- Eu juro que nunca mais vou jogar vôlei com a Piper.

Thalia gemeu de dor, ainda esfregando o pano agora sujo contra o vidro das paredes. Leo riu quando ela dissera aquilo, também limpando com uma animação não muito contagiante aos olhos da garota. Fazer a faxina da casa era o que, surpreendentemente, mas gostou ali. Sim, ele sabia que era estranho.

- Minha cabeça vai ficar doendo por uma semana. - Parou e massageou um pouco o ponto em que a bola de vôlei batera.

- Nada que um pouco de gelo não resolva - Reyna falou, limpando os móveis, olhando para Leo de forma significativa. Ele franziu o cenho. Ela revirou os olhos - Eu disse - Repetiu apenas mexendo os lábios - Que é para você pegar o gelo para ela, Valdez.

- Ah - Ele demonstrou entender e pôs-se à frente da geladeira, tirando toda a sujeira de si e pegando algumas pedras de gelo e as envolvendo num outro pano agora limpo. Ele deu para a garota, que aceitou fazendo uma careta e o colocando na cabeça. Thalia se jogou no sofá dali.

- Parece que raio caiu na minha cabeça - Repetia lentamente. - Dois, eu acho.

- Tomara que um terceiro caia também - Disse Drew, aparecendo na sala e se sentando de pernas cruzadas no sofá, de uma forma que suas pernas não ficassem nem um pouco inocentes. Ela começou a lixar as unhas. A única que não estava fazendo algo ali, na qual Leo poderia jurar que em suas mentes todos estariam a xingando, e não só um pouco.

Ele se postou à frente dela como um garçom, colocando o pano sobre o braço estendido formalmente.

- A senhorita Inutilidade pode ser caridosa e nos ajudar, ou deseja uma taça de champanhe?

Drew apenas se deu ao trabalho de suspirar. Parou a lixa e encarou as unhas.

- Eu gostaria que você desse o fora daqui, queridinho.

- Vocês ouviram isso, garotas? Estou sendo maltratado aqui! - Leo exclamou, se fingindo de ofendido.

Reyna e Thalia balançaram os ombros, se controlando para não sorrirem. Ele bufou.

- Ay, ay, ay, ay, ay - Ele repetiu em espanhol, jogando o pano sujo por cima do ombro - Eu esperava pelo menos um 'oh, pobre Leo' ou 'me dá um abraço'. Garotas são cruéis. - Se virou e voltou a seu trabalho de limpeza.

Piper chegou ali, segurando uma escova e panos de chão.

- Falando em crueldade - Ela tinha um sorriso perverso no rosto. - Alguém aqui vai ter que limpar o banheiro.

Jogou os panos sobre a cabeça de Drew.

- Mas o que é isso, Mclean?! - Ela tinha a voz aguda - Eu sou uma r-a-i-n-h-a. Eu não limpo banheiros!

- Pois aí está seu cetro - Colocou a grande escova na mão da outra. Thalia riu alto com a expressão que Drew tinha ao deixar o lugar.

- Cada rei com o trono que merece.

Piper e Leo tocaram os punhos, sorrindo vitoriosos.

- Leo - Ouviu a voz de Jason dizer, chegando à sala de estar. Reyna fingia espanar os móveis enquanto o espiava pelo canto do olho - Acabei de ver que tem uma moto na garagem, e acho que vou precisar dela para comprar comida. Reyna, quer ir comigo?

Ela engasgou.

- Penso que seja melhor que Thalia vá com você.

Jason deu de ombros e se voltou para Leo.

- Pode dar uma checada nela?

- Mas é claro - Passou o pano nas mãos e jogou-o num canto qualquer, indo para os fundos da casa com Reyna e Thalia em seu encalço. Chegou na garagem, era grande e lembrava bastante a oficina de sua mãe, exceto que estava muito mais limpa. Muitas ferramentas, o portão eletrônico e cortadores de grama (que ele sinceramente não sabia o que faziam ali). Piper se encostou na mesa sob o painel de ferramentas dali e entregou a chave à Leo.

Viu a motocicleta e assoviou.

- Uma Harley-Davidson Rockertail modelo Superglide com suspensão traseira bichoque - Se ajoelhou e deu uma olhada nela, principalmente o logo para ver se era original - Como você tem uma dessas aqui? Me custariam os olhos da cara.

- Meu pai pegou emprestado de um filme. - Balançou os ombros.

- Quem dera eu pudesse pegar emprestado assim também - Leo riu, subindo nela e conectando a chave na moto. O ronco do motor era como música para seus ouvidos. - Meu santo Davidson, está perfeita.

Piper sorriu e tocou o guidão, olhando para toda a extensão do objeto e como Leo parecia feliz em poder tocar em uma.

- É sua, se quiser.

Leo quase caiu com Harley e tudo.

- Se eu quiser? - Exclamou, quase que totalmente sem voz - Eu poderia te dar um beijo agora mesmo!

Ela fez uma careta.

- Não precisa. Sério - Piper sorria mais ainda quando ele a abraçou com tanta força que parecia que ia quebrar seus braços.

- Eu já disse que te amo hoje? - Apertou ainda mais, estalando beijos na bochecha e cabeça de Piper - Faço qualquer coisa em troca!

- Já que insiste... - Ela deu um sorriso maléfico que fez todo o humor do garoto sumir. Leo engoliu em seco.

...

- Quando eu disse que faria qualquer coisa em troca, eu não inclui limpar o banheiro com uma escova de dentes! - Reclamava enquanto recebia o rodo e balde.

- Não é uma escova de dentes! - Piper protestou - E a Drew vai te ajudar.

Leo fez uma cara de tédio.

- Preferia devolver a moto do que dizer que isso é uma ajuda.

Ela sorriu.

- Se é assim que deseja...

- Retiro o que eu disse. - Apontou para ela com o indicador - Mas isso é chantagem!

Piper balançou os ombros e disse:

- Boa sorte - Deu uma última olhada no banheiro antes de ir - Vai precisar.

Agora ele estava sozinho de Drew para limpar o banheiro. Que maravilha. Suspirou, ajeitando os objetos em suas mãos e entrando pela porta, ouvindo o som do chuveiro ligado.

Ele estranhou. Drew estava... tomando banho?

- Q-quem é? - A voz dela perguntou, logo atrás do box. O barulho de água caindo só o deixava mais nervoso. - Valdez?

- Ah, droga - Ele se apressou em dizer, querendo sair dali o mais rápido possível - Foi mal, eu já v-

Uma mão saiu do box e segurou seu pulso. Leo não se atrevia a olhar.

- Mas que atrevido entrar aqui - Drew deu uma pequena risada.

- Eu vou sair agora!

- Do que está falando? - A voz continuou rindo - Ninguém vai saber.

- Do que você está falando?! - Leo xingava a si mesmo o máximo que podia em sua mente.

- Ora, não quer fazer comigo?

Uma pergunta engasgou em sua garganta. O calor do vapor era sentido pela pequena brecha no box.

- Fazer o quê?

O box se abriu de repente.

- Limpar o banheiro!

Drew segurava uma ducha aberta na mão enquanto ficava de pé dentro da banheira do box, rindo como uma louca enquanto Leo a encarava.

- Deus, Leo! - Fez tom de inocente - O que você estava pensando?

Ela voltou a rir, apontando para o espelho que refletia o rosto pálido do garoto.

- Sua cara não tem preço! - Riu de novo.

Leo saiu correndo do banheiro, que ficava no primeiro andar, até que encontrou Reyna na base da escada.

- Reyna - Entoou como uma criança chorosa. A garota cruzou os braços - A chihuahua fingiu que estava tomando banho, brincando com meu coração puro de garoto!

Ela piscou seus olhos negros, sem nenhuma expressão feliz. Os braços ainda cruzados enquanto batia o pé.

- Me diga que ao menos encontrou alguma coisa para assustar Thalia.

Ele negou, fazendo bico.

Reyna grunhiu.

- Drew é o que mais assusta nessa casa - Leo se defendeu. - E fica se jogando para mim! Ninguém nunca dá encima de mim. É a lei da vida.

- Vou dar uma palavra com ela - A outra revirou os olhos e passou a subir as escadas para ir em direção ao banheiro.

Poucos segundos depois, tudo o que ele ouviu foi um grito.

Reyna voltou com a marca de dedos na bochecha esquerda. Sua expressão era de incredulidade.

- Ela estava mesmo tomando banho - Esfregou a mão contra o rosto, tentando aliviar a dor.

O garoto tirou a mão dela de sua bochecha, fazendo Reyna balbuciar um 'O que você está fazendo?' e olhou a vermelhidão ali. Gelo, ele pensou, deve melhorar. Era um tanto cômico para ele, o que o fez rir de depois receber um tapa em sua mão por tamanha a raiva que ela tinha, mas ele simplesmente disse 'Vamos' e se dirigiu para a cozinha, pegando um pouco de gelo e o enrolando em um novo pano. Diferente de Thalia, ele sequer precisara pensar para trazer-lhe.

- Se continuarmos nesse ritmo não vai sobrar mais gelo - Riu, sem graça. - Então, Rainha do Gelo, qual é o plano?

Reyna bufou, segurando o pano contra o rosto.

- Eu chequei os andares de cima, estão todos os quartos por limpar, mas não há nenhuma coisa que possa realmente servir de assustador.

- Deve ter algo! - Leo falou, exasperado - Um lugar na praia, um sótão... O sutiã da Drew - Fez uma careta.

Ela rolou os olhos.

- Ao menos tente se aproximar dela, está bem? - Reyna se levantou, ainda segurando o pano em seu rosto, sentindo o gelo queimá-lo um pouco. - Converse com ela.

Leo levantou uma sobrancelha.

- E vou falar tipo o quê? Se ela tem namorado? - Falou - Ou se o irmão dela usa samba-canção de ursinhos quando vai dormir?

Ela parou, realmente achando estranha a imagem de Jason com um samba-canção de ursinhos. Balançou a mão livre em sinal de desistência.

Piper chegou na sala e bateu o pé impacientemente ao ver Leo sentado no sofá, quando deveria estar limpando o banheiro junto da patricinha.

- Okay, okay. - Bufou ao andar de volta para o andar do banheiro - Mas eu quero combustível de graça para a moto por um ano!

...

O vento era razoável e agradável, com a noite os deixando apreciar as estrelas à beira-mar. Ainda mais com Thalia sentada no parapeito dos fundos da casa, onde encarava o céu em seu véu negro. Seus cabelos repicados lhe cobriam os olhos, não deixando que Leo os visse bem. As mechas azuis se misturavam com a luz vinda das estrelas e deixava seus fios brilhantes como prata.

Ele estava no banco da varanda, com ela à sua frente, terminando um sanduíche de queijo. Sem falar nada, ele comeu o último pedaço e permaneceu calado.

Vamos, Valdez, não é como se o gato tivesse comido a sua língua.

Leo respirou fundo.

- Você tem namorado? - Perguntou, mas Thalia permaneceu sem o olhar.

- Já viu um fantasma? - Ele ficou incrédulo como se ela fosse uma alienígena.

- Eu, hã, não.

- Que pena - Falou, balançando os ombros como se não se importasse.

- Você já? - Ele arriscou perguntar.

Thalia finalmente o encarou, os olhos azuis como prata líquida à luz da lua. Havia alguma coisa estranha em seu olhar, como se ela estivesse tentando esconder algo.

- Não - Desviou o olhar, o que fez Leo desconfiar do que ela dizia. - Acho que posso vê-los, mas nunca pude encontrar um. - Ela sorriu, puro sarcasmo - Você ainda não entendeu? - Deu uma risada - Aí está sua resposta, garoto em chamas.

Ele pensou um pouco.

- Você... não tem? - Se sentia patético.

Thalia balançou a cabeça, como se fosse uma pergunta idiota.

- É óbvio que não. Jason o mataria antes mesmo que o visse. E Além do mais, Valdez, você nunca me viu com um. - Ela tinha razão, o que o fez se sentir pior ainda. Mas, ao mesmo tempo, ele vibrava por dentro: o campo estava livre para ele! - E você, já quis ver um fantasma?

- Eu acho que sim. - Levantou as sobrancelhas - Deve ser por isso que comprei tantos cds de histórias de terror. Quem sabe um dia eu veja um.

Ele riu, pensando ironicamente em como os fatos se encaixavam.

- Boa sorte nisso - Thalia deu seu sorriso de lado, que fazia com que Leo se esquecesse de tudo além das sardas em suas bochechas e nariz. - Espero que veja.

Jason apareceu na varanda, colocando a cabeça na janela e o chamando com um aceno.

O garoto se espreguiçou e murmurou um 'indo dormir'. 

- Não vai ficar com frio?

Ela negou com a cabeça.

- Eu estou bem.

Ele seguiu Jason. Antes de sumir por completo na casa, ele deu uma última olhada em Thalia, ainda sentada no parapeito.

- Thalia - Chamou. Ela virou o rosto para ele, ainda chamando sua atenção com os olhos brilhantes - Espero que veja um também.

Ela deu um sorriso de conforto a si mesma. Leo foi embora. Thalia voltou a olhar as ondas quebrando no horizonte, com um reflexo platinado de uma estrela cadente na água, cortando uma linha parecida com uma grande cicatriz.

Olhou para o céu, pensando consigo mesma na mentira que havia dito.

Eu já vi um. Há muito tempo.