu sou sua mãe. E sinto muito por não ter feito um trabalho melhor até então, por não ter sido a mãe que você merece. Como eu lhe disse uma vez, eu não sei como amar muito bem e como você pôde ver, eu não tive exatamente um bom modelo enquanto crescia, o que não é uma desculpa, mas algo que no futuro principalmente talvez o ajude a entender um pouco melhor muitos dos erros que cometi em relação a tudo, mas principalmente à você.”

Com uma mão, Henry acaricia o rosto de Regina, procurando secar suas lágrimas, o que apenas aumenta a determinação dela em falar tudo o que precisa ser dito, ainda que sua respiração entrecortada dificulte sua fala.

“Então o que eu gostaria que você soubesse, o que eu preciso que você saiba, é que eu sou sua mãe e que eu o amo de verdade, tanto quanto é possível... Provavelmente muito mais até. E que sinto muito se as minhas ações fizeram com que você duvidasse disso por um minuto sequer. Nunca foi minha intenção magoá-lo, mas se eu assim o fiz, gostaria então de pedir que você me perdoasse e que, talvez... Que talvez me permitisse tentar novamente.”

Regina olha bem para o filho, o medo de ser rejeitada mais uma vez à paisana, mas a necessidade em saber a verdade maior. “Então, o que você me diz?”

Enxugando as próprias lágrimas com as mangas de seu pijama, Henry espera um milésimo de segundo antes de responder, um sorriso transbordando em seus lábios quando ele diz, “Acho que eu gostaria de tentar.”

Então, o garoto que nunca viu sua mãe ser feliz, se depara com um sorriso capaz de ofuscar sua visão. E mesmo em meio a lágrimas que ainda não secaram e feridas que ainda estão longe de cicatrizar, ele sabe que essa é a sua chance em um final feliz.

.::.

Horas mais tarde, quando Regina desce, usando um pijama de cetim creme que parece ligeiramente maior do que suas medidas e seus cabelos ainda úmidos pelo longo banho quente recém tomado, ela encontra Emma em sua sala de estudos usando as mesmas roupas de quando as duas chegaram e uma expressão indecifrável em seu rosto.

“Não posso dizer que a culpo por recorrer a uma bebida forte após um encontro com seus pais.” Regina comenta fazendo menção ao copo semi-vazio de bourbon que Emma tem em mãos.

“Gostaria de dizer que esse é o primeiro.” Emma responde com um sorriso fatigado.

“Suponho que essa seja a resposta sobre como foi a conversa com seus pais.” Os olhos de Emma finalmente vem ao seu encontro.

“Tudo bem com o garoto?” A mudança de assunto que Emma oferece como resposta sem a menor argúcia, calando todos os comentários que Regina tenha sobre o assunto.

“Ele está dormindo.” Ela se aproxima de Emma com um andar sutil e remove o copo de vidro de suas mãos, para então se afastar na direção do bar.

Talvez seja o cansaço simplesmente, mas Emma não encontra forças para levantar qualquer tipo de objeção ao gesto.

Ao invés disso, ela permite que seus olhos acompanhem os movimentos de Regina. Sua postura régia, seu andar elegante, seus gestos contidos. São detalhes que ela já notou em algum momento antes e que agora lhe oferecem um peculiar senso de conforto.

Sentindo os olhos de Emma sobre sua figura, Regina prefere evitar um confronto direto, de modo que quando suas palavras são enunciadas, ela ainda se encontra de costas para a Xerife.

“Eu gostaria de agradecê-la por ter ido atrás de mim. Por me trazer de volta.” Quando se volta na direção de Emma, o refil do copo que leva em suas mãos é uma bandeira branca que Emma aceita até mesmo com certo alívio.

“Você não tem que me agradecer.” Seus dedos tocam os de Regina apenas por um instante enquanto ela recebe o copo, mas é o suficiente para que um arrepio percorra cada milímetro de seu corpo, provocando um pequeno espasmo ao qual Emma tenta disfarçar com sua fala e um longo gole. “Eu prometi ao garoto que cuidaria da mãe dele.”

“Você não precisava ter feito isso. Poderia ter deixado que eu partisse e ele nunca saberia...”

“E quanto a mim?” A pergunta de Emma surpreende Regina, sua boca se abrindo sem que ela consiga lhe oferecer qualquer resposta. “Nunca foi uma questão de escolha, Regina. Eu fiz apenas o que as famílias fazem.”

O silêncio que se interpõem entre as duas a seguir é repleto de possibilidades, o que assusta a ambas, nenhuma das duas preparadas para as implicações das escolhas que foram feitas esta noite.

Procurando um atalho, uma âncora, Emma se prende aos detalhes práticos.

“Eu liguei para o Archie para avisar que havia te encontrado e ele disse que, se você quiser, ele tem a tarde disponível amanhã, pra vocês conversarem ou sei lá.”

“Parece razoável.” É tudo o que Regina é capaz de dizer, seus dedos longos e delgados se movendo impacientemente junto à barra da camisa de seu pijama. “Assim sendo, eu provavelmente deveria descansar...”

“Se preparar para amanhã...” Emma sugere casualmente.

“Exatamente.” Regina concorda e se prepara para deixar o cômodo, mas não sem antes acrescentar. “Você deveria também. Descansar, isto é.”

“Daqui a pouco.” Emma lhe assegura, balançando levemente o copo que tem em mãos como desculpa. “Boa noite, Regina.”

“Boa noite, Emma.”

Então, Emma se vê mais uma vez a sós com seus pensamentos, mas desta vez, eles são consideravelmente mais agradáveis, o que ela não sabe dizer se tem a ver com o teor do álcool em sua corrente sanguínea ou com os vestígios deixados pela presença de Regina.

O primeiro, ela decide inquieta.

Definitivamente o primeiro.

.::.

Regina deveria estar dormindo. Ela sabe disso porque seus olhos estão queimando, suas costas doem e sua cabeça está começando a latejar, o que é um claro sinal de que seu corpo está pedindo por misericórdia.

E ainda assim, ela não consegue.

Não quando tudo o que ela consegue pensar é Emma, e os sorrisos que ela oferece a Regina, sempre sinceros, e seu senso de humor atroz e altamente inapropriado, e seus olhos cheios de alguma coisa que Regina não sabe distinguir ao certo, mas que provoca um entorpecimento de seus sentidos mais banais.

Ela quer dormir, mas não consegue porque mesmo com o silêncio absoluto da noite, tudo o que ela consegue ouvir é a voz de Emma falando nós, nos, nosso. Você e eu, nos dê uma chance, nossa família. E são pronomes apenas, nem mais nem menos, mas algo em sua pronuncia e em sua voz, acerta Regina em partes suas a tanto adormecidas que ela nem mesmo acreditava existirem mais.

Então Regina deita em sua cama, lençóis trocados, travesseiros afofados, termostato devidamente ajustado e nada parece bom ou certo ou suficiente.

E quando ela abre a porta de seu quarto – suas intenções longe de estarem claras mesmo para si mesma - o que ela encontra (não pela primeira vez) é Emma Swan.

Emma, que aparentemente está sofrendo o mesmo tipo de insônia, e que dispara a falar sem que Regina tenha a chance de emitir nem mesmo uma interjeição.

“Por acaso o Henry já te falou que eu tenho um super poder? Bem, não é tanto um super poder, mas mais um talento especial para detectar quando alguém está falando a verdade e não funciona sempre, especialmente quando eu estou emocionalmente envolvida com a situação, o que meio que nubla as minhas percepções de uma forma bastante inconveniente, porque afinal esse seria justamente o melhor momento para se ter esse tipo de habilidade certo?”

Ela sorri entre um fôlego roubado, sua mão descansando sobre o batente lateral da porta enquanto a outra afasta seus cabelos longos e loiros de seus olhos.

“Bem, talvez seja por causa disso, ou talvez seja apenas por uma questão de prática mesmo, mas a verdade é que eu sei mentir razoavelmente bem, melhor do que isso até. E quando eu disse que fiz aquilo – que fui te buscar – só por causa da nossa família... Bem, considerando a grande possibilidade de você não ter esse mesmo super poder eu achei que seria importante deixar claro que eu tava mentindo. Apenas parcialmente. Tipo, eu fiz pela nossa família sim, mas não só por causa disso.”

“Oh.” É tudo o que Regina consegue expressar, seus olhos castanhos fixos na figura de Emma enquanto mais uma vez aquele bendito pronome a acerta em cheio.

“É...” Emma deixa escapar um longo suspiro, um suspiro aliviado. “Eu fiz por você. Quer dizer, tecnicamente eu fiz por mim. Porque eu acho que existe a possibilidade de que eu tenha desenvolvido alguns... sentimentos?”

A reação de Regina é quase imperceptível, seus fôlego de repente preso em seu peito, as batidas de seu coração, vivo e ainda presente, soando tão alto aos seus ouvidos que ela quase perde o que Emma está dizendo.

“Agora, eu não sei como as coisas chegaram a essa ponto. Bem, isso não é inteiramente verdade, eu meio que tenho uma ideia de como aconteceu, mas a questão é: eu nunca esperei que fosse acontecer e não imaginei que seria assim. Porque nunca foi assim. E agora a cama em que eu durmo é grande demais e vazia demais, e a ideia de que eu vou acordar e não encontrar você lá parece meio... simplesmente errada. E como eu já te disse, de onde eu venho todo esse papo de amor verdadeiro é coisa de contos de fadas mesmo, mas princesas e rainhas más também são e como eu posso ignorar isso agora? A Mary Margaret me falou uma vez sobre como esse tipo de amor transcende todas as coisas e talvez seja isso mesmo porque eu pensei e pensei ainda não consigo entender como é possível que, depois de todas as coisas que você fez, a ideia de não ter você na minha vida ainda seja tão terrível.”

“Emma...” Regina tenta interromper, mas Emma não permite.

“Apenas me deixe terminar, ok? Eu não estou dizendo que estou pronta pra chamar isso que existe entre a gente de... amor. Até porque faz muito tempo desde que eu amei alguém e da última vez que isso aconteceu eu acabei grávida e em uma prisão, o que eu não gostaria de repetir. Bem, a parte da prisão particularmente. A gravidez eu já não sei, Henry é um menino tão bacana, e acho que seria diferente ter um bebê em uma família e você fez um trabalho tão bom sozinha, imagina o que nós não faríamos juntas? Eu não me importaria de ter outro, mas... Esse não é o ponto. O que eu estou tentando dizer é: eu sei que eu fui atrás de você e pedi que você voltasse e nos desse a chance de tentar ser felizes juntas. E eu ainda quero isso. Mas eu também quero que você saiba que você não é a única pessoa nessa família com um passado doloroso e você com certeza não é a única que está com medo. Henry uma vez me disse que você falou pra ele que não sabia amar muito bem. E é isso, é esse o ponto, eu acho.”

Emma sorri, insegura e adiciona com um dar de ombros. “Eu também não sei.”

Regina olha para ela então, não pela primeira vez, completamente incapaz de decifrar essa pessoa que tem diante de si. Essa mulher enfurecedora, contraditória e exasperante que sempre acaba batendo à sua porta pronta para mudar sua vida. E há tantas coisas que ela quer lhe dizer. Porque ela sim veio de um mundo de amores verdadeiros, apenas com a trágica lição de que eles não duram para sempre, e que ninguém está a salvo de ter seu coração despedaçado, mesmo a Rainha Má. Mas que mesmo sabendo disso, e mesmo tendo tomado todas as precauções para que isso jamais acontecesse novamente, aqui está ela, com medo demais de dar o próximo passo, mas ainda mais atemorizada pela possibilidade de deixá-la escapar.

Regina quer lhe dizer todas e tantas coisas e ainda assim nenhuma palavra deixa seus lábios, ao que Emma não sabe bem como ler e movida pela ansiedade, se põe a preencher os espaços vazios.

“Desculpa, por aparecer à sua porta assim, no meio da noite.” Ela oferece com sinceridade. “Eu sei que apesar de tudo o que dissemos essa noite nada está resolvido entre nós. Eu sei que você precisa ficar bem, antes que a gente possa sequer começar a pensar no que essa mudança na relação de nós duas significa. Mas a minha cabeça está cheia e eu estou exausta por hoje, mas também por todas as noites que tenho passado em claro longe de você e tudo o que eu queria era descansar em paz. Só fechar meus olhos e relaxar, sabe?”

Escutando atentamente ao desabafo de Emma, Regina respira fundo, se concentrando naquele momento apenas, porque a ideia de qualquer coisa, além disso, ainda é assustadoramente nova e mais do que o que ela consegue assimilar no momento.

Esse problema, no entanto, ela pode resolver, o que ela faz através de um singelo convite.

“Emma, você gostaria de dormir aqui esta noite?”

“Sim, por favor.” Emma aceita o convite, aliviada, e Regina dá um passo para trás, permitindo que a loira entre em seu quarto.

Uma vez acomodadas na cama, aconchegadas entre as cobertas, a proximidade de seus corpos proporcionando um conforto que nenhuma das duas seria capaz de colocar em palavras, Regina encontra a mão de Emma e a traz até o seu peito, colocando-a sobre o seu coração.

É um pequeno, quase insignificante gesto. Mas é também o instante em que sua inquietude finalmente se cala, e sua chance em um novo final feliz, começa.

fim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Puxa. Que viagem foi escrever essa história. Uma história que foi concebida com a ideia de ser em apenas 3 capítulos, mas que ganhou uma proporção tão maior. Uma história que - apesar de nem sempre fácil - foi um prazer escrever.

Então agora, junto com este final feliz - que não sei se satisfez a todos, mas que pessoalmente acredito ser o máximo que poderia oferecer dentro da proposta da história - eu gostaria de agradecer imensamente a fantástica recepção que tive pelos leitores, sempre tão generosos em seus comentários e fiéis no acompanhamento do que foi quase uma saga. A todos que aqui me leem, espero que tenha sido uma jornada proveitosa para vocês também. Obrigada. xx Liv