O Príncipe Cinza escrita por Micaela Salvya


Capítulo 10
Argh! Marujos, homem ao mar!




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Minha primeira aula foi incrível. Eu não poderia me sentir melhor.

Logo pela manhã, quero dizer, antes de o sol nascer, se é que podemos considerar manhã, acordei com o som estridente do meu despertador.  Depois de me trocar, usando as roupas que Arina me dera, desci seguindo as outras garotas já veteranas, que diferente de mim sabiam aonde devíamos ir. Todas caminharam para fora da mansão e eu ainda perdida continuei atrás. Elas tinham mais ou menos a mesma idade que eu, mas notei que todas possuíam um Artefato, uma jóia ou um acessório subestimado até que fosse colocado a prova. Muitas lançavam olhares curiosos em minha direção.

Quando chegamos do lado de fora da Academia Arco Para Caçadoras, todas se enfileiraram esperando por algo ou alguém. Deslocada e confusa, fiz o que todas faziam. Uma figura majestosa e claramente mais experiente saiu de uma entrada secreta num canto meio escondido da casa. Ela realmente tinha saído do chão? Inacreditável, diferente das entradas para os Túneis que eu já vira até agora, que eram mais como tubos em frente às casas, esta entrada era muito mais discreta. E pelo jeito não era a única, uma segunda forma apareceu bem em frente a porta de entrada. A primeira figura era a senhora que eu reconhecera do dia anterior. Arina viera falar com ela sobre mim, ela claramente era uma pessoa importante. A outra era muito mais jovem e o cabelo castanho vinha até a cintura.

- Bem vindas Caçadoras, - disse a diretora, a senhora. - tenho um comunicado a fazer. Devido a algumas circunstâncias, uma nova aluna foi introduzida em nossa classe. Seja bem vinda querida. - seu olhar pousou em mim. E prosseguiu. - Também devo dizer que foi decido que ao invés de começarem o treinamento no subsolo só no terceiro ano, iremos começá-lo hoje. - Será o que o motivo da mudança fora minha recente entrada para as Caçadoras? Todas estavam se perguntando o mesmo já que todos os olhares pousaram em mim.

Acabou que a outra mulher era nossa professora de Arco e Flecha. E ao invés de treinarmos sobre o solo, visitamos as instalações subterrâneas. O treino foi diferente de qualquer coisa que eu já vira. As Salas Subterrâneas eram muito diferentes do que eu teria imaginado.

Por alguma razão tudo era feito de cristal. Desde o chão, às paredes, o Tubo que interligava os andares, e inclusive as pontas das flechas. As salas era bem espaçosas e límpidas, sem muitos objetos além das armas e os alvos. Tivemos de treinar com pelo menos cinco tipos diferentes de arcos. A maioria deles era feito a medida para o arqueiro, diretamente proporcional, mas a questão era que as Caçadoras não deveriam se habituar a terem armas sob medida, com exceção dos Artefatos. Em missões reais onde o inevitável acontecia não havia como calcular todas as possibilidades, então deveríamos ter um plano B. Improvisar, usar o arco, ou a arma de alguém, e deveríamos ser precisas nisso. Esta era a razão dos cinco arcos. Inclusive as flechas mudavam. Era como jogar golfe, dependendo do taco a bola vai mais longe, ou percorre menores distâncias. Era mais ou menos o mesmo processo. Algumas flechas, como as de cristal eram mais pesadas, e tínhamos de atirar bem independentemente do que se tínhamos nas mãos era um arco à medida, ou um para crianças de seis anos.

Kiara, nossa instrutora, nos explicou que nenhuma Sombra da Lua poderia chegar perto do cristal. As flechas normais muitas vezes não os matavam, mesmo que atingissem um órgão vital. Quando uma flecha tinha esse componente especial era fatal.

Logo depois, fomos para a aula de Explosivos. Exato, inclusive nesse mundo a química era essencial. Misturas com um pouco de Cristal de Luminosa e outros componentes como os nitratos causavam um enorme estrago.

Conhecemos o nível mais a baixo do subterrâneo, a sala de Táticas de Guerra e Sobrevivência, onde vimos tudo sobre a formação do exército, as tropas, lógica e sobrevivência, incluindo pequenas missões fictícias onde tínhamos de trabalhar em equipe. A Caçadora mais condecorada ganhava o direito de liderar e se falhasse perdia uma de suas condecorações.  Então era óbvio que não fui eu quem liderei. Aprendemos tudo que se pode fazer em todas as situações imagináveis.  Estudamos a leitura de mapas, decoramos inclusive o território de Castell, pedra por pedra, cada uma das três ilhas.

Depois de um breve intervalo entre aulas para alimentação, fomos a uma sala diferente de todas as outras. Essa sala era enorme, e metade dela estava cheia de água. Um rio descia até ali. A sala era como a ala de uma caverna, mas bem mais iluminada.  Nossa instrutora tinha o cabelo preso numa trança desengonçada, vestia roupas meio masculinas e diversas tatuagens marcavam a pele exposta. Um papagaio se pendurava em seu ombro e seus olhos pareciam sempre observadores apesar de estar deitada num canto da sala cochilando. A aula era de Mar e Navegação. Uma pirata aparentemente. Ela se vestia como uma, falava como uma e tinha humor de uma. Sempre com uma carranca e uma bússola que girava entre seus dedos, ela nos ensinou sobre como navegar. Nos deu todos os instrumentos necessários, nos ensinou a nos guiar pelas estrelas, tanto como pelas latitudes e longitudes. Uma espécie de astrolábio personalizado foi nos apresentado. O astrolábio original era usado para medir a altura das estrelas no céu a partir da linha do horizonte, podia ser usado para medir outras profundidades e alturas, como por exemplo de um foço ou um prédio. Diziam que o quadrante era melhor usado em terra firme devido ao balanço do mar, enquanto o astrolábio não tinha esse problema. O objeto modificado na realidade media não só a altura das estrelas, como também a latitude e longitude a partir da Eixo de Greenwich  Além de não ser necessário o uso de duas pessoas para medi lo, como antigamente.

A temperatura das águas também eram um bom indicador de localidade. Por exemplo a temperatura anual do Oceano Índico, por ser uma região tropical, permanecia acima dos vinte graus. Tivemos de aprender questões geográficas como a maritimidade. A temperatura do mar afeta a evaporação, o que também afeta o clima local.

Tivemos logo após Dominação de Yz. Nesta aula nossa professora era uma mulher miúda e loira que falava de modo leve. Sempre paciente, nos mostrou como podíamos começar realizando exercícios simples, como chamar o nosso artefato sem que estivéssemos em perigo. Na maioria dos casos um artefato só era ativado quando a adrenalina fosse liberada em altas doses junto com outros hormônios. A parte mais difícil era de fato saber o que o meu artefato fazia.

Durante uma das tentativas das garotas da minha classe, uma morena asiática soltou dardos envenenados do rabo de cavalo. Na verdade o seu cabelo se movia como se tivesse vida própria localizando alvos. Muito tarde reparei que o alvo era eu. Tentei abaixar e ele passou de raspão, mas de qualquer forma senti a queimação do veneno. Que sortuda, era o meu primeiro dia e aquilo já estava acontecendo.

Senti uma pressão e depois um calor inebriante irradiando do meu peito. Olhei para baixo, a ônix que era mais marrom do que preta escureceu até um tom obscuro. Não havia mais nenhum traço de marrom na pedra. Um brilho branco começou a irradiar queimando minha pele e um líquido escorreu até minha ferida. O calor triplicou e uma luz forte brilhou antes de cessar e a dor parar. Passei a mão sobre o ferimento.

Estava curado.

Olhei para cima vi a morena que tinha me acertado, e se desculpado, olhar abismada para mim.

- Você é filha dela? Romania Hunter?

- Sou porque?

- Ah meu Deus! Ela é minha heroína, você é tão sortuda!

- Obrigada?

Olhei para o lado e vi uma Caçadora segurando uma lança de dois metros... enfiada em sua própria perna.

Ela gritava de dor e desespero. Laís, a professora se aproximou rapidamente.

- Vou contar até três e vou puxar, tudo bem?

A menina respondeu com um gemido.

- Um. - e ela puxou a lança para fora.

- Você disse que era no três!

- Foi melhor assim. Alguém chame um...-ela não terminou.

Senti a pressão e o calor novamente, a pedra começou a brilhar e um líquido escorreu queimando minha pele, rastejando pelo chão e encontrando a ferida aberta. O brilho se intensificou e a Caçadora soltou um gemido afogado de dor e surpresa.

O brilho diminuiu até se esvair. A menina olhou boquiaberta para mim assim como a professora.

- Você é filha de Ania? -perguntou Laís.

- Sou. - respondi desconfortável.

- Como...? - eu já sabia: Como você carrega o artefato de sua mãe? Como você pode ser filha dela e ser uma Caçadora também?

- Eu não sei. Simplesmente, não sei.

A aula continuou desconfortável a partir dali. Todas me encaravam descaradamente, ou discretamente e sinceramente eu não estava lidando muito bem com aquilo.

A próxima aula foi a de História de Core, os Tempos Antigos, os reinados, o nome dos reis, lendas e tudo mais.

Depois seguimos com Cura Natural. Na qual tínhamos que saber curar os mais variados tipos de doenças com plantas. Isso me lembrou de Serafina. Iria ser tão útil se pelo menos eu tivesse aproveitado para aprender alguma coisa quando criança ao invés de só me divertir com o arco e flecha.

O dia foi extremamente cansativo. Depois de tudo isso eu ainda tive que passar com a minha instrutora, Arina, para aula de Preparo Físico. Essa aula fora individual. Justamente pelo fato de que as Caçadoras estavam separadas em grupos para este tipo de aula, e mais a frente de mim, eu tive que ter essa sozinha.

Ela não estava brincando comigo quando me disse que iria cobrar por carregar a bolsa cheia de comprar com abdominais e flexões. Tive que correr, e caminhar, e correr novamente, e nadar, e caminhar de novo, e dar uma escalada em algumas árvores estilo Mulan. Ou seja sem ajuda nenhuma.

Quando terminei já estava escurecendo. Jantei que nem uma morta de fome, nada de McDonald´s, tomei um banho e capotei na cama morta. A última coisa que pensei foi: Argh! Marujos homem ao mar!

Não que fizesse algum sentido.


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