Roçou com a faca o seu pulso e o cortou. O sangue escorreu e pingou sobre a pia de seu banheiro. A ruiva suspirou, aliviada. Por algum motivo, aquilo a fazia sentir bem. Na verdade, não havia o porquê daquele corte. Tudo estava certo; ninguém havia a machucado naquele dia e até conquistara sua primeira verdadeira amiga. Só havia algo que estava preso em sua garganta.

O garoto. Mesmo depois de se confessar da maneira mais inesperada, ele falou com ela. “Foi só pra ser gentil.” Pensou, deslizando a faca novamente em um corte logo abaixo do anterior. Largou a faca e limpou os ferimentos. Preparou-se para dormir, quando ouviu um som no andar de baixo. Uma mulher chorava e um homem a agredia; sem dúvidas.

Correu até o banheiro, pegou a faca e desceu as escadas aos pulos. Na sala de estar, sua mãe chorava ajoelhada, totalmente submissa ao seu pai. As marcas de pancadas eram desesperadoras. Sem pensar duas vezes, correu até eles e pôs-se no caminho do pai.

“Ora, saia daqui, Isabelle!” gritou ele, tentando forçá-la a sair. Com a faca entre os dedos, cortou a bochecha do homem. Um corte nada fundo e realmente nada comprido. Mas sangrou e ele assustou-se com a reação da filha. Caiu sentado no chão, com o efeito da bebida que ele provavelmente ingeriu.

“Se você tocar na mamãe de novo eu te mato!” gritou a ruiva, contornando o corpo da outra com o braço. A levou até o segundo andar e sentou-a na privada de seu banheiro, sem esquecer de trancar a porta do quarto e a do banheiro antes disso. Com cuidado, passava pomadas e desinfetantes nos hematomas e cortes.

“Por que está fazendo isso?” perguntou sua mãe “Eu te bato por qualquer coisa...” ela estava completamente ciente de seus atos e de sua doença, embora a negasse.

“Você faz isso pela depressão, mamãe. Só está doente; Como eu.” Cobriu a boca com a mão e tossiu “Não quer realmente me ferir.” Sorriu.

                “Falando nisso...” disse sua mãe “Falou com o médico?”

                “Falei.” Suspirou “Já está muito grande, não tem como fazer a cirurgia. O melhor a fazer é evitar maiores contatos.”

                “Impossível...” a tristeza nos olhos da mulher era enorme “Oh, meu amor, não quero que você vá antes de mim.” Abraçaram-se.

                “Mamãe, a muito eu quero acabar com essa vida que levo...“ sussurrou tristemente e se afastou, puxando as mangas do pijama. O corte mais recente ainda tinha algumas gotas de sangue que borbulhavam sobre a pele branca.

                “Meu Deus! Por que faz isso, meu bem? Isso deve doer!”

                “Não dói.” Cortou-a secamente “É quase como uma anestesia. As coisas vão mal, então não dói. Se eu estiver bem, arde e eu sinto o sangue cair.”

                “Meu amor, pare de cortar! Isso é terrível!”

                “Se eu o fizer, serei como carniça ao vento. Totalmente inútil e sem sentidos. Isso é o que me mantém viva.” Cobriu os pulsos novamente “Sabia que não deveria ter te contado!” a mulher assentiu, tentando conter seu pavor.

                “Meu amor, pelo menos vá ao médico. Aquele da sua prima, sabe? Se você quiser, eu te levo.” A ruiva negou com a cabeça.

                “Talvez eu vá. Se continuar mal.” Se afastou e abriu a porta. “Pode ir para o seu quarto agora. Se papai fizer algo, grite.” A mulher assentiu e andou até o corredor, cambaleando para a porta no fim do mesmo.

                “Mais um problema idiota. Como se eu precisasse dele.” Disse a ruiva, atirando-se na cama fria.