Carta escrita por 01


Capítulo 1
Capítulo Único




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Naquela manhã, acordei, aprontei-me e como sempre, fui ao parque vê-lo. Ele estava, novamente, deitado sob o velho Chorão. Aquele onde nos conhecemos, próximo ao laguinho. Pela primeira vez, ele não acenava ou berrava meu nome. Parecia sereno. Parecia dormir. Aproximei-me e encontrei em sua mão um papel meio amassado. Não suportei a curiosidade e cuidadosamente retirei o papel de sua mão. Ele parecia tão angelical que eu não queria acordá-lo. Em seu rosto havia um sorriso.

Após desamassar o papel, percebi tratar-se de uma carta. Esta dizia:


“Querida Meg.


Lembra-se, daquela tarde ensolarada em que nos conhecemos? Eu lembro como se fosse hoje. É tão nítido em minha mente que lembro-me até das cores dos pássaros, que aquela velhinha sentada no banco, alimentava. Lembro-me do seu vestidinho branco cheio de babados, de seus belos orbes azuis e de seus cachos louros, que o vento bagunçava. Lembro-me também de meu sapato furado e meu boné verde, que você tanto gostava. Tínhamos apenas 6 anos, mas você já era tão sábia quanto alguém que já viveu mais de 100 anos.

Foi sob essa árvore, este velho Chorão, que sua bola de vôlei caiu. E eu fui entregá-la a você.

Vivo me perguntando se Deus fez aquilo de propósito ou se foi o acaso, apenas sorte, termos nos conhecido.

Anos se passaram desde aquilo. Sempre estivemos juntos.

Lembro-me de nossa adolescência e de nossas “crises existenciais” e de você sempre calma, dizendo que tudo acabaria bem. Lembro-me que, até quando tinha suas próprias crises, sempre estava lá para me apoiar nos meus problemas, ainda que os seus fossem maiores.

Lembro-me infinitamente bem daquela tarde chuvosa em que minha revolta me levou a fugir de casa; E da surpresa que foi chegar à estação de trem e ver-te lá, cheia de bagagens, séria e sorridente ao mesmo tempo. Lembro-me que quando perguntei o que fazia você, cheia de malas na estação de trem, você disse que não queria que eu fosse embora, mas como sabia o quão cabeça dura eu era, resolveu ir embora comigo, ao invés de tentar enfiar na minha cabeça que tudo ficaria bem no final e que eu não deveria ir embora. Afinal, você não poderia, nem se quisesse, viver um dia longe de mim.

Lembro-me de como nos apaixonamos, e lembro-me das juras de amor que trocamos naquela quente noite de verão, sob este mesmo Chorão.

Lembro-me de como essa paixão se tornou amor verdadeiro, e, se me permite dizer, se é verdadeiro, é eterno.

Lembro-me de tê-la perdido por um ano, um mês e um dia. Lembro-me de sua doce e dolorosa despedida, de seu sorriso falso em meio a um mar de lágrimas e das folhas que caíam naquele outono.

Durante o tempo em que ficou distante, fui capaz de amadurecer, filosofar e aprender. Descobri que o outono é a estação mais triste, e ao menos para mim, a mais bela, pois é uma época de despedidas. As folhas se despedem das árvores, o calor se despede e dá lugar ao frio. Descobri que quando eu disse a famosa frase “Que seja eterno enquanto dure”, condenei-me a jamais ser capaz de te esquecer, pois por mais que durasse pouco (eu e você juntos), eterno seria o amor em meu coração e por já estar em minha história e vida, eu jamais poderia “apagar” você de minhas lembranças.

Descobri a diferença entre ‘esquecer’ e ‘não lembrar’. Quando você não lembra, quer dizer simplesmente que tal coisa não veio a sua mente; E quando você esquece, quer dizer que por muito tempo você se forçou a não pensar em tal coisa até não lembrar mais dela. E descobri que ninguém jamais conseguiu esquecer completamente, pois as lembranças sempre voltam, mesmo que apenas num ‘flash’ rápido e que o que passou não pode ser mudado.

Descobri que quando se ama, não importa quantos anos passem, nunca se é capaz de mudar esse sentimento, mesmo que ele se enfraqueça. Descobri que o amor é feito de paixões.

Lembro-me de sua volta, de você já mulher, com um enorme sorriso me pedindo perdão por ter partido e de seu abraço. Lembro-me que um dia notei que em todo esse tempo que te conheço, jamais te ouvi dizendo estar triste, jamais te ouvi dizer que não estava bem, nem nos momentos em que seus olhos te denunciavam e pareciam perdidos. Notei que você é a pessoa mais sábia que já conheci.

Vivo me perguntando como Deus pode fazer a melhor pessoa do mundo (você) amar um ser tão fútil e egoísta (eu).

Acho que é um caso perdido. Uma questão sem resposta. Completamente sem sentido. Mas talvez seja por isso que esse sentimento é tão verdadeiro.

Querida, se passaram 20 anos desde que a conheci. Até hoje não entendo como você pode ser tão feliz até nos momentos ruins. Como pode ser tão forte. Já cheguei a pensar na possibilidade de você não ser real, ser apenas um sonho maravilhoso, mas essa doce idéia me fere, por me fazer pensar em como seria acordar desse sonho.

Acho que quem inventou o amor não fazia idéia do que é a saudade. Quase morro só de pensar em te perder de novo.

Infelizmente, terei que te deixar. Não é minha escolha, acredite! Mas quem sou eu para questionar a escolha do Pai? Ainda não O entendo e às vezes me pergunto se Ele é louco.

Eu não quero partir. Não por medo... É que... Ah, Meg! Vou sentir tanto a sua falta!

As pessoas não sabem quando vão morrer, mas eu sei quando vou. Uma vez, não faz muito tempo, Ele me contou. Contou para que eu pudesse me despedir. Agradeci e não reclamei por ter pouco tempo. Já era muito saber quando partiria.

Sabendo que não poderia encontrá-la esta manhã, resolvi escrever essa carta. Vou dizer-lhe agora, uma frase que vi em muitos filmes e livros, mas nunca me imaginei dizendo: “Se estiver lendo isto agora, é porque provavelmente já estou morto”.

Peço-lhe que, se quiser chorar, chore, mas não desista de viver. Você ainda tem muito para viver e precisa seguir em frente. Case-se, tenha filhos e seja feliz. Você não pode ficar presa ao passado, por mais que o ame tanto quanto eu.

Saiba que sempre estarei com você onde for.

E quando sentir uma leve brisa roçando em seu rosto, saiba que serei eu lhe acariciando. E não tema nada, pois eu e Ele a protegeremos.

Jamais desista, minha grande menina. Continue sempre sendo a sábia e doce Megally.

Adeus.


Hiroshi.


Ps. Eternamente te amarei.”


Após terminar de ler, silenciosamente chorei e abracei o corpo, já frio, de meu amado. A saudade já me sufocava, mas ao sentir a brisa tocar meu rosto, tive a certeza de que ele estava comigo.

Eu ainda não entendia como poderia alguém saudável morrer assim, aos 26 anos. Mas fosse como fosse, eu jamais o esqueceria.

Ainda que tivesse mil paixões, ele seria meu único amor.


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