Faces Da Morte escrita por Ayelli


Capítulo 3
A Morte tem Senso de Humor.




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Aquele fim de semana começava perfeito! Assim que abri os olhos na manhã de sábado, tive a grata sensação de haver tomado a melhor das decisões quando resolvi partir para descansar nas montanhas do sul do Alasca.

O clima estava perfeito, era final de inverno, a temperatura estava apenas fria, embora à noite ainda parecesse congelar. Poderia até ficar um pouco mais sob as cobertas quentinhas naquele chalé aconchegante, mas não queria perder nem um único minuto daquela paisagem maravilhosa que escolhi para me inspirar a escrever uma nova história.

Dei uma espiada pela janela e vi um sol tímido nascendo então percebi que não seriam necessárias muitas roupas e meias, apesar do frio só havia gelo no topo das montanhas mais altas e eu estava em uma bela colina onde, além do meu, havia mais dois chalés a uns cinco quilômetros de distância entre si, o que iria me garantir silêncio e privacidade suficientes. Também não teria problemas com mais nenhum turista, visto que raramente aquela região era utilizada no inverno a não ser que a pessoa fosse totalmente a favor de certa solidão, como eu.

Bem, depois de haver me vestido e colocado botas emborrachadas, específicas para aquela época do ano, tomei uma bela xícara de chá, comi umas torradas e deixei a lenha pronta na lareira para a noite, assim não teria que me preocupar em voltar cedo para garantir o fogo antes que esfriasse demais. Coloquei meu levíssimo ultrabook embaixo do braço, fiz um mapeamento visual do local e escolhi o topo de outra colina mais à frente, onde havia uma bela árvore de onde já despontavam várias folhas bem verdinhas, com raízes largas que se estendiam por cima da terra, perfeitas para sentar, e uma ampla visão da majestosa natureza que renascia. Decidi que era um local inspirador, me certifiquei de haver fechado bem a porta, já que os ursos pardos também começam a acordar da temporada de hibernação e tinham por hábito invadir a casa dos incautos.

Entre minha colina e a escolhida passava um riacho por onde logo em breve começaria o alvoroço dos salmões. Olhei de um lado e de outro, para me certificar se já não havia algum urso passeando àquelas margens, depois conferi meu spray de pimenta, uma boa arma já que não era letal e ainda assim poderia me salvar se algum deles resolvesse, digamos, querer me conhecer melhor.

Atravessei o riacho ainda raso, já que o degelo estava apenas no começo, e iniciei a subida que não era tão íngreme. Ao chegar ao topo, respirei fundo e mais uma vez me senti satisfeita com a decisão de haver ido para lá. Acomodei-me em uma raiz que parecia ter sido esculpida para aquele fim e ficava bem na beirada da colina que descia cheia de pedregulhos rumo ao riacho, liguei meu book, fechei os olhos e deixei minha imaginação viajar como sempre faço quando vou começar a escrever algo novo.

De repente, senti algo estranho, como se houvesse mais alguém ali. Abri os olhos devagar e olhei em volta, de imediato não tive reação, era como estar em choque, ela estava lá! Sentada em uma das raízes do meu lado direito, olhava-me fixamente e com seriedade. Ah! Aqueles lindos olhos cor de mel, mesma elegância, mesma túnica. Foi aí que estremeci, o que ela estava fazendo ali? Nunca desejei tanto o “poder” de entrar na mente de alguém como naquele momento.

Então pensei, sejamos práticos, não vou fazer a pergunta e, provavelmente, ela não vai querer adiantar a resposta. Seguindo o raciocínio lógico de que provavelmente ela nunca tenha visitado alguém apenas por cordialidade...

Pensei em negociar, mas que ridículo! Como se negocia com alguém como ela? E seu jeito sério e impassível naquele momento não dava margem à menor iniciativa, parecia tão concentrada me olhando fixamente que a única coisa que me permiti pensar foi em como é que ia ser aquilo. Oh, meu Deus! Será que iriam me achar ou eu ia ser dada como desaparecida e ninguém jamais saberia o que realmente acontecera comigo.

Ficamos ali, paradas nos olhando, enquanto eu apenas esperava o inevitável momento. De repente, ouvi um barulho do lado oposto, porém bem perto, e quando me virei havia um urso pardo enorme. Ele estava em pé em posição de ataque me mostrando todos os dentes que havia em sua boca com as patas dianteiras erguidas e dava quase para sentir seu hálito enquanto bramia.

Embora soubesse que ela estava lá por um único motivo, meu instinto de sobrevivência me fez virar rapidamente e tentar correr enquanto pegava meu spray de pimenta, mas acabei tropeçando nas raízes e caí. Lembro-me de haver lançado um olhar para ela antes de fechar os olhos já que não havia como fugir disso. Cheguei a sentir o bafo quente daquele urso sobre mim e, não mais que de repente, ouvi o barulho de alguma coisa rolando colina abaixo. Apertei os olhos imaginando que enfim tudo acabaria.

Não sei quanto tempo fiquei de olhos fechados, mas imaginando que morrer daquela forma pudesse causar alguma dor e até aquele momento não estava sentindo nada, fui abrindo os olhos devagar e não havia nada ao meu redor, nem urso nem “ela”, lembrei do barulho e me aproximei da beirada com cautela, olhei para baixo, o urso estava caído sobre uma poça de sangue e ela estava em pé ao seu lado olhando para cima na minha direção.

Fiquei perplexa! Apesar de não poder ver sua face, como sempre, eu podia perfeitamente perceber sua cara debochada e posso jurar que ouvi boas risadas. Inconformada, e não me pergunte o porquê, já que eu não havia morrido e deveria estar bem feliz, gritei um “ei!” lá de cima. Ela apenas ergueu o urso em seus braços e caminhou pelo leito do riacho até desaparecer de vista.

Espere um minuto aí! Mas o que foi tudo aquilo? Coloquei as mãos na cintura e caí na gargalhada. Eu havia caído numa pegadinha! Ela estava brincando comigo, interpretando com aquela cara séria e, diga-se de passagem, divertindo-se muito as minhas custas! Se eu contar, é óbvio que ninguém vai acreditar numa coisa dessas, mas no final das contas, eu já tinha uma boa história para escrever.


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